Brasil, 1965, 94 minutos, drama. Diretor: Leon Hirszman.
Uma obra que retrata com eficiência o universo de Nelson Rodrigues numa obra perturbadora, seja pela morbidez da protagonista ou pela interpretação monstra de Fernanda Montenegro.
Duas características chamam a atenção acerca desse filme. A primeira delas é que a narrativa é baseada numa obra de Nelson Rodrigues, dramaturgo realista responsável por grandes títulos na literatura nacional, e Fernanda Montenegro, uma das atrizes mais consagradas do Brasil, que estava em seu primeiro filme. A união desses dois nomes relevantes poderia render um excelente filme e, de certo modo, pode-se dizer que foi isso mesmo que aconteceu.
A atriz interpreta uma mulher que um dia se assume doente: dores nas costas, tosses ininterruptas, cansaço em demasia. Associando ao que uma cartomante lhe diz – “tome cuidado com uma mulher loura” –, ela começa a suspeitar que uma prima sua, Glorinha, lhe lançou feitiço e que ela está prestes a morrer. Assim, sua morbidez, um misto de querer morrer e de querer se mostrar majestosa à prima, resulta numa série de perturbações, seja a si própria ou ao marido, que assiste passional a loucura da esposa.
Talvez a primeira coisa que mais chame a atenção no espectador seja o modo espontâneo com a qual os atores agem ao longo de todo o filme. Fernanda Montenegro realmente conduz com máxima segurança sua personagem, nos fazendo acompanhar cada momento de seus devaneios, que vão desde o pensamento que a prima está a lhe fazer macumba até a tentativa de se converter ao protestantismo para ser como a prima. E a personagem Glorinha, apesar de aparecer rapidamente numa das cenas finais, é uma figura extremamente importante ao desenvolvimento da trama, principalmente porque ela é um contraponto essencial na narrativa, já que ela direta e indiretamente perturba a vida de todos os outros personagens.
Podemos perceber claramente as características rodrigueanas da narrativa, principalmente pelo modo tortuoso como a moral é apresentada. As personagens, cada uma a seu modo, se vêem em paradoxos ante a moral: Zulmira, por exemplo, se coloca como mulher respeitável, se negando a ir à praia para não ter que ficar apenas de maiô, pois assim se considera praticamente nua; no entanto, seu discurso trespassa a “imoralidade” quando ela fica atiçando o marido para que ele se deite com Glorinha, numa aparente tentativa de fazê-lo experimentar de ambas a fim de compará-las. Também a vemos percorrer as ruas com sorriso bobo no rosto, de quase flerte às vezes. Gostei principalmente do modo como Fernanda Montenegro conseguiu dar vida à sua personagem ministrando com precisão cada sentimento – ora ela se via alucinada pelos seus pensamentos enciumados, ora ela se entregava à autopiedade, ora à crítica ferrenha ao comportamento do marido.
Acredito que o charme do filme se deva mais ao enredo do que à direção ou ao elenco, mas é inegável que todos os atores fizeram algo impressionante. Numa obra que percorre vários sentimentos e sensações, passando pelas eternas críticas de Nélson Rodrigues às instituições do casamento, da igreja, da moralidade, a obra se sustenta como entretenimento pela sua narrativa bem trabalhada pelo roteiro escrito por Eduardo Coutinho e Leon Hirszman, o diretor. Acompanhar o desenvolver da história é um prazer, principalmente ao vermos o modo irônico com o qual ela termina. Assistir a atuação de Fernanda Montenegro é outro prazer, este maior que aquele, com certeza.
Cara, sou fã de Nelson Rodrigues, mas não vi esse filme. Preciso ver, indico dele tb, Beijo no Asfalto, Toda nudez será castigada e Boca de Ouro.
ResponderExcluirAbração!
Curtindo as sessões cinema nacional Luís. Ainda não assisti este da Montenegro (a cara da filha nesta fotografia e a filha certamente terá a face da mãe na terceira idade).
ResponderExcluirDo Hirszman só conferi mesmo "Eles Não Usam Black-Tie", um clássico do CN, sem dúvida. Vai postar?
Nelson Rodrigues dispensa comentários...
Ótimo texto. Fiquei curioso.
Abs.