6 de dez. de 2011

Bruna Surfistinha


Brasil, 2011, 109 minutos, drama. Diretor: Marcus Baldini. 
Uma obra que consegue manter a sua sobriedade no argumento e que consegue mostrar uma interpretação satisfatória de Deborah Secco, que, de algum modo, desmistifica a personagem Bruna Surfistinha.

Não duvidei em momento algum que o livro escrito por Raquel Pacheco em 2005 viria a se tornar um filme. Vários temores me ocorreram: quem seria a intérprete, como o filme seria estruturado, como seria a sua composição final etc. Aí, no meio de 2010, a notícia de que Deborah Secco ficaria responsável por interpretar Raquel (a pessoa) e Bruna (a personagem) e não soube exatamente se me sinto confortável ou desconfortável.

Não vou me estender na história do livro, já que ele é biográfico e relata a história de Raquel, que saiu de casa aos 17 anos decidida a tornar-se garota de programa e, assim, enquanto prostituta, fez sucesso, conquistou clientes, conseguiu um bom dinheiro (e também o desperdiçou com drogas). Imaginei que o argumento do roteiro se aproveitaria de situações mostradas no livro e também faria uso de situações não expostas lá e pode-se dizer que é mais ou menos isso que aconteceu.


Antes de falar a respeito do por que acho que esse seja um filme bem sucedido, quero explicar o meu medo anterior e também expor o contraponto à minha posição a seu favor. É difícil não olharmos para Deborah Secco e pensar que o filme fará sobretudo uso de sua imagem antes de fazer uso de sua capacidade como atriz. O fato de ela estar dentro de um padrão de beleza que agrada à maior parte da população masculina, somado ao fato de que ela, nesse filme, interpreta uma prostituta, poderia ter servido como desculpa para que, em vez de desenvolverem a personagem com base na sua vida, nas suas experiências e nas situações pelas quais ela passou – isso, evidentemente, abordando o sexo também –, poderia ter sido feito da mulher sensual que Deborah representa, explorando assim muitas cenas de nudez que pouco acrescentassem à trama. E, felizmente, não é isso que acontece e, de certo modo, verifica-se inclusive o oposto disso: as cenas de sexo parecem mais ligadas à destruição física e moral do que à sensualidade do ato. E isso, como se nota ao longo da trama, é um ponto positivo.

Quanto ao contraponto, a respeito do qual não me estenderei muito, penso que seja algo no encadeamento da história. Embora o roteiro se esforce para criar uma personagem verossímil, existem algumas coisas no encaixe das cenas e mesmo na composição do roteiro que soam estranhas, havendo muitas quebras de expectativas ao longo da trama. Essa oscilação constante faz com que a dinâmica do filme se perca, pois temos sempre a impressão (sensorialmente, talvez) de que já passamos por uma determinada cena mais de uma vez. Por outro lado, a favor do roteiro e da interpretação de Deborah Secco, tenho a dizer que as duas personagens são muito bem distintas: Raquel Pacheco é de uma fragilidade notável enquanto Bruna, a Surfistinha, é muito obstinada. Percebemos que a fusão das duas na mesma pessoa é provavelmente o que mais dá funcionamento à trama, que mais faz girar a engrenagem dessa história. Não fosse essa distinção, decerto o enredo seria terrivelmente mais pobre e o espectador sairia do cinema muito insatisfeito. Já que isso não acontece: outro ponto a favor do filme.


Vale também apontar que não estamos diante de uma obra que escorra em muitos lugares-comuns. Não nego haver cenas bastante conhecidas, como aquela na qual Bruna faz uso do seu charme para convencer um policial a liberá-las da multa. No entanto, Baldini conseguiu dar algum charme aos elementos clichês da trama, suavizando-os. E também não estamos diante de uma obra pudorada, que teme mostrar cenas de sexo; no entanto, também não estamos diante de uma obra que chama a atenção pelas cenas de sexo. Na medida certa, o diretor soube como dosá-las, com alterná-las e usá-las sem comprometer o filme ao torná-lo um chamariz para fãs de cenas de sexo explícito.

Honestamente, penso que se trata de uma obra nacional que vale a pena ser vista, principalmente pelos elementos que eu já disse acima e pela presença magnífica de Drica Moraes, que está ótima como a cafetina responsável pelo primeiro emprego de Bruna. A combinação Secco-Moraes rende boas cenas, nas quais ambas se destacam e chamam a atenção. Mais um desabafo honesto: penso que seja necessário mais filme como esse do que as tantas continuações de Se Eu Fosse Você.

4 opiniões:

Rodrigo Mendes disse...

Não dava um níquel para este filme até eu ser seduzido pelos comentários elogiosos. A figura Raquel Pacheco aka: Bruna Surfistinha continua apática e sem graça. Já disse inúmeras bobagens de sua vida de garota de programa a mulher bem sucedida e realizada que se contradizem. O filme não é nada disso. Ele tem uma direção esperta de Baldini que manipula a platéia com seu jogo na trilha sonora (por sinal excelente) e cenas necessárias de sexo que só provocam (pra que chocar?), drama e um tom de comédia (mostrando os clientes mais estranhos que Bruna atendeu). E, evidentemente, a atuação ótima de Secco que se entrega ao papel.

Creio que foi necessário apagar de seu cérebro a própria Raquel para poder fazer algo zerado e mais interessante. Juro que se fosse obra de ficção e não autobiográfico seria mais interessante, mas na verdade isso nem afeta o filme e pouco importa. Como eu disse, Baldini tem gosto cinematográfico e gostei do modo como ele segura a platéia.

Ótimo você expor os seus contrapontos, seu preconceito por pensar que só iriam vender a imagem de Deborah como a gostosa (ainda mais no papel que ela vinha fazendo naquela novela) e que por uma grata surpresa, você diz ter aprovado o bom aproveitamento dela como atriz, sim ela atua mesmo! Drica Moraes e a Fabíula Nascimento idem.

Só não entendi seu ponto de vista com relação a algumas passagens do roteiro. Acho o filme redondinho demais, bem linear. O que deu a impressão de Déjà vu na premissa, por exemplo? E o que isso afeta na construção da personagem. " Embora o roteiro se esforce para criar uma personagem verossímil." você diz. Não ficou de ótimo agrado a fusão Raquel-Bruna?

Ótima crítica Luís, talvez a mais confessional que li sobre este filme.

Abs.

Alan Raspante disse...

Eu também gostei bastante. O filme é bem feito e tem excelentes atuações. Também prefiro uma obra como esta do que as detestáveis Se eu fosse você...

Abs.

Hugo disse...

O filme é interessante na primeira parte ao mostrar o início de carreira da personagem, como vc bem citou, a boa participação de Drica Moraes e as cenas de sexo bem filmadas e até ousadas se considerarmos que Deborah Secco é uma estrela de novelas.

A história se complica na parte final, quando o roteiro passa correndo pela vício da personagem, misturando com o glamour da vida na flat, esquecendo da violência e do lado negro da profissão.

É um filme mediano, mas ainda assim melhor do que eu esperava.

Abraço

Guilherme Z. disse...

Seu texto e os comentários me fizeram mudar minha opinião a respeito deste filme que ainda não assisti porque não me simpatizo com a atriz e a história de Bruna Surfistinha soava para mim como puro caça-níquel. Depois que ela participou de A Fazenda minha impressão sobre ela piorou, mas vou procurar ver o filme, afinal a história da ex-prostituta poderia muito bem ser idêntica a de uma americana, também chegaria aos cinemas e provavelmente eu assistiria. É um preconceito a ser vencido.

Aproveito e deixo o endereço do meu outro blog. Abs!

http://cineinteresseespecial.blogspot.com