Publicado originalmente no blog Cinebulição, no "Especial Cinema Russo: 20 anos sem Socialismo".
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Italianetz. Rússia, 2005, 91 minutos, drama. Diretor: Andrei Kravchuk.
Uma obra datada da Rússia pós-socialista que faz uma pequena ode ao seu sistema econômico de governo mais duradouro: o socialismo.Antes de se começar a falar sobre o filme em si, primeiro preciso agradecer ao Luiz Santiago, que me convidou para escrever a respeito do tema na série de posts intitulada “Especial Cinema Russo: 20 anos sem Socialismo” – vindo dele o convite, é quase impossível não querer fazer, portanto, aceitei a proposta e aqui estou: a falar sobre um período interessante do cinema. Que o cinema soviético – mais especificamente o russo – foi um grande exponencial da arte cinematográfica, ninguém duvida: o seu trajeto ao longo da história da estética fílmica é mesmo interessante e comporta filmes notáveis, desde “O Encouraçado Potemkin” (1925), de Einsestein, até “Nostalgia” (1983), de Andrei Tarkosvky.
Curiosamente, o período que citei acima começa na década de 1920 e termina na de 1980, período no qual o socialismo foi a organização econômica predominante. “O Pequeno Italiano”, de 2005, localiza-se historicamente depois, quando a Rússia já se encontrava há 14 anos incluída no universo capitalista. E, a meu ver, é inegável que Andrei Kravchuk buscou relacionar o seu filme a épocas passadas, estabelecendo um diálogo forte com outro período histórico-político – aquele anterior a 1991, quando a Rússia era marcada pela bandeira vermelha em apoio aos trabalhadores. “O Pequeno Italiano” fala sobre um jovem órfão de seis anos, Vanya Solnstsev, que é escolhido por uma família italiana para ser adotado. A adoção – ter uma família – é o sonho de todas as crianças do orfanato, mesmo dos mais velhos, e aquela notícia deveria causar êxtase no garoto. Isso só não acontece porque, pouco antes da adoção ser efetivada, Vanya vê a mãe biológica de um amigo seu, que já havia sido adotado, ir procurá-lo a fim de reavê-lo, o que já não pode acontecer.
O jovem Vanya: disposto a tudo para reencontrar a mãe.
Não demora para que o primeiro momento de ruptura se verifique no filme. O simples fato de que o garoto anseia por uma família e, ao mesmo tempo, teme que sua mãe, caso resolva um dia procurá-lo, jamais possa lhe reaver é desastroso demais para que ele se adéqüe àquilo que querem dele. Os italianos, embora pareçam gentis, não podem garantir ao pequeno aquilo que ele quer: o carinho de sua verdadeira mãe. Já aqui vemos o primeiro grande símbolo para a elevação do socialismo – a verdade está na mãe do garoto, em uma russa (e, por conseguinte, carregada das características soviéticas), não no conforto vindo de outro lugar, de um lugar estrangeiro. A jornada do garoto logo começa e ele precisa aprender que deve alcançar tudo, inclusive o que está mais perto dele; desse modo, aprende a ler para poder ler os arquivos nos quais revelam a sua origem. Logo descobre e parte rumo a algo novo – não sem a represália severa dos coordenadores do orfanato, que são responsáveis pela manutenção do contingente e pela transação lucrativa com a adoção das crianças. Mais uma vez: o capitalismo em choque com o socialismo, representado pela figura do menino.
Sua busca não é fácil. Sair da área de conforto – isto é, aventurar-se numa área totalmente desconhecida – para adentrar um mundo novo é perigoso e assim, tanto o personagem quanto o espectador, se desdobram para desviar das jurisdições da busca selvagem pelo capital: de um lado, Vanya e sua veleidade desenfreada de encontrar a mãe; do outro, aqueles que querem capturá-lo a fim de não perdê-lo (que aqui significa perder uma quantia satisfatória de euros). Curioso notar a semiótica do filme e analisar todos os signos ali presentes – na atualidade capitalista do momento (o filme de passa em 2002), o vermelho socialista se mostra em todos os momentos, principalmente como alvo de agressões. A busca do garoto se torna mais segura, ou seja, com menor possibilidade de que fosse facilmente encontrado, quando ele veste, para se disfarçar, uma jaqueta vermelha, a qual mais tarde será roubada por garotos à procura de dinheiro (mais uma vez: o capital versus o social). Vale que nos foquemos também noutro fator curioso: as mulheres que ajudam o garoto são ruivas. Como se vê, uma grande metáfora da situação mostrada.
Uma cena que nos mostra a vitória do vermelho.
O filme é esperançoso, inegavelmente traz consigo uma leveza que, embora paradoxal à toda situação ali, cabe perfeitamente à trama do garoto que sai à procura dos seus pais. Todo o enredo encobre alegoricamente uma discussão de caráter nacionalista acerca da problemática pós-guerra, quando o mundo se bipolarizou entre Estados Unidos (capitalismo) e União Soviética (socialismo), além de criticar ferozmente um sistema que perturbou a Rússia ao ser implantada, causando, por exemplo, uma crise econômica bruta entre os anos de 1990 e 1995, resultante de quedas no PIB e privatizações desenfreadas. Ainda no universo do filme, podemos perceber características notáveis que o distanciam de filmes também russos, porém de anos anteriores. Se compararmos “O Pequeno Italiano” com filmes anteriores, por exemplo, perceberemos um caráter mais onírico em títulos como “A Infância de Ivan” (1962) e “O Espelho” (1975) do que nessa obra de 2005. Ela consta com uma perspectiva mais realista e objetiva, com foco na concretude, sem muitas fugas à abstração do sonho como forma de estética fílmica. Aqui a história se condensa na dureza da realidade e na leveza das vontades do garoto – são esses os opostos: o querer e o poder, e não exatamente o plano da realidade e o plano da subjetivação inconsciente.
Em pouco mais de uma hora e meia, conhecemos a trajetória aparentemente ininterrupta de Vanya e de todos os elementos fundamentais ao enredo que visam destituí-lo de sua ambição. Uma mãe – aqui representando o autoconhecimento, a busca pelas origens – é o objetivo do garoto e, mesmo no final, quando percebemos outra grande alegoria – a da impunidade à fuga do menino –, não a vemos, provando que o autoconhecimento, qual a mãe, é uma abstração que compete à cada pessoa e que se dá de modos diferentes. Essa obra de Andrei Kravchuk é bastante singela, muito concisa e eficiente na sua mensagem, além de trabalhar bem as questões metafóricas e o trabalho técnico dos atores, em especial o de Kolya Spiridinov, cujo aspecto miúdo se mostra inversamente proporcional à sua capacidade de interpretação. Vemos, nessa produção, uma visão nostálgica de uma época de outrora, já finda, momento no qual o socialismo predominava e, sob o olhar de muitos, resguardava a nação dos males do capital.
3 opiniões:
Ainda não conferi, mas pretendo, já que o texto me despertou curiosidade. Parabéns, Luís.
Seu texto está maravilhoso, e esse filme é de uma delicadeza muito interessante. Como já disse por ocasião da publicação por aqui, gostei muito da maneira como você abordou as questões sociais e políticas, sem se deter didaticamente e sem ignorar. Muito bom, Luiz!
ai que vergonha da minha ignorância... fiquei lendo e pensando o tempo todo: tem cinema russo? hauahauahua
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