Douches Froides. França, 2005, 102 minutos, drama. Diretor: Antony Cordier.
Uma obra mediana sobre as consequências da dúvida em um relacionamento. Mesmo não sendo uma obra inesquecível, vale conferi-lo pela sua pequena ousadia fílmica.
Esse é mais um dos filmes que eu quis ver sem um motivo exato. Talvez tenha sido porque o filme é francês, talvez porque ele aborde um triângulo amoroso. Não sei bem definir, mas garanto que assistir a esse filme decerto foi válido, porque, ainda que ele não seja nenhuma obra-prima – e muito menos inesquecível – ele garante alguns bons questionamentos.
O título original – “Duchas Frias” – faz uma alusão melhor das situações vividas no filme do que esse título nacional cuja intenção, para mim, é desconhecida. Decerto queriam insinuar que os adolescentes do filme vivem “à flor da pele”. Não posso ignorar que, de certo modo, essa é uma afirmação verdadeira, mas o título nacional tenta definitivamente vender gato por lebre. O filme nos mostra a vida de Michael, um jovem que pratica judô e que é o capitão da equipe. Ele mantém um relacionamento duradouro com Vanessa, a quem conhece desde os sete anos de idade. O patrocinador da equipe de judô pede a Michael que auxilie o seu filho, Clément, a se agrupar. Os garotos principiam uma amizade e Clément acaba inserido no relacionamento de Michael e Vanessa, desestabilizando-os.
Michel e seu pai num dos vários momentos de conflito familiar.
Parece comum aos filmes franceses abordarem um tema que seja diferente daqueles que habitualmente são discutidos pelos americanos. Tenho a impressão de que os franceses lidam melhor com a ética e a moral, desconstituindo conceitos que estão muito firmemente ligados à religião – e é exatamente por isso que assistir a uma película francesa é desautomatizador. Ainda que pareça, o foco do filme não é o relacionamento a três que aparentemente direciona o filme. Essa obra se foca nos questionamentos particulares do personagem Michael em relação às coisas que ele vive: a sua família em constante crise por causa do pai alcoólatra e desempregado, a sua mãe cuidando para economizar o máximo possível de energia, a sua amizade com Clément, o seu relacionamento com Vanessa, a sua tentativa de emagrecer. Tudo isso gera no personagem um lapso nervoso, que o leva a uma brusca dúvida acerca de tudo.
Acredito que o que mais chame atenção no filme seja a dúvida acerca de seu relacionamento com Vanessa, pois, a partir do momento em que ele, ela e Clément experimentam uma relação a três – e devo dizer que esse threesome não é um dos mais bonitos do cinema –, ele passa a se perguntar se ela o prefere ao amigo, estabelecendo então comparações que não o levam a nenhum lugar produtivo. O ciúme o domina, a raiva o contamina – é difícil dizer se o que ele tem é apenas ódio ou se também é inveja. O fato é que esses pensamentos lhe tornam competitivo e essa competitividade oscila entre agir friamente com Clément e tratar mal a Vanessa. Não se pode nesse momento ignorar o título original, que aprece dizer bastante ao espectador: para os que viram o filme e atentaram para uma conversa entre Michael e sua irmã, perceberam o que as “duchas frias” representam. Ela são uma quebra do presente com o passado, elas representam o momento em que o passado deixou de influenciar o presente – e é exatamente a situação vivida por Michael, na qual ele não consegue considerar os momentos bons compartilhados entre ele e Vanessa, enxergando somente o momento a partir do qual tudo se rompeu.
Michel e Clément dividindo outro momento de intimidade, logo depois de os dois garotos e a namorada de Michel terem feito sexo.
A principal crítica que o filme faz talvez seja ao comportamento impulsivo, à fácil entrega a que os jovens estão acostumados e ao modo como eles simplesmente cedem – alguns de mente totalmente aberta, e por isso mais capazes de lidar com as situações, e outros presos a seus próprios valores morais e dúvidas pessoais, o que os faz se distanciar das outras pessoas. Não restaram dúvidas para mim de que o filme visa mostrar essa discrepância de valores entre duas ou mais pessoas, tanto é que percebemos facilmente como a relação entre os três jovens se modifica. Não posso também ignorar outro ponto debatido no filme, que é a mudança. Ainda que ela pareça uma conseqüência normal de tudo o que acontece – e ela de fato é uma conseqüência –, o filme a enfatiza de modo indireto, principalmente quando mostra os momentos finais. Uma frase ilustra bem a temática do filme: “As pessoas não são boas nem são más; elas mudam, isso é tudo. Na verdade, se transformam. E o que importa é saber em que se transforma”. Penso que essa frase seja muito esclarecedora, pois ela remete totalmente àquilo que vemos no filme – não há personagem certo ou errado e, para culpar alguém, ou pelo menos para culpar os valores morais de alguém, é antes necessário conhecer todos os eventos e todas as circunstâncias que fizeram com que aquela pessoa se transformasse naquilo que ela é naquele momento. E as pessoas são mutáveis, vale ressaltar. Estão em constante mudança – e isso À Flor da Pele evidencia bem.
Não devo fazê-los pensar, porém, que essa é uma obra que não se pode deixar de conferir. É um filme interessante, tem os seus méritos, mas não arranca suspiros, não faz morrer de pensar, não aponta o dedo para o espectador e obriga-o a repensar a sua vida. Nada disso, ele apenas narra os fatos e cabe a quem assiste depreender o que é necessário. Não é uma obra inesquecível, não é um filmaço, mas eu o conferi sem grandes pretensões e gostei dessa obra, até porque vejo nela alguma ousadia, primordialmente no que diz respeito ao modo natural como muitas das cenas são concebidas – nem mesmo os nus frontais são capazes de chocar os mais moralistas. E penso que isso seja um mérito do filme. Enfim, talvez seja válido vê-lo...
1 opiniões:
Excelente tua explanação sobre este filme,deixou-me curiosa para assisti-lo.Grande abraço.
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