Brasil, 1976, 119 minutos, drama. Direção: Bruno Barreto.
Uma obra que definitivamente não chama a atenção pela sua qualidade, mas pelo modo espontâneo com o qual ela toda acontece, em especial na personagem de José Wilker.
Não saberia apontar o chama tanto a atenção em relação a esse filme. Primeiramente, é difícil não querer atribuir seu sucesso à figura de Sônia Braga, que, bastante jovem à época das filmagens, causava frisson nos homens e era inegavelmente um símbolo sexual, havendo em si a ousadia marota que muitas personagens sexuais da literatura e do cinema requeriam. Não à toa, o pôster do filme coloca a protagonista nua entre os dois homens, seus esposos, o atual e o finado, mesmo que, como vemos no filme, não se veja muitas cenas de nudez.
Por 34 anos, o filme foi o recordista de público: levou mais de 10 milhões de pessoas ao cinema para ver o entrosamento entre uma mulher que se vê dividida entre o respeito que nutre pelo atual marido e o ardor sexual que nutre pelo marido já falecido. Não tarda para que conheçamos a relação de Valdomiro e Florípedes – Vadinho e Dona Flor, como são mais conhecidos popularmente, desde que foram criados por Jorge Amado, em romance homônimo, apenas dez anos antes. Qual no livro, a cena de abertura é a morte de Vadinho: um taque fulminante o tira de Flor, que desesperada se joga aos braços do falecido e tenta a qualquer custo reavivá-lo. Viúva e voluptuosa, como a mãe mesmo lhe diz: luto de viúva é falta de homem, Flor se casa novamente com Teodoro, um farmacêutico de caráter oposto ao de Vadinho, extremamente respeitoso e cordial, que, definitivamente, não é sinônimo da sustância sexual de que Flor precisa, fazendo-a evocar, através de suas saudades, a personagem de Vadinho, que, filho de Exu e tendo corpo fechado, fica a perturbá-la em seu novo relacionamento.
O casal peculiar formado por Teodoro, Flor e Vadinho - o último membro, já morto.
Basicamente podemos dividir o filme em duas partes bastante distintas, sendo a primeira a mais longa, que é justamente aquela na qual conhecemos o relacionamento das personagens protagonistas, no caso Vadinho e Flor. O homem é beberrão e festejador, sai todas as noites, passeia por bares, salões de jogos e mulheres e perturba Flor com seu jeito desatento e paquerador. Buscá-lo nas ruas ou nos bares não a agrada, tampouco a deixa contente vê-lo se enrabichar com as alunas do seu curso de culinária, o qual ela ministra na sua própria casa. Vadinho, por sua vez, é inflexível – ante o descontentamento da esposa, ele a presenteia para encobrir os desgostos da esposa, mas novamente volta à gandaia. E percebemos haver nessa relação justamente a vivacidade que mais tarde não se verá no relacionamento com Teodoro, justamente devido à sua postura sempre correta e ao seu tom cerimonioso.
Não é necessário haver grande perspicácia para ver que Flor carece de uma atitude mais enérgica, já que ela notadamente gosta de se entregar verdadeiramente durante o sexo e, no máximo, Teodoro dura quatro minutos sobre ele, de luzes apagadas, sem tirar as roupas. Duas cenas, aliás, se contrastam bastante: vemo-la toda nua a ser pega por trás por Vadinho, numa cena interessantíssima e muito ousada – principalmente se considerarmos que ela foi concebida em momentos da ditadura, quando praticamente todo tipo de manifestação de nudez era considerada imoral. A segunda cena é justamente a primeira relação sexual entre Flor e Teodoro, o qual ela chama de “senhor”, diferentemente do primeiro marido, tratado pelo apelido. Acredito que essas duas cenas resumam eficientemente os dois personagens, mostrando-nos o quanto eles se diferem e, notadamente, o quanto são capazes de fazê-la feliz.
Uma das cenas mais clássicas do filme: dona Flor e seus dois maridos caminhando juntos.
Incrível como o linguajar dos personagens soa espontâneo! Estou há bastante tempo à procura de um filme nacional que retrate bem a oralidade e a apresente de modo consistente e verossímil e, honestamente, pelo ter sido esse o primeiro a fazê-lo bem, sobretudo no que tange às palavras de baixo calão. José Wilker as pronuncia todas com extrema malemolência, tornando-as agradáveis de ouvir. E as reações de Sônia Braga são deveras doces, simpáticas ao anseio do marido morto, nos fazendo crer ser impossível que não tenham sido feitos um para o outro.
Aliás, Sônia Braga não atrai a atenção apenas porque é, dentre os nomes do elenco, a que mais aparece desnuda. Ela conquista nossa simpatia pelo fato de que conseguiu conciliar bem as características de sua personagem com a sua intenção interpretativa, fazendo assim com que se unam personagem e atriz e, por conseguinte, a vejamos em completa harmonia em cena. O mesmo se diz de José Wilker – talvez tenha sido esse seu grande personagem, seja no cinema ou na televisão. Mauro Mendonça é o mais limitado em cena, mas isso se deve, claro, à singeleza simplista demais do seu personagem, um homem que deveria se destacar, mesmo que negativamente, pela polidez, mas que fica apenas no morno – e é bem isso mesmo, de outro modo (fosse ele rude, por exemplo), não haveria por que Flor ceder e casar com ele. Assim, o personagem por si só já não o ajuda, mas, nas circunstâncias, ele consegue trabalhar bem isso.
3 opiniões:
O sucesso do filme se deu por alguns fatores.
Como na época a pornochanchada estava no auge, este filme acabou sendo enquadrado neste gênero pelo público e também provavelmente por jogada dos produtores que aproveitaram bem o universo de Jorge Amado.
Além disso, o trio principal era famoso por papéis em novelas, numa época em que audiência destas eram fabulosas.
No geral é um divertido filme.
Abraço
Outro clássico que ainda não vi :( Mas gostei muito de ler o texto. Abraço
Gosto muito deste filme e estou interessadíssimo para assistir a montagem da nova peça teatral onde a Fernanda Vasconcelos substituiu a Carol Castro e a Fernanda Paes Leme.
Valeu pelo comentário na lista de rock 'n roll. Vou publicar uma lista complementar àquela em breve com outros títulos que vou ver (e possivelmente incluirei) e alguns que por descaso esqueci!
Abraços.
Postar um comentário