Uma obra que
realmente merece ser conferida, principalmente pela sua associação com o cinema
noir.
Alguns poucos filmes nacionais me chamam bastante a atenção.
“A Dama do Cine Shanghai” me cativou justamente pela sua peculiaridade, pois,
pelo menos para mim, esse tipo de trama investigativa, cheia de mistérios que
retomam as narrativas noir dos
cinemas norte-americano e francês. Confesso desde já não ter muita experiência
com o cinema nacional e talvez esse seja o motivo do meu fascínio por essa
produção de Guilherme de Almeida Prado, diretor cujo único outro filme a que
assisti foi “Perfume de Gardênia” (, também no estilo noir, estrelando Christiane Torloni.
O título já diz bastante acerca dessa obra: a dama do cine
shanghai é uma personagem quase mítica, que existe em boa parte do filme na
abstração da crença. Ela é, a princípio, a personagem de um filme que Lucas, o
protagonista da história, vai ver no cinema, lugar onde encontra Suzana, mulher
casada e misteriosa, que primeiro flerta e depois foge e, nos constantes e
eventuais encontros com Lucas, acaba envolvendo-se e envolvendo a ele numa
trama de perseguições e crimes, que parecem nunca se solucionar. Cada vez mais a
fundo na relação com as outras personagens que surgem, Lucas percebe que Suzana
e a atriz do filme a que ele assistiu têm muito em comum e talvez descobrir o
porquê dessa coincidência seja a chave para sair da teia de homicídios.
Antes mesmo de dizer que o grande destaque da história é o
tom certo encontrado por Antonio Fagundes (seu personagem tem um quê de romanesco,
tangendo às vezes a inverossimilhança), preciso dizer que o realmente me
agradou no filme foi a direção de arte e a preocupação do diretor em manter na
maior parte das cenas uma luz ou objeto vermelho ou azul, normalmente bastante
iluminado por uma iluminação em néon, o que atrai ainda mais a atenção. Mas vai
além do néon: mesmo a cortina feita de miçangas azuis, o abajur vermelho que
tem no quarto, os lençóis azuis sobre a cama, o biombo de cor amadeirada, quase
laranja-avermelhado que podemos ver em cena. Todos esses detalhes – alguns são
detalhes mesmo, outros são tão evidentes que esse nome nem é adequado – servem
para que a trama seja mais bem estruturada – é inegável que todas aquelas cores
parecem intensificar as cenas, atribuindo-lhes mais tensão.
O segundo encontro eventual de Suzana e Lucas: o inicio de todos os crimes.
A trama, claro, tem seus pontos fracos, principalmente o
modo como tudo parece se resolver facilmente, mesmo que anterior à breve resolução
houvesse mais de uma hora e meia de detalhes, pistas, crimes e sugestões
acontecendo. Ao final, mesmo que vejamos a trama concluída, fica uma impressão
de que algo não está claro – ou, caso esteja mesmo claro, algo no roteiro
tratou de simplificar um final que notadamente demandaria mais explicações. Além
disso, um ou outro momento que parece não fazer sentido na trama, como o fato
de Lucas ser um fugitivo da polícia por suspeita de assassinato, mas nunca se esconder verdadeiramente:
vemo-lo o tempo todo passeando pela cidade com o carro de Suzana, “coberto”, no
máximo por óculos, que, segundo ela, “não têm graus” (risos).
Apesar de um ou outro defeito, a trama realmente me
agradou. A narrativa é bastante fluida e isso se deve principalmente aos
personagens principais e aos seus intérpretes. Tanto Suzana quanto Lucas são
criaturas que nos despertam a curiosidade – ela, sobretudo – e tanto Maitê
Proença quanto Antônio Fagundes souberam defender bem as pessoas que
interpretam. A atriz não perde em nem um momento a aura de mistério que cerca a
personagem, ela consegue olhar compenetrada; o rosto, embora lívido, parece
sempre esconder algo – seus olhos, principalmente, não à toa eles são o que
restam da fotografia que Lucas encontra depois de encontrar o primeiro homem
morto e, inevitavelmente, faz a associação entre a mulher que ama, Suzana, e a
atriz do filme “A Dama do Cine Shanghai”, Lana Van, que pode ser a chave para a
solução do mistério. Em nenhum momento os atores saem de suas personagens,
independentemente do ambiente pelo qual transitam, passando de cenas de crimes
novelescos até festas de casamento em chácaras de família, numa cena também
novelesca.
A Dama do Cine Shanghai: a personagem misteriosa que aparece ao longo de todo o filme.
Estão presentes na trama os elementos essenciais do filme
noir: a mulher desejada, cunhada de femme
fatale; o crime que envolve o protagonista; a tentativa dele de se provar
inocente ou, se culpado (o que não é o caso aqui), escapar dos indícios que o
relacionem ao crime; os ambientes naturalmente escuros e os ambientes
escurecidos – tudo isso é visto nessa trama, inclusive aquele desfecho no qual
paramos para descobrir exatamente como tudo vai acontecer. E o melhor é uma
intersecção adorável entre o real e o fictício, como vemos logo no começo do
filme, quando vemos o que o personagem vê no filme, dando a impressão, num
primeiro momento, de que a trama começa numa coincidência com a trama do filme
assistido no filme – ou seja, o efeito de mise
en abyme, que notadamente acrescenta charme muito maior à história.
7 opiniões:
Eu gosto desse filme, acho ele muito estiloso, cheio de glamour. Só tenho algumas ressalvas qt a narrativa, q acho q empaca em certo momento. O inicio dele é empolgante..hehe
Otimo texto!
Conheci esse filme através do Celo Silva, coincidentemente. Não me interesse muito pela falta de entusiasmo dele, e ainda não me interesso muito, pois, mesmo que tenha achado interessante, expôs vários defeitos que me afastam da obra. De nacionais que lembrar os noir americanos, recomendo o recente Bellini e a Esfinge, que, embora repleto de defeitos, é um bom entretenimento e uma investida corajosa no cinema de gênero!
Ainda não assisti... Eu gosto muito do cinema nacional, mas tenho tido pouco contado com obras anteriores aos anos 2000, com exceção do cinema novo...
Lembro da capa desse filme nas locadoras, nunca tive a oportunidade de assistir. Entrou para a lista dos que quero ver, uma vez que não perderia a oportunidade de ver como um diretor brasileiro trabalha os elentos do noir. belo texto
Acho a Maitê ótima aqui e o filme tem realmente um clima noir como você aponta muito bem.
Vi na televisão umas duas vezes, naquelas segundas- feiras da Rede Globo. Teria que rever. Sobre o Fagundes, ele esta característico como nas novelas. Não sei se é ruim isso, se a intensão do diretor era traçar um paralelo com um homem extraído das "soap opera" por isso teria que rever. Gosto do saudoso José Lewgoy aqui.
Abs.
Acompanhando o texto, deu para notar que Guilherme de Almeida Prado seguiu uma mesma linha em seus filmes rodados posteriormente. Do cineasta, pude conferir apenas "Onde Andará Dulce Veiga?", filme que gostei bastante, especialmente a parte técnica e todas as referências ao cinema noir. Tenho “A Dama do Cine Shanghai” no meu HD externo, só preciso consertá-lo, rs.
só faltou falar da trilha, que inclusive eu a ripei direto do filme ;)
esse é um dos meus filmes de paixão do cinema nacional e pq não mundial?
eu, se fosse falar de filme noir na europa, com certeza falaria desse aqui!
e gostei do comentario que a maitê nao perde a aura de misterio e ela e o fagundes ficam compenetrados nos personagens o filme todo, sem medo de defende-los muito bem e levar a serio o que fazem e sem deixa-los chatos.
adorei mesmo. naquela época, o Fagundes tinha um porte diferente e bacana pra esse tipo de personagem.
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