Evil Dead. EUA, 1981, 85 minutos, terror. Diretor: Sam Raimi.
Indubitavelmente, esse é um filme que faz jus à sua fama e que é facilmente um clássico do cinema trash – cada pequeno defeito é uma qualidade a mais e todos os seus erros constituem a sua perfeição!
Nem precisa chegar à cinefilia para conhecer a fama de Evil Dead. Trata-se de um filme do qual todos já ouviram falar, seja pelo seu título original, pelo seu título nacional ou, ainda, pelo seu protagonista, Ash, que é um dos líderes mais aclamados do cinema de terror. Essa produção B de Sam Raimi tornou-se memorável na história do cinema – poucos filmes são tão assustadoramente bons e conquistaram tantos fãs como esse, que gerou duas sequências – uma em 1987 e a outra em 1992 – e, de certo modo, se imortalizou.
Sam Raimi nos trouxe no início da década de 1980 um filme que chamaria atenção pela dose de violência e pelo impacto visual. É inegável que, antes mesmo de nos lembrarmos da história, nós nos lembramos dos personagens caracterizados como possuídos pelo demônio – ou demônios, na verdade, posto que cinco amigos que decidiram passar as férias numa cabana no meio da floresta os libertam ao ter acesso às páginas do Necronomicon, o Livro dos Mortos. O diretor Sam Raimi, que é também o roteirista, torna o seu filme – supostamente de terror – numa obra extremamente engraçada e é exatamente por isso que eu o considero uma obra “assustadoramente boa”, como disse acima.
Primeiramente, eu gostaria de diferenciar os dois tipos de fãs e me posicionar em relação à minha postura diante deles. Acredito que haja aqueles que simplesmente gostam do filme porque tem medo dele e porque o consideram uma obra impecável, sem grandes defeitos. O outro grupo de fãs são aqueles que percebem os defeitos do filme e compreendem o seu uso como recurso de ironia e, analisando o filme todo, percebem que ele se constrói muito mais pelo hiperbólico do que pelo verossímil. Eu faço parte do segundo grupo de fãs e acho um absurdo o primeiro grupo: é impossível sentir medo dessa produção bem como é impossível não enxergar nela muitos erros – alguns dos quais muito grotescos – de modo a considerá-la uma das melhores filmagens do gênero terror. Até porque se enxergam essa obra com tal seriedade, seria difícil considerarmo-la como pertencente ao cinema trash.
Desde o início do filme percebemos o baixo orçamento. A qualidade da imagem é bastante precária, extremamente diferente de outros filmes produzidos na mesma época. Sam Raimi contava com pouco dinheiro e bastante criatividade e isso se evidencia no excesso de maquiagem (que também ocorreu por outros motivos, como, por exemplo, saída dos atores do filme, obrigando-o a disfarçar os dublês o máximo possível). De certo modo, penso que o filme seja capaz de provocar certa sensação de claustrofobia, mesmo que não se limite ao espaço físico da cabana. A exploração de áreas circunvizinhas é satisfatória para mostrar ao espectador que, embora eles tenham muito espaço, a sua área de atuação é mínima. Isso se evidencia no momento em que a primeira personagem é atacada – quase estuprada, pode-se dizer – na floresta e, curiosamente, pela própria floresta. Cada cena demonstra a precariedade do orçamento, por isso mesmo, até cenas simples, como algumas perseguições, são filmadas com notáveis defeitos.
Olhem os olhos dela! Que será que aconteceu?
Eu realmente acredito que Sam Raimi escreveu seu roteiro visando criar – simultaneamente ao incômodo do gore – um efeito cômico, que provoca no espectador alguma descontração. Não penso que ele tenha querido de fato criar uma obra de terror; se quisesse, não teria, pois, teria exagerado em algumas cenas que enfatizam bastante o humor. Aproveito aqui para citar a primeira cena de possessão. Uma personagem, na frente de todos os outros, levita, profere ameaças com a voz absurdamente rouca, a sua pele se encontra putrefata, o seu corpo agitando-se numa posição muito incomum; logo depois, cai no chão, desmaiada. Ante o acontecimento, os personagens se questionam a respeito do que aconteceu ao olhos dela, que estavam revirados – como se achassem a levitação, por exemplo, bastante corriqueiro e como se não houvesse mais nada de assustador ou estranho na mulher possuída. É evidente que Raimi criou isso só como ironia, assim como inúmeros outros acontecimentos ao longo do filme, como distâncias incoerentes entre os personagens, aspectos físicos incomuns, entre outras coisas.
Confesso que eu ri demais ao rever Evil Dead. Eu havia me esquecido de como era bom estar diante de um filme tão precioso, tão bom apesar de sua baixa qualidade. Aliás, acredito que o adequado seria dizer “tão bom por causa da sua baixa qualidade”. A luta intensa de Ash por sobreviver é realmente interessante, principalmente porque ele vê todos os seus amigos e sua namorada morrerem no primeiro filme, permanece preso na mesma cabana (no dia seguinte) no segundo filme e, no terceiro, é enviado para a Idade Média, para combater os demônios que há muito tempo assolam a humanidade. Acredito que Ash é quase tão heróico quanto Sidney Prescott, da série cinematográfica Scream (1996-2011) – a diferença é que ela é mais interessante enquanto personagem psicológica e está numa série em que o nível de qualidade é mantido, em oposição à série Evil Dead, na qual percebemos uma crescente perda da qualidade, sendo o primeiro filme muito bom e o último filme sendo muito ruim (leiam: o primeiro diverte bastante enquanto o último é muito chato). Enfim, acredito que essa produção de Sam Raimi merece ser vista, ouso até dizer que ela merece ser apreciada em boa companhia, com uma boa cerveja e totalmente de mente aberta pro que tem de melhor em humor.