Esse filme me foi sugerido pela Jacqueline, que, pelo bom gosto, sempre me incentiva a ver os filmes que me recomenda. Ao me passar esse, porém, ela fez uma ressalva: “o diretor só quis chocar com esse filme”. Ao conferir o filme, que ficou abaixo da média na minha avaliação pessoal, e ao analisá-lo criticamente, não pude deixar de concordar com ela. E resolvi retomar essa sessão com esse filme por um motivo: a sua intenção – ou pelo menos aquela que eu considero que tenha sido a sua intenção. É claro que o resto do conjunto influencia, afinal, não consideraria um filme ruim somente pela intenção estúpida do roteirista. Sem me prolongar mais, vamos ao que interessa.
SITUAÇÃO PROPOSTA:
Pierre é um jovem de dezessete anos que vai viver com a mãe, Hélène, por quem tem um amor muito intenso e uma visão distorcida da realidade dela. Um dia, ela lhe diz, sem meias-palavras, que ele a enxerga conforme ela não é, porque, na verdade, ela é, em suas próprias palavras, une chienne – uma cadela. Hélène decide então mostrar ao filho o seu modo de viver: apresenta-o a um mundo de sexo sem culpa, de relações grupais; definitivamente, ela lhe apresenta um mundo de novas experiências no campo sexual.
Personagens
Basicamente, o filme gira em torno de Pierre e tenta discutir as suas relações com as pessoas a partir do momento que passa a ter como tutora sexual a sua própria mãe. Hélène, a mãe, é uma personagem coadjuvante a meu ver e cabe a ela conduzir o filho pelo caminho das novidades. Há entre os dois uma relação dúbia e provavelmente não-recíproca, na qual ela lhe ensina e o ama numa proporção e de um modo bem diferente do modo como ele ama – isso discutirei mais abaixo, quando comentar o roteiro. Hansi e Réa também são figuras consideráveis na trama, haja vista que elas, junto com Hélène, são responsáveis pela mudança da percepção de mundo de Pierre.
Qual o problema nesse aspecto: as personagens femininas são vazias e suas motivações não tem base. Hélène, que é para Pierre o que Lorde Henry é para Dorian Gray, é simplesmente superficial, assim como as suas “amiguinhas”, Hansi e Réa. É exatamente esse o motivo pelo qual as três não conquistam a nossa simpatia. E Réa ainda atinge um ponto de vulgaridade que não há como considerá-la senão asquerosa. Os atores também não conseguem dar qualquer vida a seus personagens, talvez porque o roteiro não sabe bem definir o que se espera deles. Aí, ninguém parece funcionar bem – nem minimamente bem, o que é verdadeira uma pena.
Direção
Diferentemente do que fez em outro de seu filme, Les Chansons d’Amour, de 2007, Christophe Honoré aqui peca pela insistência em nos mostrar cenas desnecessárias e cinematográfica vulgares. E não faz isso apenas uma vez – dá uns dois closes no pênis de Louis Garrel; filma Joana Preiss (Réa) lambendo-lhe as nádegas; em off-screen, filma uma cena na qual Réa introduz o dedo no ânus de Pierre e então oferece o dedo para a mãe dele cheirar e para ele lamber. As suas tomadas vão contra a ousadia do seu roteiro, ele parece bastante primário e convencional ao filmar certas cenas – o elenco nu e algumas imagens panorâmicas não atribuem novidade à maneira como a direção foi concebida.
Qual é o problema nesse aspecto: o incômodo provocado por algumas cenas e a linearidade paradoxal da direção de Honoré. Não pretendo sugerir que o diretor embasasse sua obra num falso moralismo que domina o cinema e que, às vezes, impede de mostrar uma cena de sexo com a devida veracidade. Mas acho que exista uma diferença estética e artística muito diferente entre cenas ousadas e aquilo que Honoré concebe. Comparemos Ma Mère com outro filme francês, Irreversible, que é da mesma década e que foi dirigido por Gaspar Noé. Em 2002, Noé dirigiu a sua obra, que choca pela sua extrema violência, chegando ao seu ápice numa cena extremamente incômoda de estupro em tempo real – ao longo do filme, vemos muito sangue, vemos diálogos não muito convencionais, vemos órgãos genitais filmados explicitamente. Há, no entanto, uma diferença mórbida entre uma e outra obra, haja vista que as cenas de Minha Mãe são gratuitas enquanto as cenas de Irreversível provêm da necessidade de se registrar com a maior verossimilhança possível as situações que envolvem os personagens. Assim, considero errônea a direção de Honoré, que me decepcionou com esse filme.
Roteiro
A história desse filme é extremamente atrativa, pelo menos para mim, que constantemente busco filmes cujas temáticas fujam do lugar-comum e sejam capazes de apresentar uma nova vertente de uma característica social muito cotidiana. O amor do filho pela mãe já foi registrado na literatura – vide Édipo; já foi vista em outras obras cinematográficas – por exemplo, Transamerica, na qual um garoto se apaixona, sem saber, pelo pai transexual, e Trage Liefde, na qual o filho relaciona-se sexualmente com o pai. Mas diferentemente de outras obras às quais eu assisti, Minha Mãe registra algo que para mim era novo: o filho tem perfeita consciência de que a pessoa com quem ele quer se relacionar é sua mãe e isso não lhe causa nenhum problema moral ou culpa; a mãe também consciente do desejo do filho e também não se incomoda. O que poderia por esse motivo se tornar uma obra que garantisse uma excelente reflexão a respeito desse acontecimento, que decerto se deve verificar em muitas famílias, tornou-se um filme chato que não propõe nenhum questionamento válido e nenhuma análise significativa. Hélène, que é uma personagem extremamente importante, some em boa parte do filme – danificando a construção que vínhamos fazendo entre ela e seu filho, Pierre.
Qual o problema desse aspecto: a discussão temática é totalmente esquecida em detrimento que coisas não-importantes, como o relacionamento confuso de Pierre com Hansi. Na verdade, penso que o grande problema seja a dispersão, já que o que é realmente significativo ao longo do filme se perde em função de coisas consideravelmente menores. Tive a impressão de que à conversa que Pierre tem na piscina com os dois amigos de Hansi foi dada mais relevância do que ao seu relacionamento perturbador com a sua mãe.
Elementos cinematográficos
Ma Mère definitivamente não chama atenção para outros aspectos, como fotografia, trilha sonora, direção de arte ou montagem. Tudo é bem convencional e pouco atrativo nesse quesito. A potencial força do filme decididamente não estava aí, mas sim no roteiro. Só em alguns momentos somos atraídos pelas cenas registradas de um outro lado francês, que é quando os personagens andam nas ruas, quando vão a clubes e festejam à noite – festejam vulgarmente, só para constar.
Vou às conclusões finais desse meu texto. Penso realmente que Minha Mãe tinha potenciais chances de se tornar um filme lembrado pelo modo positivo como o seu roteiro é discutido, no entanto, tornou-se um filme que mal chega ao tom mediano. E o mais triste é pensar que Christophe Honoré tinha em sua mão dois excelentes atores – Isabelle Huppert e Louis Garrel – e ainda assim não soube como guiá-los dentro do seu filme problemático. Não quero que pensem que Ma Mère seja um dos piores filmes que existem – ele decerto não o é. Mas merece estar nessa sessão pela pretensão absurda de Honoré, que se perdeu dentro dela própria e compôs um filme que nem sequer entretém. Como disse, uma pena.
4 opiniões:
Eu já tinha conhecimento desta 'putaria' em cena, mas tinha vontade po Huppert e Garrel que são excelentes atores. Enfim, depois de ler o texto vou pensar duas vezes antes de ver, rs
Falando no texto, está ótimo!
[]s
Aceita esse e apaga o outro que tá errado por favor.
Olhe eu tenho que discordar com tudo o que você disse, porque eu acho mesmo que esse filme é muito bom.
Louis garrel está perfeito e o filme tem uma mensagem ótima como se nos falasse que ninguém é como a gente pensa ou como a gente quer.
Achei o seu texto exagerado!!
concordo com tudo. não é um bom ator, esteticamente perfeito, com mãos lindas, estilo e falando francês que vai salvar o filme. acho que é justamente esse tipo de mensagem "ninguém é como a gente pensa ou como a gente quer." que se perde em meio à pretensão. depois que vi as chansons, passei a pensar que o próprio honoré teria condições de fazer infinitamente melhor e suscitar esse tipo de discussão, afinal o argumento é interessante sim, como você disse. beijos.
Concordo com seu texto que, por sinal, foi um dos melhores que já li aqui no blog. É nítido seu amadurecimento na escrita, acho que o novo padrão textual está bem melhor. Continue assim.
Continuando. O filme quer só e APENAS chocar, sim...é como o diretor daquele filme podre nacional, o "Do começo ao fim", onde o diretor quis abusar do sexo e de cenas nonsense apenas pra atinger um público gls...e é o mesmo que ocorre com "Ma mere"...não há sentido algum, o sexo é vulgar, as cenas são estranhas e as motivações também...nada é muito explicado, nada é denso...desperdício usar Garrel e Huppert nisso, sinceramente.
É igual àquele filme ridículo, "Ken Park"...
abraços!
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