Este filme foi uma excelente descoberta para mim, achei todos os temas bastante trabalhados e, mesmo que haja um tom meio novelesco em alguns momentos, garante certos questionamentos.
Na busca por filmes que abordassem a sexualidade, eu encontrei essa pequena pérola. Quemar las Naves, filmes mexicano de 2007, é uma obra que consegue reunir todas as boas qualidades do cinema: roteiro denso, atores competentes, direção firme, trilha sonora adequada,fotografia eficiente e, sobretudo, excelente entretenimento para quem gosta de dramas sérios que envolvem personagens complexos.
Os personagens desse longa-metragem são Helena e Sebastián. Eles são dois irmãos, ela mais velha do que ele, que vivem cuidando da mãe doente. Dois acontecimentos marcam drasticamente a vida dos dois: a morte da mãe e a chegada de um novo garoto no colégio. A partir desse momento, suas vidas se desviam daquilo a que estavam acostumados e partem para um rumo inesperado.
Eu não me sinto confortável em dizer que o que há de melhor nessa obra é o roteiro. Cada elemento está tão intrinsecamente relacionado a outro que tudo nesse filme forma um bloco único, que, embora possa ser fragmentado para análise, não pode ser dividido. Ou se gosta do filme ou não se gosta dele, não creio que haja um meio termo. Primeiramente, discorrerei sobre os personagens e as atuações, falarei então do roteiro e da direção, depois da fotografia e trilha sonora e fecho como habitualmente: comentando se acho válido ou não conferir esse filme.
Pouquíssimas vezes, eu vi personagens sendo tratado com tanto carinho. O trabalho de composição deles me fez ficar tenso: eles são completos demais. São personagens que não têm apenas ação; eles também seguem um raciocínio, eles pensam, eles sentem e eles, sobretudo, têm uma maravilhosa formação psicológica. Desse modo, eles são trabalhados por dentro e por fora – e isso é dificílimo no cinema. Helena, por exemplo, é uma garota distorcida entre o ceder e o reter, a linha que separa essas duas ações é tênue e, para ela, às vezes, indiscernível. Ela desistiu da escola e vive em função da mãe e do irmão, cuida deles tanto quanto pode, esforça-se o máximo para agradá-los. De certo modo, por ser esse o seu estilo de vida, ela espera que o irmão lhe retribua e que esteja disponível para ela, que possa lhe ajudar o suportar o peso das mágoas que ela esconde dentro de si. Sente-se protetora dele e o inclui em seus planos, não deseja torná-lo seu amigo-escravo, porém espera que ele tenha sentimentos recíprocos em relação a ela. Num determinado momento, quando Sebastián alcança sua liberdade como pessoa e depreende-se da veia familiar – que basicamente significa não estar sempre ao lado de Helena, a garota passa a viver em função dele e a atenção exagerada que ela dedicava à mãe agora se volta para o irmão.
Sebastián, por sua vez, primeiro vê na irmã uma companhia extremamente positiva e isso fica evidente pelas cenas iniciais, quando ela canta junto com o rádio toca-discos e faz uma performance para o irmão. Há sintonia entre os dois e isso é quase inenarrável. Não há, no entendo, plenitude em relação à afinidade entre eles e é exatamente isso que Sebastián encontra quando um novo garoto chega à escola. Ele vê no rapaz a rebeldia que ele nunca ousou ter, a força que ele jamais descobriu em si, a coragem que extravasa o limite do aceitável. Ele percebe que ele não apenas admira o rapaz pelo que ele é como também o inveja, tentando moldar-se conforme à imagem dele. Assim, eles se tornam amigos e, desta vez, eles são plenos. Há no outro aquilo que falta em um deles, eles são opostos, se diferem bruscamente, porém insistem na relação, embasada numa ternura muda, silenciosa. Sebastián se opõe a todos: diferentemente de Helena, que é explosiva, ele é contido; diferentemente de Juan, que é corajoso e valente, ele é um mero observador; diferentemente de Ismael, filho do médico que tratava a sua mãe doente, que é um rapaz determinado e decidido, ele é instável.
É interessante notar que todos os personagens são carentes. Eles carecem de apego, carecem de amor. Todos se envolvem pelo desejo de sentirem-se completos, todos buscam a auto-estima nos braços de alguém que acreditam querer bem. E as atuações de todos os atores correspondem àquilo que pedem os personagens. Angel Onésimo Nevares, intérprete de Sebastián, me surpreendeu com uma atuação contida e muito bem elaborada, que nos permite adentrar com ele no universo do personagem. Irene Azuela, a Helena, não erra no tom de voz, nem na postura altiva, nem no modo de se portar em cena, outra surpresa boa! Bernardo Benítez, o Juan, compõe um personagem que aparece pouco, mas que tem extrema importância na trama. Esses três atores nos presenteiam com interpretações muito boas, que conciliam as medidas certas de carisma, orgulho e sentimento.
O roteiro reúne magistralmente situações que engrandecem e desenvolvem os personagens. O enredo não se repete, não pára: é sempre um contínuo crescente, sempre nos mostrando eventos novos e fazendo com que nós sejamos capazes de nos envolver com cada acontecimento. Há também magníficas alusões culturais, como quando o grupo da classe chama o novo garoto de Scarface e como quando Helena lê um livro para a mãe: O Morro dos Ventos Uivantes – o que remete mais uma vez ao que eu disse acima, sobre todos os personagens serem carentes. A trilha sonora, muito bem editada, toca canções que combinam perfeitamente com a cena. Analisemos, por exemplo, a canção que embala a personagem Helena. “Um dia, vou embora / não voltarei jamais / Sei que devo continuar minha vida / em outro lugar”, é a seqüência de versos cantada por Helena e isso corresponde a tudo aquilo pelo que a personagem vive: a esperança de uma vida nova, em outro lugar, fazendo aquilo que lhe agrada. A trilha sonora funciona como um elemento catártico, pois ela puxa para si a carga dramática por que cada personagem passa.
Repetindo: Quemas las Naves é uma pequena pérola do cinema. Um filme que deve ser visto, que merece uma conferida minuciosa, que requer a atenção de um bom cinéfilo, disposto a descobrir uma nova obra interessante. Não é um filme sobre crianças, nem sobre draminha bobo. É uma produção séria e densa sobre as vontades humanas, desde as mais elevadoras quanto as mais autodestrutivas. Vou recomendá-lo mais uma vez, para que tenham a certeza de que eu realmente gostei dessa obra. Vejam-na não uma vez, mas mais do que isso: depreendam-na em todos os seus sentidos, enxerguem-na nas entrelinhas. Vale a pena, com certeza.
1 opiniões:
Achei muito interessante a temática do seu blog. Onde conseguiu esse filme? Estou procurando por ele e não e encontro =S
grata
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