Convidei há algum tempo o Darlan para que escrevesse para o blog um artigo que abordasse as relações conflituosas entre mães e filhos - um tema que vem sendo abordado tanto no cinema quanto na literatura há bastante tempo. O seu corpus se dá pelos títulos cinematográficos "Sonata de Outono", "Gente como a Gente", "Preciosa" e, no campo literário, pelo título "Electra". Aproveitando também, esse texto serve como introdução à próxima resenha, "Precisamos Falar sobre Kevin". Gostaria de agradecer ao Darlan por ter aceitado participar e pelo belo texto que escreveu, além de já informar que ele decerto será convidado outras vezes.
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por Darlan Xavier Nascimento
Quando fui convidado a escrever um artigo para o blog Literatura e Cinema, achei que era sarcasmo do dono do blog, pois, me conhecendo, sabia dos problemas familiares pelos quais já passei, por diversas razões. Um tema como “mães e filhos em conflitos” me vem à mente sempre que me lembro do que já vivi (é importante ressaltar que uso o verbo no pretérito). Hoje em dia, tenho uma relação maravilhosa com minha mãe. Ela é bróder.
Ingrid Bergman: uma mãe incapaz de notar as próprias filhas.
Interessantes sugestões de obras para comentar foram as que recebi, pois, em cada uma, vemos uma faceta diferente desse estereotipão que existe acerca das mães. Muito se fala sobre o sentimento maternal que a mulher desenvolve ao descobrir que está em gestação. O tema da dissertação de mestrado de Caroline Rossato Pereira (2006), da UFRGS, foi exatamente uma análise sobre as impressões do relacionamento mãe-filho durante a gravidez, e ela chegou à conclusão de que a gestação “[...] traz às mães a necessidade de uma redefinição em seu papel.” (PEREIRA, 2006). Esse, definitivamente, não é o caso de Sonata de outono, filme bergmaniano de 1978, que mostra o frágil relacionamento entre a renomada pianista Charlotte Andergast (Ingrid Bergman) e sua filha Eva (Liv Ullmann), que toma também as dores da irmã portadora de necessidades especiais Helena (Anna Lena Nyman). Charlotte nunca esteve presente na vida das filhas, por conta das inúmeras viagens de trabalho. Não houve redefinição de sua vida profissional em detrimento das filhas, o que, de certa forma, influenciou a personalidade de Eva (timidíssima). Mas, ao longo do filme, percebemos que a timidez não passa de máscara para ressentimentos relacionados a esse distanciamento. A cena mais forte do filme é a lavagem de roupa suja entre Eva e Charlotte, em que todas as mágoas são desengolidas para grande clareza dos fatos. O ar de sofrimento parece ser reforçado pela fonética da língua sueca (idioma do filme), que, cheia de tepes e sons guturais, forma o que nós diríamos ser uma língua agressiva (assim como o alemão...). O choro quase contido de Eva misturado com tais sons cria um ambiente desesperador. Filme difícil de engolir.
Mo'Nique: a mãe-monstro, que, por ciúmes, odiava a filha.
E quando penso em como é difícil a vida de Eva, me vem à cabeça o segundo filme da lista: Preciosa: uma história de esperança (2009). Claireece Preciosa (Gabourey Sidibé) tem a vida – com perdão da palavra – mais fodida que posso imaginar: além de ser analfabeta, pobre, negra e obesa (o que provoca sua marginalização na sociedade norte-americana), Preciosa é uma adolescente grávida do segundo filho (ambos oriundos de relações forçosas com seu pai!). Como se não bastasse só (?) isso, o relacionamento dela com a mãe Mary (Mo’Nique) é completamente conturbado. A mãe odeia a filha por ciúmes, já que o pai só trepa com a filha. Assim como em Sonata de outono, a parte mais emocionante do filme é a revelação, a exposição dos sentimentos. Mas aqui a protagonista é a mãe – e não a filha –, o que rendeu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante de 2010 para Mo’Nique. Aqui aparece um segundo tipo de mãe: aquela que prova o determinismo: o ambiente denegrido (para ser eufêmico) determina essa relação mãe-filha, sujeita a atritos constantes pelo inconformismo socioeconômico. Os únicos momentos felizes de Preciosa são os de sua própria ilusão, quando ela se vê no lugar de mulheres de sucesso, mas essa válvula de escape não se sobrepõe, infelizmente, à realidade.
Mary Tyler Moore: uma mãe que só conseguiu amar ao filho mais velho.
O terceiro tipo de mãe que entra em foco agora é aquela que culpa o filho pela ruína da família, e é o caso de Gente como a gente (1980), cujo nome original é Ordinary people, mostrando que isso pode acontecer a qualquer instante com qualquer família. Conrad Jarrett (Timothy Hutton) se diz culpado pela morte do irmão e tem de ser submetido a terapia para conseguir lidar com a situação. Isso não é explícito, mas percebe-se que a mãe Beth (Mary Tyler Moore) preferia o filho falecido, e, para ela, é difícil ter de suportar a morte de seu ente querido além dos problemas psicológicos do outro (não se sabe se ele foi realmente culpado pelo acidente que matou o irmão). A preferência pelo primogênito remonta à época do Antigo Egito, em que a décima praga era exatamente a morte do filho homem mais velho de cada família. Falando psicologicamente, Keller e Zach (2002) sugerem que exista essa diferenciação entre primogênitos e os outros filhos como forma de atribuição de status social. Além disso, eles inferem que isso exista como forma de investimento dos pais, para que pelo menos um dos filhos da prole tenha sucesso e dê prosseguimento à linhagem familiar.
A morte de Clitemnestra, a pedido de Medeia, sua filha.
A quarta obra a ser analisada é Electra (século V a.C.), também vista pela ótica psicanalítica: o termo “complexo de Electra”, colocado em voga por Karl Jung e baseado nessa peça teatral de Sófocles, representa a relação mãe-filha em que há uma identificação tão grande que, mesmo que inconscientemente, a filha tem a tendência a querer destruir a mãe para poder possuir o pai para si. E esse é mais ou menos o resumo da história: Electra convence Orestes, seu irmão, a matar a mãe (Clitemnestra), para vingar a morte do pai (Agamênon). Paira aí a dúvida: por que tanta revolta pela morte do pai? Seria por puro sentimento filial, ou seria já um estágio mais avançado de amor? Esse tipo de relação entre mãe e filha atinge o limiar da doença e da demência afetiva, idiossincrasia do drama grego.
O que se nota, de maneira geral, é que cada caso é um caso. Apesar de influências externas (cultura, socioeconomia) serem relevantes na construção da família enquanto instituição que compõe a sociedade, as internas (presença de pai ou não, por exemplo) empregam mais ênfase. Claro que todas as histórias citadas são meros exemplos, mas formam o estereótipo mais genérico – e cruel – sobre a relação entre mães e filhos: a exacerbação do sentimento. Agora, se essa explosão sentimental é positiva ou negativa, a visão que um tem do outro determina.
3 opiniões:
Quero ser o primeiro aqui!
O seu texto ficou muito bem escrito, Darlan, eu realmente gostei de como abordou e diferenciou os "tipos" de problema enfrentados por essas mães e filhos. Gosto especialmente da sua análise de "Sonata de Outono", um filme bastante tenso e, a meu ver, bem superior aos outros dois, tanto na abordagem do problema quanto nos aspectos técnicos e artísticos do filme.
Seu texto, reforçando, está mesmo excelente e decerto vou convidá-lo mais vezes para participar.
Um grande abraço.
O tema deste artigo me fez recordar de um filme que li uma vez uma resenha, mas nunca assisti. "Mamãezinha Querida" foi protagonizado pela atriz Faye Dunaway e falava sobre a relação verídica da cultuada estrela de cinema Joan Crawford com seus dois filhos adotivos. Diante do público era muito amável com eles, mas na intimidade tinha um comportamento agressivo. Gosto muito de temas do tipo e dos destacados só assisti "Preciosa" que concordo com o Luís, é bom, mas deixa a desejar na parte técnica e artística. Parabéns ao Darlan pelo texto.
RESPOSTA AO SEU COMMENT LÁ NO CINEBULIÇÃO:
Hahahahaha, juro que me coração até bateu quando comecei a ler teu comentário, Luizitto! HAHAHA
Apollo 18 é uma derrota, amigo. É treva, treva, treva mesmo. Mas acho que todo mundo merece um castigo uma vez na vida, então, veja-o.
Sobre o mockumentário, é bom especificar mesmo: são documentários que não são reais. Ok., nesse ponto, todos os found footage são mockumentários, porque são falsos documentários. Mas nem todos os mockumentários são found footage (este último, específico de filmes de terror, filmados com câmera na mão, baixo orçamento, e, com a característica de ser um falso documentário). =)
Alguns mockumentários (que NÃO SÃO found footage), que me vêm a cabeça agora:
1 - Um Assaltante bem trapalhão - Woody Allen
2 - Zelig - Woody Allen
3 - Poucas e Boas - Woody Allen
4 - F for Fake - Orson Welles
5 - Borat - Sacha Baron Cohen
6 - MPB: A História que o Brasil não Conhece - André Moraes
7 - All you need is cash - Eric Idle e Gary Weis
8 - Brüno - Larry Charles
9 - Close-Up - Abbas Kiarostami
10 - The Great Rock 'n' Roll Swindle - Julien Temple
11 - How to Get the Man's Foot Outta Your Ass - Mario Van Peebles
12 - Bob Roberts - Tim Robbins
13 - Recife Frio - Kleber Mendonça Filho
Esses são apenas os que me vêm à mente agora, mas com certeza existem centenas de mockumentários que não são found footage.
Abraço.
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