Brasil, 1999, 252 páginas, editora Objetiva. Autor: Mário Prata.
Esse livro nos permite não apenas conhecer mais sobre Mário Prata, mas também nos apresenta inúmeros outros personagens extremamente interessantes e relevantes para a cultura brasileira.
Fiquei meio em dúvida entre comprar esse livro ou não comprá-la. Há muito que não lia literatura brasileira e estava ansioso para conhecer mais das obras nacionais contemporâneas. Esse livro do Mário Prata é desses gêneros que causam confusão: difícil chamá-lo de literatura, principalmente porque o livro na verdade reúne breves explicações sobre pessoas com as quais ele teve contato em algum momento da vida, percorrendo o “breve” período de 181 anos – desde a origem do sobre “Prata” até a época de publicação do livro, datado de 13 anos atrás.
Aqueles que esperam literatura nos seus moldes mais tradicionais – ou seja, uma história linear com personagens regulares – decerto se frustrarão com o que há aqui. Acredito haver inequívoca literatura aqui: toda a vida do autor nos é contada e toda ela acontece com a junção de inúmeros “cacos”, que são as pessoas que ele eventualmente conheceu. Assim, a cada nova pessoa que surge na história, constrói-se a vida – a narrativa da vida – de Mário Prata. Detalhe especial para o fato de, como o autor mesmo escreve, a história poder ser lida de vários jeitos: você pode lê-la linearmente, da primeira página à última, acompanhando a ordem alfabética; você pode pular para os nomes em negrito, que não necessariamente acompanham a ordem alfabética ou cronológica (por exemplo, de Abe, na p. 17, há um nota na lateral da página indicando que a pessoa em questão está conectada com Zuleika, da p. 244); ou, ainda, você pode acompanhar a história pela cronologia, conferindo o final do livro, onde há um índice para guiá-lo.
Eu optei por seguir a ordem cronológica e, assim, recriar mentalmente a trajetória da vida do autor e das pessoas que ele conheceu ao longo de sua vida. E devo dizer que há nomes de muitas personalidades famosas, muitos momentos marcantes, muitos lugares – e isso acaba satisfazendo todos os leitores, que decerto encontrarão com o que se identificar na obra. Não tardou para que eu me identificasse: logo no começo da cronologia, há uma referência à minha cidade natal – Rio Claro. Sobre ela, Prata afirma que em 1968 “estava numa pracinha em Rio Claro, esperando Ticá [Beozzo] sair da faculdade” (PRATA, 1999, p. 231) e sobre o relacionamento deles, diz que “ficou aquela coisa parada no ar, numa cidade onde só fui uma vez” (ibidem). Isso aconteceu há 44 anos, numa época em que Rio Claro felizmente não era alvo de piadinhas no Facebook por ostentar uma versão pífia da Torre Eiffel. Eventualmente conhecemos mais: de Chico Buarque, de Caetano Veloso, Marta Suplicy, de São Paulo, Rio de Janeiro, até mesmo Araraquara, cidade que está relacionada à sua ex-esposa, Marta Góes.
E é importante ressaltar que o autor escreve sem rodeios sobre inúmeros problemas enfrentados por ele e por seus amigos, principalmente a partir de meados da década de 1960, quando a ditadura surgiu para oprimir. Gosto especialmente de uma passagem do livro, quando Prata nos fala sobre Julinho da Adelaide, personagem de Chico Buarque foi obrigado a assumir para poder compor e ter suas músicas aceitas pelos censores, já que a simples menção ao seu nome já fazia com as canções fossem barradas:
Julinho da Adelaide até então não tinha dado uma entrevista, poucas pessoas tinham acesso a ele. Nenhuma foto. [...] Setembro de 74. A coisa tava preta. O Chico já havia topado e marcado para aquela noite na casa dos pais, na rua Buri. [...] Quando eu achava que estava tudo pronto o Chico disse que ia dar uma deitadinha. Quando desceu, não era mais o Chico. Era o Julinho. Julinho, ao contrário do Chico, não era tímido. Mas, como o criador, a criatura também bebia e fumava. [...] Era metido a entendedor de tudo. Falou até de meningite nessa única entrevista que deu a um jornalista brasileiro. Julinho não se deixaria fotografar. Tinha uma enorme e deselegante cicatriz muito mal explicada no rosto. [...] Chico inventava, a cada pergunta, na hora, facetas, passado e presente do Julinho. [...] Para mim, o que ficou depois de 25 anos, foi o privilégio de ver o Chico em um total e superempolgado momento de criação. Até então, Julinho era apenas um pseudônimo para driblar a censura. Ali, naquela sala, criou vida. (ibidem, p. 124-126)
Como disse, não apenas conhecemos a história do autor, mas também a história do nosso próprio país e de figuras que foram imensamente importantes para a construção de elementos da nossa cultura. E tudo isso com extremo bom humor e sem nenhum moralismo forçoso que incomode a leitura. Mário Prata faz uso de palavras como “bicha”, “viado”, além de nos contar sem temores momentos curiosos de sua vida sexual (e também da vida sexual dos amigos):
Eu havia operado da fimose há 15 dias. Ainda tinha uns pontos. O que eu sei é que acordei no dia seguinte na cama dela [de Maria Regina, atriz], todo ensangüentado, ainda viajando [por causa do ácido], com a coisa latejando. Parecia uma rosa vermelha mordida por um buldogue. (ibidem, p. 162)
4 opiniões:
Não vou comentar sobre o livro porque ainda não li,mas vou te parabenizar pelo blog,excelentes postagens.
Luís, obrigado pelo comentário e o elogio no blog.
Agradeço também por divulgar meu texto no Facebook.
Abraço
Nunca li. Para falar a verdade, li pouquíssimo do Mario Prata...
Também nunca li, e na verdade, nunca li nenhum livro do Mario Prata, porém, pela crítica percebi que estou perdendo meu tempo aqui..muito boa.
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