Out of Africa. EUA, 1985, 161 minutos, drama. Diretor:
Sidney Pollack.
Ainda que o seu
ritmo lento possa parecer um empecilho, o filme é um grande épico que nos
apresenta magnificamente à vida intensa e perturbada de Karen Blixen.
Isak Dinesen é um nome pouco estudado da literatura e
mesmo seu nome verdadeiro, Karen von Blixen-Finecke, não se trata de uma
referência literária precisa, até mesmo para muitos estudiosos das artes.
Em 1985, com Meryl Streep no papel da dinamarquesa Karen Christenze Dinesen,
que eventualmente se casaria para herdar o título de baronesa, Sidney Pollack
apresentou um épico de quase três horas de duração, no qual praticamente toda a
trajetória amorosa da personagem fosse mostrada.
Se Blixen, cujo futuro marido Bror von Blixen, é um dos
objetos dessa narrativa, com certeza o outro objeto é o atual Quênia, local
para onde Blixen se mudou após se casar com seu primo. Um casamento arranjado,
como se vê, mas nem por isso uma relação exclusivamente desarmoniosa, apesar
dos grandes problemas de aproximação que Karen Bror descobrem existir. A
história, assim, tem seu alicerce sobre dois personagens: Karen e a África. Se
o ambiente no livro de Aluísio Azevedo, “O Cortiço” (1890) – ou seja, o próprio
cortiço – é personagem fundamental para a história, o mesmo se pode dizer da
África para a narrativa de “Entre Dois Amores”, que, a meu ver, alude ao
cenário e ao segundo amor de Blixen.
Vemos aqui, sem medo, um Quênia não-Quênia: notadamente
percebemos tratar-se do cenário africano, das amplitudes áridas e selvagens do
continente, e não especificamente da cultura local, apesar de ela ser
apresentada na obra. Um dos primeiros amores da baronesa, com certeza, foi a
imensidão daquelas terras que tanto se distinguem da gélida Dinamarca, local de
onde ela saíra. E a natureza é grafada nesse filme tão pictoricamente que é
difícil apontar claramente quando se trata de uma representação objetiva de uma
representação subjetiva, tamanha a proximidade da câmera com o olhar de Blixen,
sempre admirado, mesmo já tendo se passado muitos anos desde a sua chegada àquelas
terras – até mesmo o título do filme alude à sua tristeza de saber que estará
para sempre fora da África, já que
todos os seus investimentos, num determinado momento, mostraram-se fracassados.
Meryl Streep define bem a mulher de ferro que sua
personagem é. Ela transita facilmente entre as obrigatoriedades como dona de
casa e as obrigatoriedades de ser uma dona de terra daquele lugar. O marido
sempre ausente, satisfatoriamente defendido por Klaus Maria Brandauer, apesar
de sua condição – ou seja, de sua ausência –, torna-se um objeto de desejo, não
à toa Blixen considera ter filhos e não hesita em ir ela mesma levar os
mantimentos que ele havia pedido: ela cruzou territórios perigosos, enfrentou
intempéries várias, mas, por fim, para surpresa de todos, chegou ao seu destino
– ao encontro do marido, que, eventualmente, devido aos seus encontros com
outras mulheres, lhe passou sífilis, doença que perturbaria para sempre a vida
da baronesa. E Robert Redford, o aventureiro Denys, surge na história
registrando o segundo amor de Karen: é ele o homem a quem ela se dedicará
fielmente e que a demoverá de certas idéias, instaurando-lhes outras na cabeça.
Sidney Pollack constrói uma obra bastante correta, sem
exageros e sem fraquezas. Mesmo o ritmo lento, que alguns podem julgar monótono,
serve para conduzir a trama de modo que suas pontas sejam amarradas e, pouco a
pouco, nos permitam construir mentalmente a figura que a baronesa é. Mais
ainda, Pollack conseguiu extrair de seus atores momentos extremamente satisfatórios,
transformando seu filme numa obra bastante linear e simétrica, sobretudo: não é
mais interessante o começo que o fim, não é mais ágil o final que o começo –
trata-se de uma trama cujo percurso se faz lento e preciso, dotado de poesia
intrínseca. E acho que a obra é bastante poética quando analisamos os seus
elementos: a clausura da casa de Karen em oposição à vastidão queniana, o
escuro dos interiores em oposição ao alaranjado e claro dos exteriores.
Mais interessante a obra fica se analisarmos a questão do
amor, sugerida no título nacional (como vemos, não se trata de uma tradução
literal): se a África representa um dos seus amores e, por conseqüência, toda a
sua grandeza de cores áridas e a liberdade associada àquelas terras de perigo,
Denys representa o segundo amor da baronesa e, em oposição à liberdade, ele representa
o confinamento, o convencional e a introspecção. Basta nos lembrarmos de quando
os dois têm uma discussão e ela claramente apresenta suas vontades: gostaria
que ele fosse dela, que estivesse mais com ela e que viajasse menos e que ele
fizesse com que ela sentisse que os dois eram mesmo um do outro. E ele, em
resposta, argumenta que não pode ser assim o relacionamento dos dois – eles são,
afinal, livres, qual aquele cenário no qual vivem.
“Entre Dois Amores” (1985) não é uma novela melodramática nem
um discurso frio – as próprias cores da película ajudam a não permitir que ele
o seja. Trata-se de uma narrativa sóbria que mostra satisfatoriamente o trajeto
de Karen Von Blixen-Finecke em terras africanas, às quais nunca mais voltou
desde que de lá partira, e serve excelentemente como material extra para
consulta àqueles que são ou ficaram interessados pela história dessa escritora
que se tornou famosa pela sua dedicação aos nativos do Quênia e à literatura,
sendo os seus títulos mais famosos o livro de contos Anecdotes of Destiny (1958) e Out
of Africa (1937), que é o romance autobiográfico que deu origem a esse
filme. Talvez, se não valer exclusivamente pela estesia de ver Meryl Streep
magnificamente com um sotaque dinamarquês, o filme vale para conhecer um pouco
mais do período (trata-se dos últimos anos do Quênia como colônia britânica) e
da mulher que Blixen foi (lembrando-se também que ela é a única mulher a já ter
sido convidada para beber no Muthaiga Country Club, um bar somente para
homens).
3 opiniões:
É um ótimo, do estilo que antigamente chamavam de "cinemão", história que mistura drama, amor e aventura em algum local exótico.
A dupla principal está ótima, assim como o húngaro Klaus Maria Brandauer.
Pode-se considerar com um dos melhores trabalhos de Pollack.
Abraço
A cena que abre esse filme, na minha opinião, é uma das coisas mais lindas que eu já vi no cinema. Pena que "Entre Dois Amores" tenha envelhecido tanto. O filme, visto atualmente, se torna um tanto cansativo, enfadonho. Mas, vale por Redford e por Streep, sensacionais.
Sem demagogias, Luís, esse é o seu melhor texto que li até hoje. Desde sua análise subjetiva e do roteiro da obra, até os aspectos técnicos (que, vale lembra, você pouco aborda - o que não é, claro, um defeito), seu texto me instigou bastante à ver o filme. Este, aliás, já me foi fortemente indicado por um amigo meu fã da Meryl Streep - achei suspeito, no entanto, justamente por este fato! Enfim, procurarei ver, sem dúvidas!
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