Oci Ciornie. Itália
/ Rússia, 1987, 117 min, comédia. Diretor: Nikita Mikhalkov.
Uma narrativa
verdadeiramente graciosa!
A obra “Olhos Negros” (1987), estrelada por Marcello
Mastroianni e dirigida pelo russo Nikita Mikhalkov, é baseada nas obras
literárias – mais especificamente em alguns contos – do também russo Anton
Tchékov. O filme rendeu ao ator italiano a sua terceira e última indicação como
intérprete nos Academy Awards e
definitivamente fica marcado pela graciosidade com a qual toda a narrativa é
apresentada, permitindo que o espectador verdadeiramente se delicie com o que
lhe é narrado.
Num primeiro olhar, parece não haver nada de interessante
na vida de Romano, o bon vivant charmoso
e de meia idade, de casamento meio complicado, e de constante bom humor. Ele
parece levar tudo como uma grande brincadeira, inclusive seu casamento como
Elisa, que eventualmente o acusa de a odiar por ela ser rica e isso o afligir –
a discussão o faz sair de casa, alegando precisar de uma estadia longe da casa
(que, na verdade, é um grande castelo). O que acontece a partir de sua saída de
casa nos é narrado por ele mesmo, que na verdade conta sua história a um
passageiro russo de um navio no qual ele está.
Romano contando sua história ao passageiro russo do navio.
A história toda é um verdadeiro charme e o seu verdadeiro
sucesso se dá pelo modo delicado e gentil com que Mikhalkov dirige seus atores,
cujos personagens são rodeados de dramas, mas que, no final, são mais
caracterizados pela graça com a qual se envolvem. O diretor não erra o tom e
faz com que sua obra seja linear quanto ao seu gênero, sem os altos e baixos
normalmente vistos em comédias que tentam ser engraçadas, apesar de seu roteiro
não permitir tanto humor. Aqui isso não ocorre e os atores parecem realmente se
divertir em cena, o que conseqüentemente faz com que o espectador também se
divirta. O mais interessante é que essa comédia, na verdade, vai pouco a pouco
se transformando numa tragicomédia, resultando num final que é verdadeiramente
o ápice da obra, provando que o diretor soube imprimir-lhe o ritmo certo,
promovendo a cadência adequada para que o final da história seja
verdadeiramente o seu clímax.
Romano é um personagem curioso, sobretudo porque ele vive
tudo com extremamente facilidade, desde um casamento mal resolvido, do qual ele
parece incerto acerca de amar ou não a esposa, até um relacionamento adúltero,
bastante intenso, que é um verdadeiro arrombo na simplicidade de sua rotina.
Ele parece transitar com leveza de uma situação para a outra, mas,
curiosamente, nada disso torna o personagem superficial: ele é, como vemos numa
das últimas cenas, um personagem desapegado, que é realmente dotado desse dom
de ir e vir sem grandes problemas, sendo, no entanto, totalmente apaixonado
pelas coisas que o cercam e que o motivam. Mikhalkov, que também fez o roteiro,
foi feliz ao criar um personagem verossímil, que se fixa naquilo que
verdadeiramente o comove, como o relacionamento com Tina, mulher que encontra
num hotel quando passava uma temporada afastado de sua esposa, Elisa.
Tina, a mulher por quem Romano se apaixonará e a quem dedicará uma busca aventureira.
Marcelo Mastroianni com certeza é outro grande responsável
pelo sucesso do filme. Seu personagem é extremamente carismático e isso se deve
em grande parte ao ator, que encanta o espectador enquanto está em cena.
Incrível como nos sentimos próximos de Romano a todo o momento, desde sua saída
de casa por causa das constantes discussões com Elisa até o seu profundo
encanto com Tina, mulher por quem o espectador também se apaixona. E quando
disse acima que parece que os atores se divertem em cena, parece também que se
apaixonam, tão verdadeiro é o sentimento de ternura que há entre os dois.
Difícil nessa relação apontar qual é o melhor momento, pois todos são
igualmente fantásticos, sendo, claro, o mais pungente aquele momento final,
provando a grande ironia que a vida é.
A direção de arte do filme talvez seja o seu elemento mais
impressionante, criando sempre uma atmosfera extremamente asséptica, o que
torna a obra visualmente mais bonita. A mansão de Romano, o spa no qual ele e Tina se conhecem, o
navio no qual Romano conta sua história ao russo e também a casa do esposo de
Tina, na Rússia – é como se todos esses lugares fossem de tal modo limpos que
não há nada para se olhar a não ser os personagens. Contraditoriamente, tudo
ali é belo o suficientemente para que gastemos nosso tempo apreciando. Confesso
que fiquei bastante surpreso com a grandiosidade desse filme, sendo sua direção
de arte a mais autêntica característica de cuidado técnico e artístico.
Honestamente, assistir a essa narrativa é mesmo
um deleite. Todo o filme é delicado e gracioso e seu humor não é em momento
nenhum desastroso ou falho, tudo aqui é feito sob medida. Nenhuma obra-prima, é
claro, mas um filme que tem suas características positivas que o impulsionam a
um status de “pequena pérola do cinema”. Chega até ser difícil pensar que
Mastroianni, aqui todo simpático e divertido, seja o mesmo da obra “8 ½”
(1963), tão soturno e desconfiado. O ator prova ser verdadeiramente talentoso
nas suas incursões e diversos gêneros.
3 opiniões:
Gostei do texto, tinha lido sobre este filme há bastante tempo e nem lembrava mais.
Fiquei curioso.
Abraço
Acho que é a primeira crítica que leio do filme e até então eu sem sabia qual era a abordagem dele. gosto deste tipo de filme, cujo valor artístico está da singeleza de suas sequências... eu gosto muito do Marcelo Mastroianni!
http://sublimeirrealidade.blogspot.com.br/2012/07/pearl-jam-twenty.html
Obrigado pela dica. Adoro o Mastroianni, mas tem muito filme dele que ainda não conferi. Revi recentemente o escandaloso "A Comilança" que também é ótimo.
Abs.
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