Idem. Itália, 1968, 105 minutos, drama. Diretor: Píer Paolo Pasolini.
Uma obra que, dada sua simbologia, pode ser chamada, no mínimo, de
perturbadora.
Talvez aquilo que mais chame a
atenção nessa obra seja a estranha sensação de que pudemos enxergar somente a
casca mais superficial dessa fita italiana, dirigida por Píer Paolo Passolini,
responsável também pelo título Salò o le
120 Giornate de Sodoma (1975), que também será analisado aqui. Terminada a
exibição, ficamos com uma sensação possivelmente tão incompreensível quanto
aquela experienciada pelos personagens de “Teorema” (1968), que causou bastante
polêmica à época de seu lançamento.
Somos apresentados a uma família
burguesa cuja rotina é sempre a mesma: vivem suas vidas sem nada que lhes imprima
novidade. Um dia, sem nada que justifique sua vinda, surge um rapaz que passa a
integrar o convívio da família: almoça com eles, divide os ambientes, conhece
suas intimidades e eventualmente se envolve sexualmente com todos eles – a
empregada, a filha, o filho, a esposa, o esposo. E, como veio, vai embora,
deixando-os sem alicerce para dar continuidade às suas vidas indistintas.
Interessante a vinda do rapaz.
Inegável não compará-la a um elemento religioso, tão vigorosa ela se mostra e,
mais do que isso, tamanha é a sua capacidade de afetar aquela vivência,
tornando-a devota à figura do rapaz, que não segrega aqueles com quem ele se
envolve. Como uma crença, ele não separa uns dos outros – todos podem acreditar
nele; não é à toa que se relaciona com todos os membros daquela família, sejam
homens ou mulheres, sejam ricos – os patrões – ou pobres – a empregada.
Acredito que essa seja a leitura mais visível, justamente pelo modo como os
personagens realmente se parecem devotos ao rapaz e devoção é mesmo a palavra que certamente melhor cabe: olham-no
impressionados, em seus olhos a adoração, e, mesmo sem dizer nenhuma palavra,
sabemos que há o tempo todo um questionamento que é feito: como não amá-lo e
como não querê-lo próximo de si?
O filme não é mudo, mas é
bastante silente. As ações são descritas por si só, não pelos diálogos dos
personagens, não pelas suas falas. Tudo o que sabemos sobre eles se dá,
sobretudo, pela transição daquilo que eles eram para que eles se tornaram. A
família se dissolve no seu significado de família – separam-se, afastam-se de
tal modo que nem se quer se notam mais, tamanho o individualismo no qual se
inseriram. Se antes existiam em comunhão, embora já com certo afastamento (mas
ainda conscientes da presença dos outros membros), tornando-se centrados em si
mesmos, de tal maneira que não conseguem mais co-habitar a casa na qual antes
moravam tranquilamente: a mãe se entrega a uma série de relações sexuais; a
filha entra num estado de catatonia; o filho abre espaço à sua sensibilidade,
criando arte com suas excreções; a empregada religiosa retorna à sua cidade
natal, onde desenvolve dons curandeiros, até ascender; o pai, o último a ser
conquistado pelo rapaz, enlouquece, não mais se reconhecendo.
Poucas palavras são ditas ao
longo da história, que definitivamente é um filme que se constrói sem
conversações. Talvez seja essa a melhor alusão à religião: trata-se da
interiorização da confissão, do encontro consigo mesmo, não do diálogo avulso.
Ao espectador cabe observar o que sucede e tentar compreender a simbologia por
trás de cada cena. Gosto especialmente de duas figuras: a da empregada, cuja fé
é acentuada por aquela nova força divina inserida em sua vida, e a do patrão,
cuja vida se mostra totalmente desestruturada após o desaparecimento do rapaz.
Interessante: sua vida era absolutamente vazia e estruturada – o que eu chamo
de “desestruturação” é justamente um retorno à rotina, ao estritamente
planejado, enfim, um retorno à estrutura, que se perdeu no período em que o
rapaz estava presente na casa.
Particularmente, acho necessário
rever o filme. Talvez não uma, mas duas ou três vezes, buscando em cada cena
uma representação do elemento místico por trás daquilo que é mostrado
objetivamente. A meu ver, a obra tem o seu ápice na junção do elemento silente
– justamente o quanto é visto sem que muito seja dito – com o desenlace
surpreendente, advindo de um desenvolvimento bastante satisfatório, que não
deixa a desejar.
2 opiniões:
Apesar de ser uma das obras mais celebradas do cinema, um verdadeiro clássico, nunca assisti "Teorema". Mas, adorei o seu texto!
Ainda não assisti e olha que sempre fui muito curioso em relação a este filme!
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