The Hobbit. Inglaterra, 1937, 298 páginas (Ed. Martins Fontes, 4ª edição). Autor: J. R .R. Tolkien.
Infelizmente, trata-se de um livro cujo sucesso não é consequência de sua qualidade.
O Hobbit dá origem às sagas escritas por J . R . R. Tolkien, sendo elas a que se inicia nesse quase-épico e que continua nos três volumes de O Senhor dos Anéis, mais tarde transformado em uma das aventuras épicas cinematográficas mais rentáveis do cinema e mais relembradas pelos fãs de cinema quando o assunto comentado são “mundos mágicos” (aqui não podemos nos esquecer de citar a saga de Harry Potter, ainda que pouco haja em comum entre os dois mundos criado por Tolkien e Rowling). Segundo o jornal New York Times, responsável pela orelha da edição do livro que eu tenho em mãos, esse livro “(...) conquistou sucesso imediato quando foi publicado em 1937. Vendeu milhões de cópias em todo mundo e estabeleceu-se como ‘um dos livros mais influentes de nossa geração’”.
Tolkien, homem extremamente respeitável academicamente, sendo professor de Oxford, lingüista renomado, uma referência para a literatura anglo-saxônica, não poupou esforços para nos contar a história de Bilbo, um hobbit que é escolhido por um mago para acompanhar treze anos numa jornada de alta periculosidade, da qual eles talvez não voltem vivos. Bilbo, ou Senhor Bolseiro, como ele é tratado – aquele é seu sobrenome –, vivia sua vida normalmente, jamais esperava tamanha modificação no seu estilo de viver e jamais pensou que pudesse ser, como mais tarde se verificaria verdadeiro, um “excelente ladrão”, como Gandalf, o mago, garante aos anões que ele seja a fim de que eles o levem consigo na busca pelo tesouro sob a montanha, protegida por Smaug, o dragão que há muito tempo guerreou contra os antigos moradores daquela região e roubou o tesouro dos anões.
Não resta dúvidas de que Tolkien, em sua proposta original, quis escrever uma narrativa épica, com características que se aproximam das novelas de cavalaria, contendo, portanto, características bastante adultas, mas, ao mesmo tempo, portando uma linguagem que fosse acessível às crianças e adolescentes. Não se pode esquecer, afinal, que Tolkien escreveu esse livro para os seus filhos, John, Michael e Christopher, que tinham, respectivamente, vinte, dezessete e doze anos na época de publicação de The Hobbit, que aconteceu em 1937. O que me deixa assustadoramente surpreso com esse livro é, acima de tudo, a sua linguagem, haja vista que ela é infantil demais e contraditoriamente construída sobre um alicerce que não dá suporte lógico para aquilo que Tolkien pretende nos contar. Dedicar a seu filho mais velho, já com vinte anos, era apenas uma amostra do quanto Tolkien o amava, aposto que ele não esperava que o rapaz realmente lesse o seu livro.
A história do hobbit é assustadoramente infantilizada, embasada por uma linguagem que não nos deixa duvidar da intenção do autor: o seu público definitivamente são as crianças, mesmo que os seus termos sejam, talvez, não totalmente compreensíveis para elas. Bilbo Bolseiro é o personagem central de uma história que definitivamente tem muitos problemas, não apenas na sua linguagem e nas opções de recursos estilísticos do autor, mas na própria ordem dos seus eventos e no modo como eles nos são apresentados. Acredito que o principal fato por eu não ter gostado da obra se deve as situações propostas, todas elas sem qualquer clímax. Nenhuma das aventuras pelas quais passam o hobbit, o mago e os treze anos são verdadeiramente emocionantes – algumas delas nem sequer causam a falsa sensação de emoção. Honestamente, a função principal da literatura é causar algum impacto no leitor, porque a sua finalidade máxima é desautomatizar. Para isso, é necessário que algo afete quem lê um livro e mova o espectador junto com a trama apresentada. Tolkien simplesmente não consegue nada aqui, haja vista que ele recorre à saídas aparentemente “não-clichês”, mas que, exatamente por isso, tornam-se um escape alternativo e inapropriado. Sinceramente, até mesmo os livros da série Vaga-lume – coleção literária voltada para o público infanto-juvenil – têm impacto estético maior do que O Hobbit. Caso eu leia hoje um livro como O Escaravelho do Diabo, de Lúcia Machado de Almeida, decerto me sentirei mais emocionado e mais tenso do que me sentiria se, aos 12 anos, lesse O Hobbit.
Para exemplificar um dos problemas dessa narrativa, cito a passagem em que os personagens são emboscados por lobos, os wargs, depois de terem escapado dos orcs, que eu nem sequer sei descrever como são. Os quinze seres – hobbit, mago e anões – ficam no topo de três ou quatro árvores, a fim de não serem percebidos pelos wargs, tática que não dá certo e que os coloca em perigo iminente, embora claramente não factual – nesse momento, o espectador já percebeu que em nenhuma passagens os personagens realmente correm perigo. Pois bem, os wargs tentam a todo o momento tirar os viajantes de cima da árvore e, sem sucesso, recorrem aos orcs, de quem são amigos, a fim de que esses subam nas árvores. Gandalf recorre a algumas mágicas para ganhar tempo. Então surgem águias imensas para ajudar os personagens, elas os recolhem dali e levam-nos para um lugar seguro. Assim mesmo, sem nenhum clima, nenhuma emoção, simplesmente cortam o clímax de uma cena. E isso acontece ao longo de todo o livro! Num determinado capítulo, de nome Explode a Tempestade, ocorre o que é – deveria ser – para O Hobbit aquilo que a batalha final entre Harry Potter e o Lord Voldemort é para a saga potteriana, ou seja, deveria ser o momento máximo do clímax estarrecedor da obra de Tolkien. Não é nada disso, porém. E nem chega a ser minimamente animador, é, de longe, mais uma passagem qualquer do livro.
Fico surpreso que alguém com tantos títulos qualitativos como Tolkien não tenha conseguido nem ao menos construir descrições concebíveis. Eu nem sequer consigo conceber totalmente como seja a imagem de um orc, assim como não pude entender com precisão o tempo durante as viagens desses personagens. Perguntei a um colega o que ele havia achado de algumas descrições presentes em O Hobbit e ele me disse que compreendeu a fisionomia de alguns personagens depois de assistir aos filmes de Peter Jackson – aí, eu pergunto a vocês: uma boa obra literária necessita de recursos fílmicos para conceber as imagens presentes no livro? Decerto um bom livro não precisaria de nada, a não ser a própria e exclusiva linguagem verbal, para nos fazer compreender aquilo que está presente em suas páginas. Para um especialista em linguagem e literatura, Tolkien não me pareceu tão impressionante assim nessa sua obra. Tolkien achou conveniente referir-se a Bilbo excessivamente no diminutivo, causando também um efeito inverso àquele que esperava: em vez de parecer carinho, parece depreciação quando o autor insistentemente comenta sobre, por exemplo, o modo como “Bilbo pôs sua cabecinha pra pensar”. E o que dizer então do efeito cômico mal sucedido de nomear treze anões com os nomes de Thorin, Dwalin, Balin, Fili, Kili, Dori, Nori, Ori, Oin, Gloin, Bifur, Bofur e Bombur? Sinceramente, prefiro Mestre, Zangado, Soneca, Atchim, Feliz, Dengoso e Dunga.
Para que vocês tenham noção: demorei cinco dias lendo O Hobbit, cuja linguagem é infantil, no entanto, demorei apenas dois dias lendo A Outra Volta do Parafuso, de Henry James, cuja linguagem é notadamente mais adulta e complexa. Isso talvez se deva a uma narrativa bastante monótona, sem climas; ou talvez a personagens bastante chatos e desinteressantes; ou ainda às situações mais insossas que eu já li. E realmente me assusta ainda saber que tenho, pelo menos, mais três livros de Tolkien para ler, ou então perco uma aposta!
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