Nuovo Cinema Paradiso. Itália / França, 1988, 120 min, drama. Diretor:
Giuseppe Tornatore.
Esse definitivamente é um filme para se ver com a emoção.
Na 62ª edição dos Academy Awards, o filme “Cinema
Paradiso” deu à Itália a oitava premiação como Melhor Filme Estrangeiro. A produção franco-italiana é decerto uma das mais queridas pelos cinéfilos,
justamente por causa de sua história fabular que, na medida certa, consegue
conquistar a simpatia do espectador e ainda apresenta uma história que,
assistida com emoção, garante extremo deleite.
A obra é, nas suas proporções,
uma homenagem ao cinema, desde seu próprio enredo até o modo como a história é
apresentada. Salvatore é um diretor de cinema maduro que é repentinamente
surpreendido pela notícia da morte de Alfredo, o antigo projetista do cinema
Paradiso, local onde Salvatore se tornou cúmplice daquele que é o seu maior
amor: o cinema. Já há trinta anos sem retornar à sua cidade natal, de onde saiu
no final da adolescência, Salvatore retorna para o funeral Alfredo ao mesmo
tempo em que relembra toda a sua trajetória, desde os primeiros contatos com os
filmes até seu romance com uma jovem de quem nunca mais ouviu falar.
Ao fundo, "Casablanca" (1943) decora a metalinguagem desse filme.
Para mim, não se podem deixam de
ver certas falhas ao longo do filme e talvez a mais visível delas seja a
inverossimilhança que se faz presente do início ao fim e que está presente,
sobretudo, no personagem principal, que me parece bastante surreal, seja na sua
infância ou na sua adolescência. Suas atitudes verdadeiramente parecem não
caber no mundo real, de tão exageradas e descabidas que são. Mas é nesse
exagero que reside a graça do personagem, sobretudo quando ele é criança, todo
espivetado, colocando o cinema como um de seus maiores prazeres, chegando
inclusive a deixar de comprar as coisas que suas mãe pede para assistir aos
filmes exibidos por Alfredo no Cinema Paradiso. Todo o primeiro quarto da trama
é marcada pelas constantes discussões do velho com a criança, que insiste em
desobedecê-lo, como quando o homem diz que não deve ficar ali na sala de
projeção nem deve levar os restos de rolo de filme para casa, pois eles se
incendeiam facilmente, o que pode ser perigoso.
Não tarda para que percebamos que
a relação de Salvatore com Alfredo é muito mais forte do que seu elo com sua mãe,
que sempre vê o garoto indo contra as suas expectativas. É constante que ele
gaste o dinheiro da compra dos mantimentos básicos para assistir a um filme no
cinema e, ainda, sua mãe repudia aquela arte devido a um acidente que quase pôs
fogo na sua filha caçula, já que ela acidentalmente colocou fogo naqueles rolos
que Alfredo aconselhara Salvatore a não guardar. Numa cena, a própria mãe diz com
desdém: “Alfredo e il cinematografo!!”,
frase que o garoto costumava sempre dizer, aludindo às tantas vezes que passava
com o velho na sala de projeção. Ao longo do filme, são visíveis os
desapontamentos do garoto em relação à sua vida: eles são pobres; o dinheiro ou
dá pra comida ou pro cinema; o pai, que lutou na Segunda Guerra, jamais
retornou, criando no garoto uma sensação de lacuna, que tão rapidamente notamos
preenchida por Alfredo e sua figura carinhosa, ainda que, num primeiro momento,
bastante esquiva.
Alfredo, já cego, e Salvatore: o velho a induzir o rapaz numa loucura de amor.
Gosto do título original, que não
remete à fase infantil da vida de Salvatore, mas sim à sua fase adolescente. O nuovo Cinema Paradiso é aquele criado
após o antigo cinema Paradiso ter sido consumido pelas chamas de um rolo de
filme que pegou fogo no projetor. Ironicamente, tanto havia dito o senhor ao
menino que se cuidasse a fim de não se queimar com as películas, que o incêndio
no antigo cinema Paradiso quase o fez sucumbir às chamas - o homem foi salvo
pelo pequeno Salvatore, que conseguiu recuperá-lo do fogaréu, ainda que algumas
seqüelas – como a perda da visão – ficassem para sempre. O “novo Cinema Paradiso”
se trata de um momento de transição entre o criativo e ativo Salvatore para o
personagem de grandes responsabilidades cujas expectativas não param de
crescer, chegando inclusive a levá-lo à introspecção.
Vemos ao longo do filme inúmeros
momentos nos quais os personagens assistem a várias películas e, não fossem
essas as únicas referências, há ainda os vários momentos em que Alfredo toma
emprestado de algum astro uma frase famosa dita em algum filme e a repete a
Salvatore, como se fosse de sua autoria e jamais dita antes. Num momento
crucial – numa cena bastante bonita, aliás –, visando aconselhar o garoto
acerca da grandiosidade da vida, se vista fora daquela pequena cidade, Alfredo
diz sobre a pequenez das coisas a que somos encerrados, fala sobre o pouco a
que temos que nos habituar e, sobretudo, ao quanto tudo é muito rápido. O
garoto pergunta de quem é aquela fala e o homem, lacônico, diz que, dessa vez, se trata de
uma frase sua mesma. O processo de metalinguagem é também um processo
de amadurecimento, como se os filmes presentes dentro do filme fossem um
medidor da vida de Salvatore – basta ver que as referências famosas somente
se tornam mais tristonhas à medida que a história de desenvolve.
Salvatore e Elena, a garota responsável pelo romance cinematográfico do rapaz.
Giuseppe Tornatore, responsável
também pelo roteiro, fez questão de dar ao Salvatore adolescente um amor. Assim
ele tinha com que se ocupar e fazer de sua vida mais cinematográfica: ele
também tem uma grande paixão por que lutar. E esse episódio se transcreve longo
e carrega seu charme: o espectador fica entusiasmado com o que vê, seja pela
simplicidade que Tornatore dá àquele romance juvenil, seja pela doçura que
existe no relacionamento de Salvatore e de Elena, a jovem por quem ele se
enamorou. O diretor não se ocupa em
tornar esse relacionamento extremamente realista – deixa-o numa simplicidade de
adolescente mesmo, mais embasado em beleza abstrata do que em concretudes. Acho
que isso é um fator positivo, aumentando a sensação de “magia” existente nessa
produção.
Se visto com distância, o filme potencialmente se
tornará uma obra bastante simplista sem nada que lhe justifique um prêmio ou
mesmo um olhar mais cuidadoso nosso. É importante enxergar o filme com a emoção
que os personagens sentem: ora extasiados por poderem ver um filme, ora
indignados por jamais poderem ter visto uma cena de beijo, já que o pároco
submete todos os filmes à censura da Igreja antes de suas exibições. Há no
filme vários momentos programados para nos fazer nos chorar e, felizmente, sua
premeditação não afeta nossa emoção ante aquilo que nos é mostrado. A meu ver,
se trata de uma excelente obra para ser vista sem compromisso – mais do que
isso, uma obra para ser ver com o coração, aberto a tudo aquilo que o filme
quer nos apresentar. Vale a pena, com certeza, acompanhar a história desses
dois personagens e é, ao final da obra, impossível não querer uma amizade como
a de Alfredo e Salvatore.
3 opiniões:
Lindo texto. "Cinema Paradiso" é um filme muito especial pra mim. Assisti-o quando era criança numa sala de cinema e isso mudou minha vida. Me fez sair da sala completamente emocionada e apaixonada pela sétima arte. Acho esse filme um primor, especialmente no que diz respeito ao roteiro, à direção, às atuações e à inesquecível trilha de Ennio Morricone. Fora que o longa tem tantas imagens icônicas que não saem da nossa memória.
Pura emoção. Um belo tributo ao cinema.
O Falcão Maltês
Pura emoção e nostalgia!
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