La Ciociara. Itália, 1960, 100 minutos, drama. Diretor: Vittorio De
Sica.
Sophia Loren apresenta uma das melhores interpretações femininas do
cinema!
Quando começou a produção de La Ciociara, filme que mostrava as
conseqüências da guerra numa família simples, composta de mãe e filha, numa
pequena cidade italiana, que dá nome ao filme, Anna Magnani deveria estrelá-lo
interpretando a personagem Cesira, enquanto Sophia Loren interpretaria Rosetta,
sua filha. Devido a algumas exigências de Magnani, que à época já havia
concorrido duas vezes ao Oscar, seu nome acabou desligado do filme e, por
indicação dela mesma, Loren ficou com a sua personagem, participando dessa
produção italiana depois de já estar há alguns anos filmando nos Estados
Unidos.
É de Alberto Moravia a história
de que o roteiro se apropriou para tomar forma e, no romance, Moravia nos conta
sobre duas mulheres, mãe e filha, que, durante a Segunda Guerra Mundial, saem
de Roma assim que a cidade começava a ser bombardeada pelas tropas alemãs. As
duas partem de trem, mas são obrigadas a percorrer um grande trecho a pé,
chegando, por fim, à pequena região da Ciociara, local onde Cesira cresceu e
onde estão ainda alguns de seus parentes, inclusive Michele, um rapaz que não
cumpriu seus deveres militares a fim de continuar lecionando. Aparentemente
fora do alvo alemão, cabe à mãe e à filha encontrarem meios de sobreviver
naquele lugar.
O enredo da história relega aos
dramas pessoas a sua força. Não há muita ação, nem muitos percursos percorridos
pelas personagens, que só verdadeiramente se deslocam poucas vezes no filme,
sobretudo no começo e no fim. O seu drama se encontra na situação das
personagens e no modo como elas encaram aquilo que está por vir: estão ágoras
seguros naquelas colinas, mas não têm o que comer, o que não é nada animador –
pelo contrário, é bastante preocupante. Cesira inclusive encontra um homem que
lhe vende um queijo – com a inflação, o preço do alimentou subiu de maneira
exorbitante, resultando num simples produto com um valor que não se justifica
pela qualidade. Não é à toa que Cesira se lança a uma procura por farinha e
açúcar, tudo em nome da filha, a pequena Rosetta, que, como ela mesma diz, não
tem nem sequer treze anos, e que precisa ser cuidada.
Uma das cenas iniciais já mostra
uma Cesira bastante forte: a mulher se deita com Giovanni, um amigo da família,
mais especificamente suposto amigo de seu falecido marido, com quem Cesira
parecia não se dar bem. De Sica a apresenta a nós agistralmente nessa cena: é aí
que conhecemos toda a grandeza dessa mulher, até mesmo no ato de transar: as
luzes somem pouco a pouco enquanto a mulher se deita, a câmera enquadrando seu
rosto, numa fotografia perfeita, num olhar singular de Loren que demonstra
desejo e tensão. Não ver mais nada – afinal, tudo fica escura e já se muda a
cena – não quer dizer nada: conhecemos já uma vertente fundamental daquela
mulher. Digo fundamental porque o desejo é o elemento que não se mostrará em
Cesira até o fim da narrativa, ainda que, eventualmente, ela tenha outra
aventura amorosa – ela agora está totalmente dedicada à filha e, como ela mesma
diz, quando se tem uma filha como ela tem, não resta tempo para pensar em
romance ou em sexo. A personagem é completa, afinal, dotada inclusive de
libido.
Apresento essa informação porque,
honestamente, é dificílimo assistir a esse filme e não observar Sophia Loren.
Às vezes, olhamo-la mais do que vemos o que realmente está acontecendo em cena,
tamanha é a sua grandiosidade como intérprete e, também, a sua feminilidade
aflorada do começo ao fim. É linda, desses rostos que não se esquece – nem se
quer esquecer. Quando ri, o espectador ri junto: sua risada é espontânea e
alegre, basta ver a cena que Michele, sem querer, ao falar com ela pela janela,
vê sua filha a tomar banho – a garota e ele se envergonham, e ela ri da
situação, ri com tanto charme e desenvoltura – desenvolta até na risada – que
cabe ao espectador acompanhá-la naquele momento fugaz de contentamento. Cabe
dizer que a dona de casa e mãe batalhadora de Sophia Loren é provavelmente uma
das mais sensuais do cinema, mesmo que esteja trajando vestes que pouco
insinuem suas curvas ou que pouco queiram chamar a atenção. Penso que seja o
pleno domínio de Loren que a levou, dois anos depois, a ganhar o Oscar,
tirando-o das mãos de Audrey Hepburn, que competiu por “Bonequinha de Luxo”
(1961), uma das concorrentes mais queridas da edição de 1962,
Acredito que seria bastante fácil
que esse filme se tornasse monótono. Como disse, as movimentações bruscas e verdadeiramente
notáveis acontecem no começo e no final da película, havendo apenas um “pequeno
grande momento” em meados da narrativa. Não se trata de uma obra cujo roteiro
justifica por si só o entretenimento do espectador nem garante que ele vá
assistir ao filme até o final sem bocejar, pois, definitivamente, a mãe desse
título é diferente da mãe de “Erin Brokovich – Uma Mulher de Talento” (2000),
que está inserida numa causa transpiratória que, querendo ou não, alavanca
muito mais ação do que aqui. Seria fácil que o filme se tornasse
desinteressante, uma vez que também, entre os personagens, não há o conflito
que se vê em “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?” (1966), no qual, ausentes
outros ambientes e objetos de intriga, os personagens se entregam à completa
devastação física e moral através de longas agressões uns contra os outros. Em
“Duas Mulheres” – bastante apropriada a escolha do título – mostra a relação
entre as duas mulheres cujos dramas pessoais dão corpo à trama, e, vale
apontar, nem sempre elas vivem situações perigosas, que instiguem tensão ao
espectador: às vezes, há somente a sensação de calmaria, de tranqüilidade. E De
Sica soube conduzir assombrosamente bem a trama, fazendo-nos atentar para cada
segundo do que acontece ali, tornando o seu filme uma película prazerosa de se
assistir.
Os minutos finais chocam o espectador, não que não
esperava nenhuma surpresa – ainda mais uma tão grosseira e bruta como a que
vemos. Cesira, num momento, se joga em frente a um comboio vindo de um campo de
batalha e grita aos soldados ingleses se eles não percebem o quanto faz mal
toda aquela guerra. É o ápice da trama e também o momento no qual nos deparamos
com a grande dor da narrativa, tornando-nos cônscios da magnitude da
interpretação de Sophia Loren, que antes nos havia conquistado com seu riso,
mas agora também nos conquista com seu choro. De Sica transforou uma miudeza
numa obra singular, elogiável, cuja qualidade não se dissipou, apesar de
passados cinqüenta e dois anos desde o seu lançamento oficial – a obra é
atemporal e excelente para mostrar o quanto uma guerra é capaz de afetar
negativamente as pessoas, independentemente de suas classes sociais, credos ou
gêneros. Definitivamente, é uma produção para se assistir mais de uma vez.
2 opiniões:
Ainda hoje, um filme com enorme impacto e muito bem filmado. Um dos meus preferidos do De Sica.
Sei que a Sophia Loren ganhou o Oscar de Melhor Atriz por esse filme, mas eu nunca assisti a esse longa. Parabéns pelo ótimo texto.
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