8 de jul. de 2012

Teorema


Idem. Itália, 1968, 105 minutos, drama. Diretor: Píer Paolo Pasolini.
Uma obra que, dada sua simbologia, pode ser chamada, no mínimo, de perturbadora.

Talvez aquilo que mais chame a atenção nessa obra seja a estranha sensação de que pudemos enxergar somente a casca mais superficial dessa fita italiana, dirigida por Píer Paolo Passolini, responsável também pelo título Salò o le 120 Giornate de Sodoma (1975), que também será analisado aqui. Terminada a exibição, ficamos com uma sensação possivelmente tão incompreensível quanto aquela experienciada pelos personagens de “Teorema” (1968), que causou bastante polêmica à época de seu lançamento.

Somos apresentados a uma família burguesa cuja rotina é sempre a mesma: vivem suas vidas sem nada que lhes imprima novidade. Um dia, sem nada que justifique sua vinda, surge um rapaz que passa a integrar o convívio da família: almoça com eles, divide os ambientes, conhece suas intimidades e eventualmente se envolve sexualmente com todos eles – a empregada, a filha, o filho, a esposa, o esposo. E, como veio, vai embora, deixando-os sem alicerce para dar continuidade às suas vidas indistintas.


Interessante a vinda do rapaz. Inegável não compará-la a um elemento religioso, tão vigorosa ela se mostra e, mais do que isso, tamanha é a sua capacidade de afetar aquela vivência, tornando-a devota à figura do rapaz, que não segrega aqueles com quem ele se envolve. Como uma crença, ele não separa uns dos outros – todos podem acreditar nele; não é à toa que se relaciona com todos os membros daquela família, sejam homens ou mulheres, sejam ricos – os patrões – ou pobres – a empregada. Acredito que essa seja a leitura mais visível, justamente pelo modo como os personagens realmente se parecem devotos ao rapaz e devoção é mesmo a palavra que certamente melhor cabe: olham-no impressionados, em seus olhos a adoração, e, mesmo sem dizer nenhuma palavra, sabemos que há o tempo todo um questionamento que é feito: como não amá-lo e como não querê-lo próximo de si?

O filme não é mudo, mas é bastante silente. As ações são descritas por si só, não pelos diálogos dos personagens, não pelas suas falas. Tudo o que sabemos sobre eles se dá, sobretudo, pela transição daquilo que eles eram para que eles se tornaram. A família se dissolve no seu significado de família – separam-se, afastam-se de tal modo que nem se quer se notam mais, tamanho o individualismo no qual se inseriram. Se antes existiam em comunhão, embora já com certo afastamento (mas ainda conscientes da presença dos outros membros), tornando-se centrados em si mesmos, de tal maneira que não conseguem mais co-habitar a casa na qual antes moravam tranquilamente: a mãe se entrega a uma série de relações sexuais; a filha entra num estado de catatonia; o filho abre espaço à sua sensibilidade, criando arte com suas excreções; a empregada religiosa retorna à sua cidade natal, onde desenvolve dons curandeiros, até ascender; o pai, o último a ser conquistado pelo rapaz, enlouquece, não mais se reconhecendo.


Poucas palavras são ditas ao longo da história, que definitivamente é um filme que se constrói sem conversações. Talvez seja essa a melhor alusão à religião: trata-se da interiorização da confissão, do encontro consigo mesmo, não do diálogo avulso. Ao espectador cabe observar o que sucede e tentar compreender a simbologia por trás de cada cena. Gosto especialmente de duas figuras: a da empregada, cuja fé é acentuada por aquela nova força divina inserida em sua vida, e a do patrão, cuja vida se mostra totalmente desestruturada após o desaparecimento do rapaz. Interessante: sua vida era absolutamente vazia e estruturada – o que eu chamo de “desestruturação” é justamente um retorno à rotina, ao estritamente planejado, enfim, um retorno à estrutura, que se perdeu no período em que o rapaz estava presente na casa.

Particularmente, acho necessário rever o filme. Talvez não uma, mas duas ou três vezes, buscando em cada cena uma representação do elemento místico por trás daquilo que é mostrado objetivamente. A meu ver, a obra tem o seu ápice na junção do elemento silente – justamente o quanto é visto sem que muito seja dito – com o desenlace surpreendente, advindo de um desenvolvimento bastante satisfatório, que não deixa a desejar.

2 opiniões:

Kamila disse...

Apesar de ser uma das obras mais celebradas do cinema, um verdadeiro clássico, nunca assisti "Teorema". Mas, adorei o seu texto!

J. BRUNO disse...

Ainda não assisti e olha que sempre fui muito curioso em relação a este filme!