Brasil, 2000, 16 minutos, drama. Diretor: Tutti Gregianin.
Baseado no conto homônino de Caio Fernando Abreu, esse curta-metragem se revela uma obra pungente e elogiável, na qual todos os elementos cinematográficos são usados a favor da sua própria composição artística.
Não conheço muito da obra de Caio Fernando Abreu. Li apenas um romance dele, Limite Branco, o qual considerei realmente chato e desestimulante. No entanto, ao ler um pequeno conto – nomeado Sargento Garcia –, tive a sensação de que a força narrativa desse autor se encontra no conto e não no romance. A obra literária, ainda que curta, é extremamente pungente no que diz respeito às sensações provocadas, tanto nos personagens quanto nos leitores. E foi isso que me motivou a conferir o curta-metragem produzido em 2000 e inspirado nesse conto de Caio F.
Não sei bem como explicar, mas o curta-metragem é concebido com a mesma simplicidade do conto e talvez seja esse o fator que o torna tão sufocante. Ele é tão simples que facilmente o tomamos como uma situação provável no dia-a-dia – até porque é de fato uma situação comum. E esse choque com uma realidade tão simples e tão objetiva nos causa uma intensa percepção do mundo à nossa volta. A história é embasada numa fotografia do cotidiano: um jovem, Hermes, é seduzido pela figura máscula de um sargento. Não é preciso muito para perceber: basta olhar para o modo como o homem toma a mão do jovem e faz com que ele o acaricie, basta reparar no modo como o garoto aceita a carícia do sargento – tudo ali é experiência, tudo é novidade e, portanto, mesmo com medo do desconhecido, é valido como forma de engrandecimento pessoal.
Todo o clima do filme se registra ao longo dele. Não há um ápice, não há um clímax – ele todo é clímax. Primeiro, o tom imperativo de Garcia, humilhando Hermes diante dos outros rapazes que também estão no exame médico do alistamento militar; depois o tom ainda viril e rude, porém sutilmente mais calmo – já com o intuito de seduzir o garoto. Então, a carona: momento sublime do enredo, no qual ambos conversam; na verdade, o homem mais velho monologa, comentando curiosidades sobre a sua vida, criando a expectativa no jovem, que cede – cede com vontade de ceder e também cede fingindo que não quer ceder. O homem por fim o conquista, não somente pelo tom, pelo corpo, pela voz, mas também pela figura que ele representa, pelo poder que dele emana – como o jovem, afinal, diria “não” para o seu próprio desejo e também para aquele homem, que manda calar e todos obedecem?
Não me restam dúvidas de que essa é uma das melhores adaptações que eu já vi. O conto de Caio F., tal como o curta-metragem, é dotado de um senso estético muito sofisticado – e paradoxal, também. Afinal, o que torna o conto elogiável e distinto é justamente o jeito como ele se embasa no lugar-comum para ganhar impulso narrativo. Os atores – Marcos Breda e Gedson Castro – estão em perfeita sintonia, o que somente contribui para o meu apreço por essa obra. A somar, Antonio Carlos Falcão, intérprete de Isadora, figura importante na trama, figura que registra em off-screen todas as sensações voluptuosas de Hermes enquanto está no ato sexual com Garcia. Sem me prolongar mais – até porque, se eu o fizesse, escreveria por horas sem parar – encerro aqui essa resenha com a sugestão de que confiram tanto a obra literária quanto a obra cinematográfica. São ambas muito válidas.
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