15 de fev. de 2012

A Dama de Ferro

The Iron Lady. RU / França, 2011, 104 minutos, drama. Diretora: Phyllida Lloyd.Ainda que o filme seja irregular, acredito que Meryl Streep nos presenteou com a melhor interpretação da sua carreira.
Sempre que Meryl estrela um filme, todos os cinéfilos anseiam em conferi-lo: provavelmente a atuação dela merecerá comentários de destaque acerca do filme. O porquê já é bastante conhecido: a atriz é extremamente eficiente em imitar sotaques, em mimetizar personalidades históricas, em trazer à vida personagens extremamente marcantes, basta que nos lembremos de suas atuações em “As Pontes de Madison” (1995), “O Diabo Veste Prada” (2006) e “Dúvida” (2008) – só para exemplificar a diversidade dela.

Mas Meryl Streep também é muito boa em interpretar pessoas reais, como aconteceu em “Silkwood – Retrato de uma Coragem” (1983), “Entre Dois Amores” (1985), “Adaptação” (2002) e “Julie e Julia” (2009), filmes nos quais ela interpretou respectivamente Karen Silkwood, Karen Blixen, Susan Orlean e Julia Child. Agora, em 2011, foi a vez de a história da primeira-ministra britânica ter a sua história contada: Margaret Thatcher, que após um atentado ao qual sobreviveu recebeu o epíteto de “Dama de Ferro”, se tornou a primeira mulher a comanda o Reino Unido e fez com que a nação inglesa passasse por problemas muito grandes antes de enfim reverter as situações danosas, causando então o seu reconhecimento como líder eficiente.

Um dos muitos discursos de impacto do filme.

Haverá críticas ferozes à estrutura do filme, principalmente reclamando sobre a escolha de mostrar a história a partir de Thatcher já em idade avançada e sofrendo devaneios em vez de narrar linearmente, do começo para o fim. Mas creio que são injustificadas as críticas, já que o filme não parece querer ser a biografia tradicional. Eu diria que se assemelha mais àquilo que Sofia Coppola quis fazer em “Maria Antonieta” (2006): simplesmente mostrar as situações cotidianas de Thatcher, justamente por isso não vemos o caráter documental de muitos cinetextos. Sendo o foco do filme a velhice da personagem, tudo o que é mostrado é um flashback daquilo pelo que a personagem passou e as situações que viveu e, portanto, não se esquadra exatamente nos típicos filmes cinebiográficos.

Se há um ponto a favor da estrutura – justamente a opção por narrar com ênfase na idade já avançada –, há também um ponto contra ela: acabamos por conhecer os fatos em intensidade absurdamente menor do que os conheceríamos se a narrativa fosse linear. O caráter subjetivo afeta de tal modo que o filme – se fosse bom – sofreria o mal da ausência de drama, já que a opção por narrá-lo conforme às lembranças da personagem faz com que nós sintamos que se trata mais de sensibilidade dela do que de tensão da cena: por exemplo, o embate entre Thatcher e seus adversários parece tenso porque foi tenso ou porque a personagem se recorda desse modo? A subjetividade também tem seu lado positivo: parece que nós nos aproximamos da personagem em vez de simplesmente vê-la como objeto de estudo, como aconteceria se a história fosse estruturada de modo documental, como é o caso do chatíssimo “Capote” (2005).

Meryl Streep é a alma do filme. E digo isso sem medo, já que ela traz uma performance tão assombrosa que nós nem sequer conseguimos atribuir mérito ao trabalho de maquiagem, que, ainda assim, é excepcional. A pele enrugada, as pálpebras caídas, as pintas nas mãos – tudo isso advém do excelente trabalho da equipe de maquiagem do filme, que conseguiu eficiente transformar Meryl Streep, na casa dos 60 anos, em uma senhora vinte anos mais velha. No entanto, o olhar baixo, a boca trêmula, as mãos falhas, são trabalho da magnífica interpretação da atriz, que deu o máximo de si para compor essa que é, a meu ver, a melhor interpretação de sua carreira, superando até mesmo Sofia Zawistowski, do filme “A Escolha de Sofia” (1982).

Uma das amostras do declínio da carreira política.


Não vou ficar reiterando que o filme não é dos melhores, porque ele não é mesmo, e quem assistiu “Mamma Mia!” (2008), o primeiro filme de Phyllida Lloyd, sabe bem que a diretora não tem ainda porte para trabalhar com uma cinebiografia, principalmente porque o seu filme anterior, adaptado de uma peça de teatro, já apresenta algumas dificuldades técnicas que acabam “desapercebidas” pelo humor do filme – humor que aqui não existe, logo os problemas se tornam mais evidentes. Thatcher é uma senhora que vive sob efeitos de sua própria mente e fica assistindo a um marido bonachão – um Jim Broadbent gasto e sem grandes funções senão a de divertir o espectador, o que, aliás, não acontece. E o roteiro também falha nas suas recorrentes tentativas de tornar Thatcher uma figura memorável; o problema disso é justamente a teatralidade de suas falas, chegando a um ponto muito shakespeariano na sua vida pessoal e muito dramatúrgico do século XX na sua vida profissional – o tempo todo ela desfere frases de impacto, seja de ordem motivacional para os seus companheiros de trabalho, seja de ordem social, sugerindo reformas a fim de agradar tanto o partido quanto o povo.

Explicações faltam à trama. Aqui e acolá fica um vazio, uma sensação de que algo deixou de ser explorado. No entanto, a interpretação de Meryl Streep é o que permanece em nossa cabeça – impossível não se lembrar dela, em idade tenra ou já idosa, nos seus momentos de sanidade ou nos de devaneio – sempre a brilhar, mostrando que o filme é apenas mais uma amostra de que ela é uma grande atriz – e que merece o Oscar dessa vez! Não sou tão ferrenho quanto alguns colegas cinéfilos e garanto que, se o filme é esquecível pela direção e roteiro, com certeza é memorável pela atriz principal.

3 opiniões:

Wilson Antonio disse...

Concordo com sua análise. O filme me agradou também pela opção de não seguir à risca a cartilha das cinebiografias, e pela assustadora interpretaçâo de Streep

Júlio Pereira disse...

Não é questão de fugir das cartilhas de biografias, mas sim de não dizer absolutamente nada sobre sua protagonista. O que sabemos dela, após o termino da sessão, são alguns eventos políticos, isto de forma bem superficial, claro. Se propõe a ser um olhar intimista numa mulher que já não é a mesma - até pela idade -, mas não se aprofunda nem nessa fase de sua vida, nem em nenhuma outra. Meryl Streep está ótima, mas não achei isso tudo. Dos últimos dela, está muito melhor em Dúvida!

Matheus Pannebecker disse...

Meryl Streep está maravilhosa como sempre e, se estivesse em um filme dirigido com elegância como "A Rainha", seria a favorita absoluta ao Oscar. No entanto, acho que o filme não ajuda, ainda que ele não prejudique sua atuação. "A Dama de Ferro", no final, me impressionou mais pela incompetência de Phyllida Lloyd...