31 de mai. de 2011

Matrix Reloaded

Matrix Reloaded, 2003, 138 minutos, ficção científica. Diretores: Lana e Andy Wachowski.Muitos reclamam de que as sequências do filme de 1999 perdeu os questionamentos filosóficos que tornavam o filme original grandioso. Se isso aconteceu mesmo, pelo menos continua entretendo; então vale a pena.


Eis a segunda parte da trilogia e, curiosamente, muitos fãs alegam que a franquia perdeu parte do charme e que todo o debate filosófico visto antes, agora se perdeu. Quanto a isso, falo mais tarde, mas o fato é que em Matrix Reloaded continua com os mesmos atores liderando o elenco, algumas novas ótimas cenas e manteve os aspectos técnicos tão eficiente quanto no anterior, talvez até melhores!

Neo, Trinity e Morpheus têm que lutar conta Merovíngio para que este liberte O Chaveiro, homem que possui todas as chaves dentro da Matrix. Paralelamente a isso, eles tem que ajudar Zion a combater as máquinas, que estão prestes a destruir. Para isso, contam com a ajuda de Niobe, que tivera um relacionamento com Morpheus, para resolver os problemas em Matrix e na colônia.

Ainda que a história pareça curta, a continuação, tal como o filme anterior, rende mais de duas horas. Eu realmente acredito que a discussão filosófica não foi totalmente abandonada, porque a percebemos o tempo todo. Mas, tal como muitos fãs alegam, não vemos aqui todos aqueles argumentos embasamento a realidade ou a irrealidade em que vivem as penas. Se por um lado optaram pela inibição do caráter questionador que antes fora apresentado, acrescentaram mais charme a esse filme com as diversas cenas repletas de ação e luta. Como disse lá em cima, os aspectos técnicos continuam tão bom quantos, mas aparece que dessa vez as cenas e a tecnologia usada nelas estão em perfeita harmonia, proporcionando ótimos momentos que dão destaque não somente à qualidade dos efeitos exibidos, mas também às atuações, que parecem também mais à vontade em seus personagens. Os efeitos sonoros estão bem postos considerando as cenas em que aparecem, dão um tom harmoniosoa elas. Para mim, a edição desse filme supera o anterior, pois nos permtie ver cada luta em todos os ângulos possíveis, assim como inúmeras outros momentos - não apenas os de luta - permitem esse feito muito bom, que é o de pôr o espectador dentro do que ele está vendo.

Outros atores foram acrescidos ao elenco pobre - porém capaz - do primeiro filme. Harold Perrineau Jr., intérprete de Michael, de LOST, entrou como Link, novo piloto da nave Nabucodonosor; Jada Pinkett Smith deu vida à interessante Niobe; Lambert Wilson e Mônica Bellucci interpretam, respectivamente, os também interessantes Merovíngio e Persephone. Há também alguns personagens curiosos, porém de pouco destaque, como os Gêmeos e Gloria Foster atua mais uma vez como Oráculo, tendo falecido antes que começassem as filmagens do terceiro e último filme. O meu mais sincero elogio vai a Carrie-Anne Moss, que justifica com unhas e dentes a sua personagem, fazendo o espectador compreender que nenhuma outra atriz talvez fosse capaz de merecer Trinity. Todos os atores que citei acima como novos também estão bem, embora bem sejam bem pouco aproveitados ao longo de duas horas e vinte minutos. Mais uma vez os efeitos especiais cobrem a atuação superficial de Keanu Reeves e Laurence Fishburne, que, como eu já havia dito antes, são bastante limitados.

Há grandes cenas nesse filme. Prefiro não dizer que dou destaque a essa ou àquela, porque são muitas das quais eu gosto; somente para exemplificar, há o inteligente encontro entre Neo e o Arquiteto, homem que construiu Matrix e que finalmente explica a Neo o que ele realmente é: um bug no sistema. Ainda faz um breve resumo de tudo o aconteceu antes do surgimento de Neo, mostrando a ironia da situação, afinal, para uns ele é um erro de cálculo, para outros, ele é o Escolhido. As cenas de luta são as de mais destaque e certamente as que entretêm o espectador a ponto de não fazê-lo piscar.

Tal sequência demorou 4 anos para chegar aos cinemas e seis meses depois chegou a terceira parte da trilogia, encerrando - pelo menos pensamos estar encerrado - o universo Matrix e as guerras que começam aqui. Como o própiro título sugere, esse filme veio recarregado, com tudo que a tecnologia pode oferecer e também com mais charme do que o anterior; talvez seja a presença das belas Jada e Monica no elenco. Como não disse antes, aproveito para comentar agora: Sr. Anderson está cada vez mais próximo de não conseguir combater o Agente Smith, que insiste na sua desenfreada reprodução assexuada a fim de exterminar Neo. Ao final desse filme, ficamos desejosos de ver o que virá de novidades e como toda a história será concluída, esperando que seja sensata ao se finalizar. Confiram-no.

29 de mai. de 2011

Conto 01 - Pai Contra Mãe

Conto integrante de Os Cem Melhores Contos Brasileiros.
Machado de Assis, publicado originalmente em 1906.

A ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco.

Não é incomum que ouçamos que Machado de Assis é um dos maiores – senão o maior – escritor brasileiro. Não concordo plenamente com essa afirmação, posto que na maioria das vezes ela é apresentada sem nenhum argumento que a torne consistente. É necessário dizer que, quando se aborda a qualidade estética de uma obra, não se pode deixar levar pelo senso comum ou mesmo pelo histórico: não é porque Machado de Assis compôs dois dos mais importantes livros da nossa literatura (Memórias Póstumas de Brás Cubras e Dom Casmurro) que tudo o que ele faça seja inegavelmente bom.

Ainda que pareça, por causa dessa introdução, que eu vou criticar o conto em questão, vou direção oposta. Só fiz essa introdução para expor o meu ponto de vista em relação a autores canônicos – esses dos quais ninguém ousa discordar. Sem perder mais o foco, vou ao ponto: o conto Pai contra Mãe, publicado originalmente em 1906, no livro Relíquias da Casa Velha, tem uma abordagem bastante intensa no que diz respeito à crítica social e à análise do comportamento humano, principalmente focada no egoísmo. Só pelo momento histórico no qual a história se passa – anos anteriores à extinção da escravidão – podemos notar que haverá um questionamento social aplicável, e há: Cândido Neves e Clara enamoraram-se, casaram-se e procriaram, mas, podres como estavam e fugindo o marido às suas obrigações necessárias, não tinham muito dinheiro. Ele, então, ocupou-se de pegar escravos como forma de trabalho e, assim, tentou garantir o sustento da família.

Logo nos primeiros parágrafos do conto, Machado se dedica a descrever o tratamento anti-humano dado aos escravos, os quais era submetidos a aparelhos de tortura, como a máscara de flandres, cujo objetivo era curar os vícios, tendo “só três buracos, dois para ver, um para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado” (ASSIS, 2001, p. 19). Logo depois, narra a coisificação dos escravos – quando fogem, é oferecida uma recompensa para quem encontrá-los e devolvê-los. Numa narrativa bastante imparcial quanto ao que é mostrado, Machado atinge o seu objetivo estético inicial ao descrever com ênfase, mas sem afetação, os transtornos pelos quais passam os negros daquela época. Somente então ele introduz o seu personagem central, Cândido Neves, e a moça que se tornará a sua esposa, Clara. Agora, a crítica se foca em outro aspecto social: a necessidade irrefutável do matrimônio, pois era nisso que Clara pensava. Seus namorados não pareciam bons o suficiente para contrair noivado, apenas queriam “mirá-la, cheirá-la, deixá-la e ir a outras” (p. 21). Conheceram-se num baile, casaram-se onze meses depois.

O personagem de Cândido é composto já nos moldes da escola realista (escola literária que sucedeu o Romantismo, tendo se iniciado em 1881): o homem é narrado sem idealizações, tal qual é, do modo mais fiel à realidade. Assim, Cândido é descrito como desapegado, não há nele qualquer interesse em ser subordinado e atender as ordens das outras pessoas, por isso a dificuldade em se manter em empregos e, posteriormente, a busca por um emprego no qual ele fosse seu próprio patrão. A primeira impressão da personagem assusta o leitor, tamanha o impacto de sua indiferença em relação ao seu futuro – seja pessoal, profissional ou amoroso. O seu relacionamento com Clara parece intenso, prazeroso; parecem amar-se a ponto de construir planos, os quais são pensados impulsiva e insensatamente. Com a vinda do filho, Tia Mônica, parente de Clara e agregada da família, lhes coloca diante do problema maior: sem ter dinheiro, não podem comer – é só uma questão de tempo até a criança morrer de fome; o recomendado, então, seria entregá-la à doação, já que, mesmo trabalhando como “recuperador” de escravos, Cândido já não vinha conseguindo dinheiro suficiente. Deparamo-nos, então, com um aspecto da cultura daquele momento: as crianças rejeitadas pelos pais, por um motivo ou outro, eram levadas à Roda, espécie de engrenagem na qual se punha a criança do lado de fora da casa e que, ao girar, a levava para o lado de dentro da casa, permitindo, desse modo, que os pais não fossem identificados.

A fim de evitar que o filho lhe seja tomado pelos despropósitos da vida, Cândido se vê obrigado a caçar com desespero os escravos fugidos das fazendas e casas da região. Por fim, consegue capturar uma, a quem já havia buscado anteriormente. Ela, desesperada, lhe grita que lhe ignore, que a deixe ir, que finja nunca tê-la visto, pois ela não pode voltar para a fazenda do seu dono, pois, estando grávida, ele a açoitaria o suficiente para que, sem saber, chegasse a matar o seu filho, ao qual já estima. O personagem, no entanto, depara-se com um grande dilema: liberar a escrava e permitir que ela tenha o seu filho ou entregá-la e, em conseqüência, poder ficar com o seu próprio filho? Era as vontades dele, de pai, contra as dela, de mãe. Vale lembrar que tudo confluía para que ele obtivesse o que desejava – ela, afinal, era mulher, escrava e estava enfraquecida de tanto fugir. Nem mesmo as pessoas que a viam sendo arrastada de volta a acudiam – “quem passava ou estava à porta de uma loja, compreendia” (p. 26) e exatamente por isso não a ajudavam – não havia por que, de qualquer modo, pois o comportamento social daquele momento permitia que se humilhassem e maltratassem escravos arredios.

A crítica é bastante explícita: o homem, diante de um acontecimento que lhe pode provocar mal, acaba direcionando-o ao outro. Isso se evidencia na atitude de Cândido, que entrega a escrava ao dono dela, que a açoita até que ela tenha um aborto. Não se pode aqui ignorar a dualidade das metáforas apresentadas: a desgraça dela é, por conseqüência, ainda que indiretamente, a alegria dele; a crueldade dele é, ainda que chocante, dotada de um sentimento bonito – o amor ao seu filho. Machado de Assis não hesitou em compor uma história que se constrói pelo que é belo e que pelo que é feio, ambos os elementos estéticos de fundem e moldam a história, apresentando uma unidade muito consistente, a qual está representada na oração que ilustra essa minha análise. Para que se possa estar feliz, é necessário que se passe por situações infelizes e drásticas e, sobretudo, é preciso que sejam expostos o egoísmo e o calculismo, bem como a frieza e a determinação notadamente perigosas.


Referência bibliográfica:
ASSIS, Machado de. Negrinha. In: MORICONI, Ítalo (org.) Os cem melhores contos brasileiros. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.

27 de mai. de 2011

Sargento Garcia

Brasil, 2000, 16 minutos, drama. Diretor: Tutti Gregianin.
Baseado no conto homônino de Caio Fernando Abreu, esse curta-metragem se revela uma obra pungente e elogiável, na qual todos os elementos cinematográficos são usados a favor da sua própria composição artística.

Não conheço muito da obra de Caio Fernando Abreu. Li apenas um romance dele, Limite Branco, o qual considerei realmente chato e desestimulante. No entanto, ao ler um pequeno conto – nomeado Sargento Garcia –, tive a sensação de que a força narrativa desse autor se encontra no conto e não no romance. A obra literária, ainda que curta, é extremamente pungente no que diz respeito às sensações provocadas, tanto nos personagens quanto nos leitores. E foi isso que me motivou a conferir o curta-metragem produzido em 2000 e inspirado nesse conto de Caio F.

Não sei bem como explicar, mas o curta-metragem é concebido com a mesma simplicidade do conto e talvez seja esse o fator que o torna tão sufocante. Ele é tão simples que facilmente o tomamos como uma situação provável no dia-a-dia – até porque é de fato uma situação comum. E esse choque com uma realidade tão simples e tão objetiva nos causa uma intensa percepção do mundo à nossa volta. A história é embasada numa fotografia do cotidiano: um jovem, Hermes, é seduzido pela figura máscula de um sargento. Não é preciso muito para perceber: basta olhar para o modo como o homem toma a mão do jovem e faz com que ele o acaricie, basta reparar no modo como o garoto aceita a carícia do sargento – tudo ali é experiência, tudo é novidade e, portanto, mesmo com medo do desconhecido, é valido como forma de engrandecimento pessoal.

Todo o clima do filme se registra ao longo dele. Não há um ápice, não há um clímax – ele todo é clímax. Primeiro, o tom imperativo de Garcia, humilhando Hermes diante dos outros rapazes que também estão no exame médico do alistamento militar; depois o tom ainda viril e rude, porém sutilmente mais calmo – já com o intuito de seduzir o garoto. Então, a carona: momento sublime do enredo, no qual ambos conversam; na verdade, o homem mais velho monologa, comentando curiosidades sobre a sua vida, criando a expectativa no jovem, que cede – cede com vontade de ceder e também cede fingindo que não quer ceder. O homem por fim o conquista, não somente pelo tom, pelo corpo, pela voz, mas também pela figura que ele representa, pelo poder que dele emana – como o jovem, afinal, diria “não” para o seu próprio desejo e também para aquele homem, que manda calar e todos obedecem?

Não me restam dúvidas de que essa é uma das melhores adaptações que eu já vi. O conto de Caio F., tal como o curta-metragem, é dotado de um senso estético muito sofisticado – e paradoxal, também. Afinal, o que torna o conto elogiável e distinto é justamente o jeito como ele se embasa no lugar-comum para ganhar impulso narrativo. Os atores – Marcos Breda e Gedson Castro – estão em perfeita sintonia, o que somente contribui para o meu apreço por essa obra. A somar, Antonio Carlos Falcão, intérprete de Isadora, figura importante na trama, figura que registra em off-screen todas as sensações voluptuosas de Hermes enquanto está no ato sexual com Garcia. Sem me prolongar mais – até porque, se eu o fizesse, escreveria por horas sem parar – encerro aqui essa resenha com a sugestão de que confiram tanto a obra literária quanto a obra cinematográfica. São ambas muito válidas.

25 de mai. de 2011

Os Cem Melhores Contos Brasileiros

Brasil, 2001, 618 páginas. Organizador: Ítalo Moriconi.

Dentre as formas literárias da narrativa, o conto é especialmente uma estrutura que me agrada bastante. Gosto do modo como os autores conseguem condensas todas as suas intenções estéticas em poucas páginas e ainda assim causar no leitor o mesmo efeito – ou efeito similar – que causaria um romance de 900 páginas.

Os Cem Melhores Contos Brasileiros é uma obra de Ítalo Moriconi, responsável por reunir todos os contos que, de um modo geral, pudessem representar toda a produção brasileira do último século. Felizmente, abrangendo um período bastante grande e, ao mesmo tempo, podendo agrupar um grupo bastante heterogêneo de autores, Ítalo Moriconi conseguiu apresentar com bastante eficiência o que cada período histórico-literário brasileiro buscava representar.

Como o próprio organizador diz, “[...] a melhor forma de dividir e ordenar o conteúdo do livro seria por seções que correspondessem a períodos cronológicos, entendidos porém de modo flexível” (MORICONI, 2001, p.13).  Com isso, ele quer dizer que os contos, ainda que possam pertencer a um mesmo período – década de 1990, por exemplo –, não são compostos das mesmas temáticas, nos mesmos moldes. A opção por agrupá-los por períodos é somente uma forma mais objetiva de o leitor identificar as tendências estéticas de cada momento. Desse modo, a estrutura dessa seleção de contos é apresentada assim:

1.      De 1900 aos anos 30: memórias de ferro, desejos de tarlatana.
2.      Anos 40/50: modernos, maduros, líricos.
3.      Anos 60: conflitos e desenredos.
4.      Anos 70: violência e paixão.
5.      Anos 80: roteiros do corpo.
6.      Anos 90: estranhos e intrusos.

Achei que seria muito vago apresentar aqui apenas alguns dos contos que compõem esse livro, analisando-os como se eles todos fossem homogêneos demais. Se eu fizesse isso, desrespeitaria a individualidade de cada autor selecionado que - quer o leitor goste dele, quer não goste – foi importante para a data, senão não lhe teria sido atribuído relevância a ponto de compor um livro tão interessante quanto esse. Opto, então, por analisar cada conto individualmente, um por um, até que todos os cem tenham sido resenhados. A partir de hoje, seguindo a ordem cronológica apresentada nessa organização de Moriconi, vou comentar os cem melhores contos brasileiros.


Referência Bibliográfica:
MORICONI, Ítalo (org.). Os cem melhores contos brasileiros. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

22 de mai. de 2011

Audrey Hepburn - Ranking e Comentários

Eu sempre achei Audrey Hepburn uma atriz icônica. Não importa quanto tempo se passe, ela será sempre a bonequinha de luxo, aquela garota gentil que carrega consigo a imagem contraditória da infância alegre e da vida adulta marcada por discernimento intenso. Audrey Hepburn representou os mais diversos personagens em sua carreira: prostituta, freira, jovem apaixonada, mulher de extremo senso crítico, florista simplória, deficiente visual em apuros etc. Ao longo de sua carreira, ela mostrou extrema eficiência ao representar os seus personagens e ao conceber atuações bastante concisas e coerentes, que sempre me agradaram.
Decidi relacionar abaixo, numa lista decrescente, os filmes com essa atriz que eu já vi e registrar algumas impressões e opiniões a respeito deles.

7ª posição - Minha Bela Dama, 1964.
Todos se lembram muito bem desse filme. Junto com Breakfast at Tiffanny’s, esse filme é um dos mais memoráveis da carreira dessa atriz. Não penso, no entanto, que essa obra mereça todos os elogios que lhe dedicam. Como musical, esse filme é antifuncional, porque muitas das músicas são extensas e não-ritmadas, o que me incomodou verdadeiramente. Posso aceitar num musical, como Chicago, por exemplo, atores que cantem mal (como é o caso de Renée Zellweger); não posso, porém, aceitar que, numa obra musical, as músicas sejam verdadeiramente desinteressantes, antimelódicas, monótonos e apresentam tão pouca relação com o andamento da obra. Tudo num filme deve funcionar de modo a dar andamento à trama e infelizmente isso não acontece aqui. A prova máxima disso é a extensão do filme, que muito bem poderia acontecer em 90 minutos em vez de acontecer em 280 minutos. Definitivamente, é Audrey Hepburn quem salva o filme, com a sua interpretação bela e simples. Provavelmente, esse será o filme de que menos gostarei em toda a carreira de Audrey.

6ª posição - Sabrina, 1954.
Audrey, Humphrey e Willian compõem a tríade de personagens que se envolvem numa relação amorosa perigosa. Hepburn é a mocinha que, de filha do chofer se torna uma mulher marcante; Bogart é o primogênito, centrado nos negócios, sem tempo para o amor; Holden é o mulherengo, que adora romances e aventuras. Os três se descobrem envolvidos – ambos sentem apaixonados por ela, que fica em dúvida para decidir de quem realmente gosta. Audrey está belíssima no filme, com uma interpretação bastante segura, mas, ao mesmo tempo, se vê nela uma delicadeza incrível, o que apenas acentua a beleza de sua personagem. Sabrina é uma figura dócil, da qual o espectador não se esquece facilmente e isso se deve principalmente à atuação de Hepburn, de não hesitou em torná-la fantasticamente simpática. Destaque à cena na qual ela e Humphrey Bogart conversam no escritório dele, pouco antes de Sabrina decidir cozinhar para ele. Todo o desenrolar dessa cena é fantástico – aposto que bastou isso para que Audrey conseguisse a sua segunda indicação ao Oscar.

5ª posição - Charada, 1963.
Essa é a famosa obra que se parece com um filme do Hitchcock, mas que não é. Interpretando Regina Lampert, tendo como parceiro de cena Cary Grant, Audrey nos revela uma faceta adorável: de extrema sensualidade, a personagem de Hepburn nos cativa o tempo todo. Todos os momentos em que aparece em cena são lindos! Destaque especial a personagem fumando. Eu não faço apologias ao fumo, mas não nego que adoro ver personagens fumando, principalmente quando eles têm o glamour de Audrey Hepburn num filme que investe no seu potencial de sedução. A junção de thriller com a participação de Audrey me surpreendeu: tão bela que é, principalmente nesse filme, eu às vezes até me esquecia dos perigos pelos quais ela passava. Aliás, acredito que esse filme seja intenso exatamente por causa do que ela nos oferece.


5ª posição - A Princesa e o Plebeu, 1953.
Esse foi o seu primeiro filme nos Estados Unidos. A atriz amadora que fazia filmes na Europa estreou na América e já se revelou como uma charmosa atriz, que potencialmente teria uma carreira de futuro. E isso se mostrou verdadeiro, já que nos quinze anos seguidos Audrey faria muitos filmes marcantes, que a colocariam inclusive num patamar icônico do mundo cinematográfico. Como uma princesa russa, Audrey mostra-se encantadora numa concisão inocente de criança – a atriz soube como se colocar na essência da personagem, tornando-a portanto deveras verdadeira. O envolvimento que ela tem com Gregory Peck é bastante divertido e, de certo, causa no espectador uma sensação curiosa de nostalgia – como se nós, algum dia, tivéssemos estado na Roma da década de 1950 aproveitando o que ela nos tem para oferecer. A singeleza de sua interpretação lhe rendeu uma justa indicação ao Oscar e, mais justo ainda, a estatueta de Melhor Atriz em 1954.

3ª posição - Infâmia, 1961.
Fiquei em dúvida se esse filme merecia segundo ou terceiro lugar nesse ranking, porque ele e Breakfast at Tiffanny’s são duas obras que, para mim, estão no mesmo plano. Num contexto social, eu diria que ambos pesam igualmente: um aborda a construção da mulher enquanto figura liberta socialmente e o outro – este, no caso – aborda a questão do preconceito e das conseqüências dele. Como, porém, eu compus esse ranking visando avaliar a interpretação de Hepburn, coube a The Children’s Hour o terceiro lugar dessa lista. Num papel dramático bastante envolvente, Audrey mostra-se bastante segura em sua atuação, principalmente se considerarmos que a sua personagem se posiciona contrariamente àquilo que ditava o pensamento social do momento: ela raciocina colocando a amizade e a relação afetiva sabiamente como elementos mais importantes do que o amor “incompreensível” que Martha, sua amiga, sentia por ela. Audrey e Shirley interpretam magnificamente. A cena final, na qual Karen, personagem de Audrey constata a opção feita por Martha, personagem de Shirley, é simplesmente chocante – jamais esquecerei aquela expressão de dor e desespero que Audrey Hepburn nos apresentou.

2ª posição - Bonequinha de Luxo, 1961.
Esse é o filme clássico de Audrey Hepburn – acredito que todas as suas cenas são marcantes: Holly caminhando na rua; o seu passeio pela Tiffanny’s; ela, à janela, cantando Moon River; ela fumando com a sua piteira; sobretudo, Audrey Hepburn, de um modo geral. Pode-se dizer que Holly Golightly chega a preceder Audrey Hepburn – basta pesquisar o nome da atriz no Google Imagens para que se verifique que imagens da personagem aparecem antes mesmo de imagens da atriz. Nesse filme, ela se porta encantadoramente: dócil e impulsiva, austera e atrevida, vejo sua personagem não apenas como extremamente feminina e feminista, mas também como uma excelente amostra de como uma pessoa é construída: a busca pela independência, a tentativa de encontrar uma identidade. Audrey não deixa a duvidar de que mereceu sua quarta indicação por sua interpretação, a qual, ainda que não seja a minha preferida, é, sem sombras de dúvida, inesquecível.

1ª posição - Um Clarão nas Trevas, 1967.
O que mais me atrai nessa obra – e exatamente por isso é o meu filme preferido estrelado por Audrey Hepburn – é a personagem principal, que parece bastante diferente de todas as personagens já interpretadas por essa atriz. O filme é todo composto num ritmo crescente de suspense, a cada nova cena nos é apresentado um argumento que intensifica o temor do momento anterior – não há, como usualmente acontece por defeito em alguns filmes, um momento anticlimático: Susy Hendrix, deficiente visual, é atormentada por três bandidos que lhe querem roubar um objeto valioso que está em sua casa. Audrey compõe maravilhosamente a personagem – não é à toa que recebeu a sua quinta e última indicação ao Oscar, justamente no ano em que decidiu abrir de sua carreira como atriz para se dedicar à sua carreira de mãe. Indubitavelmente, é impossível esquecer-se dos momentos de intensa euforia de sua personagem enquanto prepara armadilhas para contra-atacar aqueles que lhe impõem medo: como o título original sugere, é necessário esperar até ficar escuro para se ver o auge do filme – que é, aliás, belíssimo.

Termino essa sessão – e também esse mês, o qual dediquei à essa atriz maravilhosa – com breves comentários a respeito do que constatei pelas obras que já vi. Para mim, Audrey Hepburn conquista e me cativa ainda mais quando interpreta personagens mais maduras. Não me refiro exclusivamente a personagens mais adultas, mas às personagens cuja personalidade já está bem delineada e que, com o decorrer do filme, situações contribuem para que essa personalidade se firme e, como efeito catártico, conheçamos uma faceta mais humana e racional do que infantil. Por isso prefiro personagens como Karen Wright, Susy Hendrix e Holly Golighty – ou Lula Mae, como se descobre mais tarde – às outras personagens. Se notarmos, são essas três personagens, aliás, que mais colocam a mulher como ser independente. A Princesa Ann amadurece conforme se aproxima do personagem de Gregory Peck; Sabrina evolui em personalidade por causa do amor que sente pelo personagem de Willian Holden e pelo contato com o personagem de Humphrey Bogart; Regina Lampert está envolvida pelo poder de proteção que o personagem de Cary Grant pode lhe oferecer. Karen, Susy e Holly – respectivamente de Infâmia, Um Clarão nas Trevas e Bonequinha de Luxo – são personagens cuja própria vida fez com que elas discernissem a respeito das atitudes que lhe são mais viáveis. Não proponho uma análise intensa do feminismo, por isso não me estenderei nesse ponto, mas acredito que esse aspecto na estrutura do roteiro faz com que a atriz se envolva e, sobretudo, se desenvolva muito mais.
Enfim, é isso.

18 de mai. de 2011

Um Clarão nas Trevas

Wait Until Dark. EUA, 1967, 108 minutos, drama. Diretor: Terence Young.
Para mim, trata-se de uma das melhores interpretações de Audrey Hepburn e eu não hesitaria muito em colocá-la como uma das minhas três preferidas!

Se perguntassem a mim que personagem de Audrey Hepburn é a mais marcante, eu não hesitaria em responder: Susy Hendrix, de Wait Until Dark. Se me perguntassem que filme estrelado por essa atriz é o meu preferido, eu teria dúvidas entre alguns títulos – entre eles, Um Clarão nas Trevas. Começo assim minha resenha porque realmente penso que essa produção seja um marco na carreira dessa atriz.

Usualmente, os títulos fazem alusão a algum elemento da obra – é necessário que seja assim para que se estabeleça uma relação de coerência entre o título e o assunto abordado na história. Ainda que o título nacional não seja uma tradução literal do original – e, conseqüentemente, carregue uma intenção diferente –, penso que ambos os títulos são eficientes na sua finalidade de retratar o drama de Susy, que ficou cega recentemente e que busca sua independência, já que seu marido se recusa a deixá-la se tratar como uma mulher debilitada. As “trevas” ou a “escuridão” – do original dark – acontecem na noite em que, sozinha em casa, Susy é surpreendida por bandidos que buscam uma boneca cheia de heroína que seu marido trouxe para casa por engano.

O primeiro pensamento que o espectador tem é muito óbvio. Sabe-se que bandidos entram em casa e fazem renderem-se até mesmo homens capazes de enfrentá-los sem grandes esforços – como então uma pessoa recém-adaptada à sua deficiência visual é capaz de impedir três homens? É evidentemente que o filme, diferentemente desse pensamento potencial do espectador, caminha contrário ao senso-comum e a história apresentada é embasada numa série de argumentos que vão construindo a narrativa delicada dessa trama. Primeiro: os bandidos não são estúpidos e agem racionalmente; precisam considerar inúmeros fatores, como o fato de a boneca não estar mais nada casa e a mulher cega recusar-se a ajudar caso esteja ameaçada. Segundo: a vigente debilidade de Susy – como acontece com a maioria das pessoas – aguça os outros sensos, permitindo então que, embora não veja efetivamente, ela tenha uma ótima noção de sons, cheiros e, indiretamente, veja eficientemente. Terceiro: o roteiro se ocupa de expor argumentos que constroem a história através da dubiedade – os bandidos apresentam perigo a Susy ou ela, já consciente do risco que corre, oferece perigo a eles? Todos os bandidos são realmente ruins ou são intercambiáveis a ponto de, no final, ceder à causa de Susy?

Para mim, o auge do filme está na associação entre roteiro, atuações e direção. Equiparo-os porque os enxergo no mesmo nível de eficiência – e são todos muito bem desenvolvidos ao longo da trama. A respeito do roteiro, como já comentei, é muito eficaz na composição dos personagens e das situações propostas ao longo do filme – nada soa incoerente ou exagerado, nada está solto e as propostas (roubo da boneca) e contrapropostas (reação da personagem ao roubo) encaixam-se muito bem, completando-se. Terence Younger, mais conhecido por alguns filmes da série 007, não erra na direção: concentra-se em manter o clima do filme do começo ao fim, permitindo ao espectador bons momentos de entretenimento e bons momentos de clímax intenso. Nas mãos de outro diretor, o terror experimentado por Susy Hendrix se tornaria um show ridículo de sustos; em suas mãos, percebemos o desespero no qual a personagem se encontra e achamos as situações deveras reais – e exatamente por isso ainda mais perturbadoras.

Creio, porém, que o maior elogio deva ir à Audrey Hepburn, que se dedicou intensamente a essa produção. Não se pode negar isso quando a vemos em cena: sua participação nesse filme serviu para que interrompesse categoricamente sua carreira de muitos filmes de sucesso para poder então cuidar da família. Interpretando Susy Hendrix, Audrey provou que não é uma atriz de mocinhas delicadas, que vivem principalmente de romance – como Sabrina, do filme homônimo. A atriz, aliás, já havia provado estar associada a personagens de extrema crítica social – Gabrielle van der Mal e Karen Wright, de The Nun’s Story e The Children’s Hour, respectivamente -; com esse filme, porém, ela prova também estar perfeitamente apta para atuar em qualquer gênero, haja vista que nesse único filme ela reúne todos os elementos necessários para definir-lhe como uma atriz excepcional: sabe convencer-nos de que está feliz, de que está triste, de que tem medo e, sobretudo, de que experimenta uma das mais terríveis situações de sua vida. E faz tudo isso com o olhar – qualidade brilhante! Tenho suspeitas de que o Oscar de 1968 lhe fugiu das mãos de modo questionável – estaria Katharine Hepburn mesmo muito mais eficiente em Guess Who’s Coming to Dinner do que Audrey Hepburn em Wait Until Dark?

Se um filme se faz com vários elementos associados, não me restam dúvidas de que essa produção pode ser considerada como uma obra memorável. Todos os elementos confluem para a criação de um filme fantástico e, para mim, é exatamente isso que nos é apresentado: todos nós decerto nos lembraremos da tensão existente na tentativa de “criar as trevas” e de desligar a geladeira da tomada. Quem assistiu ao filme decerto saberá a que me refiro; aos que não viram ainda, recomendo que vejam tão logo que puderem – é um obra inesquecível!

14 de mai. de 2011

Minha Bela Dama

My Fair Lady. EUA, 1964, 170 minutos, musical. Diretor: George Cukor.
Um filme musical antifuncional, mas com questionamentos sociolinguísticos muito interessantes.

Eu tenho uma forte atração por filmes musicais. Honestamente, adoro o modo como a música e a dança são contextualizadas nesse gênero de filme – tudo é motivo para que se cante e dance, para que ótimas coreografias ilustrem sentimentos, ações e desejos. Acho, sinceramente, muito interessante conferi-los exatamente por essa razão. Aí, se juntar esse gênero a grandes atores – no caso desse filme, falo de Audrey Hepburn-  , é óbvio que se espera uma grande obra. Devo dizer, porém, que eu não a encontrei em My Fair Lady.

Ainda que sempre tenha ouvido falar bastante desse filme, nunca realmente me interessei em vê-lo. Gosto bastante de Audrey Hepburn e pretendia vê-lo, o que eventualmente aconteceria depois de eu assistir a outros filmes dessa atriz. No entanto, por sugestão de uma professora da universidade, que o recomendou pela sua abordagem (que se relaciona à Lingüística), acabei colocando-o à frente de outros títulos. Para ser honesto, a temática do filme é, ao meu ver, muito mais interessante que o filme em si, apesar da belíssima presença de Hepburn e de seu tom absurdamente encantador. A história toda gira em torno de dois personagens – Higgins e Eliza – e uma intenção – fazer com que uma simples florista se assemelhe a uma verdadeira dama. A narrativa se inicia com uma aposta que Higgins, um famoso e soberbo lingüista, faz com seu amigo Pickering quando vê Eliza Doolittle vendendo flores num bairro marginalizado de Londres. Ela, sem qualquer instrução educacional, fala cometendo inúmeros erros de pronúncia e falhas gramaticais, os quais Higgins afirma poder corrigir para que ela participe de um grande evento para a alta sociedade.

Não me restam dúvidas de que essa obra seja mesmo interessante quando nos voltamos para a análise dos recursos e questionamentos lingüísticos – e também sociolingüísticos – que são apresentados. Não vou me estender nesse aspecto, mas é inegável que há uma notável crítica nesse filme: ignorando o contexto social de Eliza, o professor Higgins a trata com superioridade aristocrática, tratando-lhe com desprezo notável e agindo como se ela, por opção, não tivesse recebido a educação escolar necessária. Indubitavelmente, é por esse tipo de preconceito que passam muitas pessoas que não tiveram a oportunidade de freqüentar a escola primária e que, exatamente por isso, não podem comunicar-se “adequadamente”, como Higgins espera que Eliza faça. Ela, muito pobre e não instruída, se vê numa situação complicada, haja vista que não pode fazer muito a respeito da relação de subordinada em relação a Higgins, ao qual ela idealiza, por ser mais instruído que ela. Essa ausência de valorização própria por contaminação também se verifica na sociedade e, para estabelecer uma relação com a literatura, pode ser vista registrada no romance de crítica social Vidas Secas, de Graciliano Ramos – Fabiano, assim como Eliza, tem medo de se pronunciar, porque não sabe que palavras usar e por estar diante de alguém “superior” (no caso dele, o “soldado amarelo”; no caso dela, a classe aristocrática londrina).

Definitivamente, como o filme mostra, não se pode dizer que Eliza não se comunique, haja vista que é possível compreendê-la, mesmo que, às vezes, seja um pouco difícil por causa da diferenciação dos sons convencionados e daquilo que ela efetiva ao falar. Sua dificuldade em pronunciar o h aspirado (como em head = /hed/) provoca dificuldades para o seu interlocutor em reconhecer certas palavras, ainda que não lhe seja impossível entendê-la (pois, como se sabe, somos dotados da capacidade de entender uma palavra pelo contexto do assunto debatido). A questão lingüística abordada no filme é, para mim, muito mais interessante que a trama em si, pois muito no filme me soa superficial e pobre em coerência – desde os relacionamentos entre os personagens quanto os números musicais.

Os personagens são construídos de um modo interessante, mas não vejo muita coerência na relação entre eles. A relação entre Eliza e Higgins é muito escassa para que se depreenda muita coisa e, principalmente, para que se chegue àquele final confuso, no qual não se identifica exatamente o porquê do comportamento anterior de Higgins em relação a Eliza. Não se pode também afirmar muito a respeito da paixão súbita (e das aparições aleatórias) do cavalheiro aristocrático que se apaixona pela figura não-convencional de Eliza e que permanece à porta da casa de Higgins a fim de vê-la. A introdução dos personagens não se dá de modo completamente satisfatório e a presença deles – nem mesmo as suas funções – são suficientes para lhes dar força. Tive essa impressão a respeito da mãe e do amigo de Higgins, bem como do pai de Eliza – são personagens que não acrescentam nada à trama. A respeito dos números musicais, acho-os curiosos. Definitivamente, muitos deles não são musicais – basta analisar aqueles apresentados por Rex Harrison. A música é composta de ritmo e sonoridade e as canções do Prof. Higgins são desconstituídas de qualquer um desses elementos e, às vezes, elas são extremamente compridas – isso torna o filme um pouco cansativo e desinteressante.

Para mim, não há honestamente nenhuma grande atuação. Rex Harrison está bem em seu personagem, que, devido a um tom extremamente plano, não requer muito do ator. Se o personagem sofresse maior modificação do longo da história, decerto me pareceria mais cabível tantos elogios – e até mesmo o Oscar – para o ator. Para mim, todos os elogios provêm do seu filme do ano anterior, Cleópatra, pelo qual pode não ter sido suficientemente elogiado. Já Audrey Hepburn, que foi dublada em algumas canções (já que elas não se adaptavam ao tom de voz da atriz), está acima de Harrison em interpretação, mas, honestamente, eu a prefiro em outros filmes, os quais requerem mais do seu potencial dramático. Acho curioso ser esse o seu filme mais notável; justamente é, das obras que já vi, o que filme de que menos gosto em sua carreira. Suas atuações em Wait Until Dark, Sabrina, Breakfast at Tiffanny’s e The Children’s Hour, por exemplo, são notadamente maiores. Esse filme não é, no entanto, nenhum erro em sua carreira – é apenas uma obra com a qual não me identifico totalmente.

Acredito que conferi-lo valha a pena para se conhecer a obra mais aclamada dessa atriz, mas, de um modo geral, não vejo qualidades artísticas inquestionáveis nessa trama, cujo tom epopeico é desnecessário, já que a história poderia se resumir e caber em 90 minutos em vez de 180 minutos. Não fosse pela presença de Audrey e por aquelas críticas sociais que apresentei acima, eu decerto teria assistido o filme em três partes. Recomendo a obra, mas não dou a ela todo o valor que se dá, porque não vejo tantos pontos positivos aqui.

11 de mai. de 2011

Infâmia

The Children's Hour. EUA, 1961, 105 minutos. Drama. Dirigido por Willian Wyler.
Indicado a 5 Academy Awards, incluindo Melhor Atriz Coadjuvante (Fay Bainter).
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O ano de 1961 realmente foi grandioso para Audrey Hepburn: ela estreou dois filmes maravilhosos, que são Bonequinha de Luxo e este, Infâmia. Devo dizer que as duas obras são ótimas amostras de seu talento como atriz e este, em específico, nos mostra como uma direção impecável e um elenco magistral são capazes de criar uma obra colossal.

Karen Wright e Martha Dobie são duas amigas que dirigem a escola Wright-Dobie para meninas. As duas são grandes amigas, desde a época em que se conheceram, aos 17 anos. Mary, uma menina que adora conta mentiras para se livrar dos problemas, não gosta das professoras, porque alega que “elas a castigam demais, porque não gostam dela”. Um dia, como vingança pelo fato de ter sido castigada, a menina conta uma história maldosa: diz que Karen e Martha são mais que amigas, que mantêm um relacionamento “não natural”. Isso basta para que a avó de Mary propague a história da menina, que ela crê ser verdade. A vida das professoras, de repente, fica tumultuada e problemática.

Nem sei bem o que dizer dessa obra, só sei que ela é decerto aquela que mais me encantou esse ano. A sua composição é mesmo muito boa e está muito bem estruturado, nenhum elemento parece a mais e nada está em excesso. O que me encantou absurdamente foi a soma dos atores com a direção de Wyler, que, como sabemos, é um diretor fantástico (vale lembrar que são dele as seguintes obras: A Princesa e o Plebeu e Como Roubar Um Milhão de Dólares, ambos com Audrey Hepburn; Pérfida e A Carta, ambos com Bette Davis; além do clássico Ben-Hur, com Charlton Heston). Pouquíssimas vezes vi um elenco tão afiado quanto esse. Audrey Hepburn me parecia uma atriz de comédias românticas e quando eu vi aqui, como uma professora dócil cuja vida é destruída, eu a senti completa: ela é magnífica tanto comicamente quanto tragicamente. O seu desempenho é tão delicadamente trabalhado que suas expressões me marcaram profundamente – cada vez que ela aparecia, minha mente registrava o seu rosto: expressões alegres, expressões amargas, olhar de desespero. Tudo na sua composição artística está impecável e é por isso que eu creio que a Academia teve um grande problema ao escolher por qual filme a indicaria na cerimônia de 1962 (esse ou Breakfast at Tifanny’s). Sobre Shirley MacLaine, comento antes uma curiosidade: eu jamais pensei que as duas pudessem ter atuado juntas num filme. Sempre tive a impressão que Audrey é uma atriz muito clássica e me remete a um cinema do qual as atrizes atuais não participaram. Achei muito curioso quando as vi atuando juntas, porque, mesmo sabendo que muitas das atrizes de hoje são contemporâneas às atrizes “clássicas”, sempre as assimilo a períodos diferentes do cinema. Enfim, o trabalho de MacLaine é igualmente fantástico. Embora ela pareça mais precoce do que Hepburn – cuja carreira já estava bem estabilizada -, MacLaine não erra no tom que dá à Martha, sua personagem, e eu honestamente creio que ela merecia uma indicação. Poucas vezes vi atrizes principais num envolvimento tão bom. Talvez o último caso de que me lembre seja o da dupla Sarandon-Davis, em Thelma e Louise.

James Garner, intérprete de Joe, noivo de Karen, é o único ator que desaparece diante da atuação dos outros. Seu tom não está incorreto, mas talvez pela grandiosidade dos outros desempenhos, ele acaba sumindo, deixando vestígios de sua presença. Miriam Hopkins, que atua como Lily Mortar, tia de Martha, concebe uma performance muito boa, criando uma personagem realmente irritante. Bay Fainter, como Amélia Tilford, concebe uma atuação digna de indicação. Na verdade, quase todos no elenco mereciam uma indicação; ela apenas teve sorte de ser “a escolhida”. Ela é realmente muito talentosa e a sua maturidade como atriz serviu para auxiliá-la a criar a figura daquela mulher, tão devota à moralidade que age impulsivamente. Realmente brilhante. A outra grande atriz do filme é a jovem Karen Balkin, a criança responsável pelo estrago na vida das jovens professoras. O que pode dizer a vocês é o seguinte: vocês se lembrarão desse monstrinho por um longo tempo. E vocês a detestarão. Ela é o mal encarnado, é o demônio em vida. A criança realmente soube como personificar a audácia e a inconveniência – a abstração se tornou concreta na interpretação de Balkin.

A direção de Wyler é realmente muito boa. O diretor soube como captar cada melhor momento de cada ator. E desse modo nós somos surpreendidos pelos melhores ângulos, pelos melhores rostos, pelas expressões mais intensas – e assim que eu resumo o filme: intensidade. Gosto do aspecto teatral de algumas cenas. Vale ressaltar que a peça provém de uma montagem de teatro e conseguimos reconhecer esse aspecto na direção de Wyler. Na cena, por exemplo, em que Karen, Martha, Mary, Joe e Amélia conversam na sala da casa da última, podemos ver todos os atores em cena – tal como se estivéssemos num teatro. Gosto da câmera larga do diretor, que parece filmar tudo o que está em cena, ampliando tanto quanto possível a nossa visão.

O roteiro é impecável. Do começo ao fim, não vi um defeito. Gosto da linearidade e do tom gradual que é dado à história dessas duas mulheres. Gosto também do modo como a moralidade é trabalhada nessa obra: as personagens são todas mostradas embasadas numa moralidade particular, mesmo que haja uma cultura maior acima delas. Na década de 60, período em que vivem, o relacionamento homossexual não é bem visto (nesse momento, devo dizer que não pude deixar de traçar um paralelo com Brokeback Mountain, cuja história se passa em 1962). E com essa moralidade que a personagem Amélia se comporta, mas há nela também a moralidade religiosa de não causa mal ao próximo. Diante da certeza de estar certa, ela faz aquilo que convém: propaga a mentira da net, crendo que é verdade. Depois, tendo descoberto o engodo, tenta retratar-se, num ato de cessão cristã. Martha é inconsciente de seu amor até que todos o descobrem e assume-se culpada, não pelo amor que sente, mas pelo mal que “causou”. Karen, por sua vez, é liberal – ainda que não retribua o amor marital que Martha lhe concede, ela ama a amiga e está disposta a estar com ela, não importa o que prega a moral da época.

Devo dizer que esse filme me marcou muito. Não pude deixar de notar a semelhança com outro filme: Atonement. Tanto Mary quanto Briony contam uma mentira capaz de destruir irreversivelmente a vida das pessoas que foram alvos da calúnia. E, honestamente, adorei essa correlação que há entre as obras. Decerto Ian McEwan, autor de Atonement, o romance que deu origem ao filme, já havia visto esse filme e soube como reaproveitar o tema. O filme também me marcou por um dos finais mais tensos. Não que o final seja inimaginável, mas o enquadramento usado por Wyler me deixou tenso e a expressão de pavor e dor no rosto de Hepburn me desestabilizaram emocionalmente.

O título nacional é bem objetivo e bem mais interessante que o título original. Infâmia é um filme que não apenas merece ser visto, mas deve ser visto. É uma obra como poucas, na qual estão todos os grandes elementos para a composição de uma boa obra. E mesmo que não houvesse nada, há Audrey no elenco – e só isso já vale a pena!

Luís

8 de mai. de 2011

Sabrina

Sabrina. EUA, 1954, 113 minutos, drama. Direção:  Billy Wilder. 
Trata-se de uma comédia romântica que se torna bela pela direção de Wilder e pela presença delicada e esponteaneamente simpática de Audrey Hepburn.

Billy Wilder é o responsável por inúmeros filmes de muito sucesso e já esteve em parceria com inúmeros atores de grande porte. Em Sabrina, de 1954, ele dirige três dos maiores atores da época áurea de Hollywood: Humphrey Bogart, Willian Holden e a belíssima Audrey Hepburn – essa recém-ganhadora de um Oscar por sua atuação em Roman Holiday. Todos os atores – em especial Hepburn – e o diretor conseguem criar um dos filmes mais gentilmente belos já criados!

Para mim, o aspecto principal desse filme é a delicadeza. Toda a história gira em torno de um tema que, por si só, é bastante traumático e que, caminhando por outra perspectiva, é também bastante poético. E o filme faz questão de seguir por essas duas trilhas: Sabrina, que dá título ao filme, é a filha do chofer que é apaixonada por um dos membros de uma riquíssima família; ele, porém, não a nota, nem mesmo quando ela tenta impor sua presença a ele, que sempre busca mulheres fáceis e novas aventuras. O filme não se abstém de mostrar o drama da rejeição inconsciente (não se pode, afinal, dizer que David não a aprecia voluntariamente): Sabrina tenta o suicídio sufocando-se com monóxido de carbono, mas acaba salva por Linus, irmão mais velho de David. Como forma de escapismo, Sabrina vai a Paris, estudar culinária, retornando a Long Island depois de passar dois anos na França – o seu retorno provoca alterações na dinâmica da família, pois os dois irmãos então passam a gostar dela.

Talvez o mais interessante no filme seja notar a sutileza das pequenas críticas que são feitas ao longo dessa produção. Isso se verifica principalmente no relacionamento de Sabrina e David, já que ambos demonstram ter personalidades muito imaturas. Ela, ainda que já adulta, não consegue se livrar dos seus trejeitos infantis, não consegue se assumir totalmente independente – e de fato não é independente, já que dedica a sua vida a David, mesmo que ela própria consiga reconhecer isso como um aspecto ruim. Ela mesma diz, estando ele prestes a se casar, que “ele ainda não está casado”. Vale lembrar que é um pensamento muito expressivo, pois, considerando a moral da época, dispor-se a enamorar-se de um homem já noivo a fim de fazê-lo romper o noivado é posicionar-se contra tudo aquilo que se espera de você. Sabrina é, em nome desse seu amor não amadurecido e desenvolvido a partir de uma impulsividade infantil, capaz de desafiar o contrato social. Há também o contraponto em relação ao amor de Sabrina, que é justamente o amor de David – ele evidentemente não a ama, mas a admira por causa de sua beleza e por causa do modo como ela agora lhe é capaz de chamar a atenção. O seu caráter paquerador permite que ele identifique alvos, não amores verdadeiros. E há nele, bem como há em Sabrina, uma profunda alienação, que faz com que eles busquem no passado amostras de que sempre foram apaixonados, o que se verifica no caso dela, mas não no dele. Sabrina e David tentam desesperadamente embasar o seu relacionamento em falsas memórias e em projeções inconstantes a respeito do que eles pensam a respeito do que sentem.

Em contrapartida, Sabrina e Linus possuem um relacionamento mais espontâneo, que se constitui pelo sentimento de proximidade que eles desenvolvem. Ainda que, a princípio, Linus tenha se prontificado a entreter Sabrina como forma de fazê-la se esquecer de David e, então, não atrapalhar o noivado dele, pouco a pouco ele começou a se aproximar, a se envolver emocionalmente, a se apaixonar por Sabrina. Ela, por sua vez, continuava iludida pelo sentimento que tinha em relação a David, no entanto, não negava que também se sentia estritamente próxima de Linus, por quem agora nutria afeto. Cabe a esse casal, aliás, a cena mais bela do filme: Sabrina vai ao escritório de Linus e os dois conversam à meia-luz, ela no lado oposto da mesa, ele estático e com uma sobriedade desastrosa – ele revela, então, as suas intenções iniciais e ela, assombrada – com sutileza incrível, todavia –, simplesmente parte, deixando-o sozinho.

Billy Wilder soube perfeitamente como apresentar os conflitos e as resoluções dos problemas. Embora, ao meu ver, haja uma facilidade incoerente na paixão de Sabrina e Linus, o enredo se desenvolve positivamente, de modo gradual e muito climático, proporcionando-o ao espectador uma boa história. E o mais interessante é que os personagens possuem momentos catárticos importantes: todos eles tornam-se mais conscientes de si mesmos e se questionam a respeito do rumo que eles estão tomando em suas vidas. Não se pode negar que o final seja o usual na estrutura romântica dos filmes da década de 1950 – de certo modo, há aquela constância nos relacionamentos que levará a um momento último que indica a consciência dos personagens em relação a si próprios; isso, no caso de Sabrina, resulta num envolvimento amoroso; no caso de Roman Holiday, filme anterior de Audrey Hepburn, a consciência dos personagens resulta na aceitação das condições sociais e das respectivas obrigações dentro de uma determinada ordem (ela, uma princesa; ele, um cidadão comum).

O sucesso do filme evidentemente está na junção dos atores, os três em perfeito desenvolvimento na trama – ainda que, para mim, Bogart e Hepburn não combinem e, em momento nenhum, consigam criar a afinidade necessária – e também por causa do diretor, que desenvolve muito bem a trama. Gosto também do modo como ele enquadra as cenas, como conduz as cenas – é de uma beleza estética admirável, com belas cenas, algumas inesquecíveis, como aquela que já citei, na qual Audrey permanece no meio do escritório conversando com Bogart. Aliás, por si só, Audrey já é belíssima; a somar com a estética artística de Wilder, isso resulta no filme admirável, que vale a pena ser visto.

5 de mai. de 2011

A Princesa e o Plebeu

Roman Holiday. EUA, 1953, 118 minutos, comédia. Diretor: William Wyler.
Uma das melhores comédias românticas já criadas, com direito ao cenário romano e uma Audrey Hepburn totalmente encantadora.

Havia muito tempo que eu gostaria de assistir a esse filme, mas somente há pouco pude conferi-lo. E confesso que ver Audrey Hepburn como um membro da realeza que se envolve com um cidadão comum é realmente adorável. Não apenas a sua atuação, mas também a química existente entre ela e Gregory Peck e a excelente sintonia com o diretor, Willian Wyler, fez com que o filme se tornasse realmente uma das comédias românticas mais elogiáveis do século passado.

Honestamente, o que mais me incomoda no filme é o título nacional que parece não fazer jus à história que é narrada. Ainda que a personagem de Hepburn realmente seja da realeza e que o personagem de Pc realmente seja muito pobre, o roteiro faz questão de torná-los próximos e diminuir as questões sociais – assim, eles se mantêm no mesmo nível e é exatamente por isso que eles conseguem passar um dia juntos. Até penso que o título original seja muito mais poético, pois remete ao tempo em que eles passaram juntos. Ele até mesmo sugere que eles aproveitem o dia e o tomem como um feriado, o “feriado romano” do título. Eis o único ponto que me desagrada nessa obra e ela nem sequer tem a ver com a obra em si, haja vista que o problema ocorre na “tradução”.

Reafirmo que o que há de melhor nessa obra é a presença de Audrey Hepburn. Como a Princesa Anya, ela realmente nos encanta com o seu charme em cena e com todo os seus trejeitos delicados e surpreendentes. Destaque para as cenas iniciais, quando ela se encontra com Joe Bradley, personagem de Peck e ele, sem saber que ela é um membro da realeza, lhe aplica uns tapas na face para acordá-la e mais tarde faz com que ela durma no sofá. Não sei dizer com segurança se o filme é original em seu roteiro – sei que hoje é bem comum filmes nos quais personalidades importantes caminham anonimamente pelas ruas. Talvez àquela época tenha sido bastante inovadora essa história. E admito que ainda hoje ela funciona, mesmo que Roman Holiday pareça um pouco envelhecido. Alguns filmes, com o passar do tempo, mantém a sua integridade – esse é o caso de All About Eve, filme de 1950 que foi pessimamente traduzido para “A Malvada”. Já “A Princesa e o Plebeu” dá indícios de sua idade quando observamos algumas características suas, como a fotografia e alguns ângulos de câmera, que parecem querer englobar o máximo de informações possíveis. Isso não é necessariamente um defeito, porque não afeta a qualidade do filme, mas definitivamente o afasta de algumas pessoas.

Não posso deixar de dar a Gregory Peck os créditos pela sua atuação, mas realmente penso que o sucesso do filme se deva à dupla Hepburn-Wyler. O modo como ele a dirige faz com que sua atuação seja toda elogiável – percebo aí um sinal que chega até a atriz e que retorna ao diretor, surgindo então uma sintonia muito eficiente. Não é à toa que ela foi indicada ao Oscar e a ela foi concedido o prêmio – sua atuação sob a direção de Wyler é premiável e adorável. Duvido que alguém resista ao seu charme discreto e à sua delicadeza em cena. Eddie Albert também não falha ao compor seu personagem e, mesmo que sua participação seja pequena, ele consegue sobressair inclusive a Gregory Peck, que em alguns momentos parece meio canastrão ao lado dos outros atores.

O que me surpreende no filme é o tom realista do seu final, que não peca e vai a direção do romance desnecessário. O breve momento em que Princesa Anya e Joe Bradley se envolve romanticamente é o suficiente para que eles carreguem consigo uma boa lembrança a vida toda – isso fica evidente quando a princesa, durante seu discurso, afirma categoricamente que Roma foi o melhor lugar que gostou de conhecer. Ao fazer isso, abre mão das medidas diplomáticas e expõe sua opinião quanto àquilo que lhe fez feliz: a companhia de Bradley e os eventos que eles compartilharam. O ápice do filme, na minha opinião, é o reconhecimento que ambos os personagens têm de que, mesmo que por pouco tempo, o que tiveram foi bastante intenso e sempre será lembrado. Eles não precisam de atitudes extremas para reforçar o afeto que têm um pelo outro.

“A Princesa e o Plebeu” já tem mais de meio século de existência. Desde seu lançamento, passaram-se cinqüenta e oito anos, mas o filme manteve o seu charme e merece ser conferido – não apenas porque Audrey Hepburn está brilhante, mas também porque essa é uma obra divertida do muito competente Willian Wyler. Até poderia citar Gregory Peck, mas, para citá-lo, aí recomendaria outros filmes, como A Profecia, de 1976.

3 de mai. de 2011

Biografia comentada: Audrey Hepburn

Audrey, em 1953, no filme "Roman Holiday".

O ano era 1954. Aos 25 anos, uma garota belga subia no palco do Academy Awards para receber um dos poucos prêmios do Oscar em todos os tempos que permanecem incontestáveis até hoje. Ela, Audrey Hepburn (nascida Audrey Kathleen Ruston em uma cidadezinha da Bélgica). O filme, “A Princesa e O Plebeu”, de William Wyler, em que Audrey representava o papel-título feminino, realeza entediada que escapava dos guarda-costas para viver uma aventura romântica com o americano de Gregory Peck. Ainda não era o auge de sua carreira em terras americanas, mas sem nenhuma dúvida era o começo “de uma linda amizade”, para não dizer caso de amor, do público do mundo inteiro com a européia refinada e graciosa que Audrey sabia representar tão bem.

Mas voltemos ao ponto pelo qual eu resgatei a cerimônia de 1954 como ponto de partida dessa biografia. Não foi só pelo fato que ganhar um Oscar imediatamente eleva um ator/diretor a outro nível, mas pela notória elegância e discrição que Audrey mostrou ao receber a estatueta. Cabeça baixa, sorriso ressabiado, vestida sem extravagância e a mesma graça no caminhar e no portar que emprestou para todas suas personagens, Audrey fez os agradecimentos habituais, levantou os olhos para a platéia e, sem mais palavra, sorriu aquele sorriso raro, que não é de seu feitio, e que a levou, talvez exatamente por aparecer apenas de vez em quando, nas horas certas, sem querer roubar o show, ao patamar de ícone moderno.

E não, não é exagero. Marilyn Monroe pode ter cantado “Happy Birthday, Mr. President”, mas quando Audrey, a atriz preferida de John Kennedy, foi a escolhida para segui-la no ano seguinte, ela cantou “Happy Birthday, Dear Jack”. Mas um ícone precisa ser atemporal, não passageiro, diriam uns. Audrey figura no topo da lista das mais belas atrizes de todos os tempos religiosamente, ano após ano, e sempre no topo. Ela desbanca mulheres que, em termos de pura estética, poderiam ultrapassá-la com facilidade: Angelina Jolie, Catherine Zeta-Jones, a própria Marilyn. Mas a qualidade “beleza” que se encontrava em Audrey era diferente, e tinha a ver com a elegância, a graça, a leveza, a polidez e a delicadeza de uma mulher de minúcias que sabia jogar com o que tinha. E isso incluí, é claro, um talento imenso.

Como já dito, o primeiro grande papel de Audrey no cinemão americano foi como uma princesa, que ela era por porte ainda que não por título, na comédia romântica A Princesa e o Plebeu. A maldição do Oscar, concedido tão cedo quanto deveria pela Academia, não pegou na inteligentíssima Audrey. Nos anos seguintes ela se juntou a um time de diretores de primeira linha que a deram papéis inesquecíveis, ainda que tenham se tornado menos lembrados em sua longeva, ainda que não extensa, filmografia. Billy Wilder a colocou entre Humphrey Bogart e William Holden no triângulo amoroso premiado de Sabrina, que rendeu sua segunda indicação ao prêmio da Academia. King Vidor a escalou no épico de 1956, adaptação da novela de Leon Tolstoi, Guerra e Paz. Neste último, Audrey contracenava com o primeiro marido, Mel Ferrer, com o qual firmara união dois anos antes.

O casamento com o ator de papéis menores que o dela duraria até 1968, produzindo o primeiro rebento da atriz, Sean, nascido em 1960, após dois abortos e um acidente de filmagem terem impedido o casal de proliferar. Ela seria dirigida pelo marido, fazendo par romântico com Anthony Perkins (sim, o Norman Bates do Psicose original) no pouco lembrado A Flor Que Não Morreu, um dos papéis que demonstraram a versatilidade de Audrey, colocando-a fora de sua zona de conforto (princesinhas, mocinhas apaixonadas, heroínas românticas), no papel de uma selvagem venezuelana (!) que enfeitiça o jovem vivido por Perkins. Enquanto isso, o clássico Cinderela em Paris a colocou para dançar sob a vigia de Fred Astaire. A cena de sua dança solo e a atuação no momento em que Astaire a beija e a abandona apenas para conseguir uma boa foto se tornaram clássicas. Mas foi no papel de uma freira no dramático Uma Cruz à Beira do Abismo, de Fred Zinneman, que Audrey conquistou a terceira lembrança dos acadêmicos do Oscar.

Lembrança, aliás, que faltou no comecinho dos anos 1960, quando Audrey assumiu aquele que foi, sem dúvida nenhuma, o papel mais marcante e influente de toda a sua carreira: a adorável vigarista Holly Golightly do gracioso Bonequinha de Luxo, adaptação indefinível em gêneros que Blake Edwards entregou para o livro de Truman Capote sobre a high-society nova-iorquina dos anos 1950. Aos 32 anos e mais bela do que nunca, Audrey domina a tela com carisma impecável, a elegância de sempre e um toque gaiato que não era próprio seu até o diretor Edwards encontrá-lo escondido por trás de toda a “fleuma” (no melhor dos sentidos) européia. Audrey entrega semi-monológos com tranqüilidade, constrói uma personagem adoravelmente charmosa e eleva um filme leve e agradavelmente interessante ao nível de clássico. A referência na cultura pop é tanta que até o cinema francês, notoriamente avesso ao americanismo, emprestou o “toque Golightly” (e uma parte da premissa do filme) para Amar Não Tem Preço (“Hors de Prix”, no original), em que outra Audrey, a Tautou (na minha humilde opinião, uma escolha felicíssima), encarna a figura relaxada e carismática que joga o jogo do amor pelo dinheiro.

Igualmente divertido, ainda que nem tão marcante, Quando Paris Alucina, de Richard Quine, a reuniu com William Holden (seu parceiro de cena em Sabrina) e fez dos dois um casal improvável: um roteirista em crise criativa e uma secretária que tenta ajudá-lo a superar as dificuldades... encenando na vida real todas as premissas malucas que surgem na cabeça do chefe. Audrey voltou aos musicais em 1964, com o segundo papel mais marcante de sua carreira, o da garota pobre transformada em flor da alta sociedade Eliza Doolittle em Minha Bela Dama. Mais uma vez, por mais que Audrey atue e cante da forma fluída e detalhista que os acadêmicos costumam gostar, nada feito entre a atriz e o Oscar.

Antes de espaçar suas aparições no cinema, o que aconteceu a partir da década de 1970, Audrey ainda mostrou que continuava uma beldade ao lado de Albert Finney em Um Caminho para Dois, do alto de seus 38 anos, e voltou a batuta de William Wyler na comédia assumida Como Roubar um Milhão de Dólares. Mas foi com o último clássico de sua carreira que Audrey conseguiu provar, sem que sobrasse dúvida alguma, seu talento para a atuação. Um Clarão nas Trevas é o estranho no ninho em sua filmografia, um suspense pesado de um diretor menor, onde ela interpreta uma mulher que acaba de se tornar cega, atormentada por um trio de ladrões que procura por uma boneca recheada com heroína, supostamente escondida na casa. O papel lhe rendeu a quinta e última indicação ao Oscar, e a oitava e também derradeira lembrança no Globo de Ouro (a Imprensa Estrangeira a concedeu o prêmio também por A Princesa e o Plebeu). Depois disso, Audrey só voltaria as premiações para as homenagens pelo conjunto da obra: a do Globo de Ouro veio em 1990, e a do SAG Awards, em 1993, mesmo ano em que a atriz não pôde comparecer a entrega do Oscar (que a concederia um prêmio por ações humanitárias).

Antes de morrer, na Suíça, em 20 de Janeiro de 1993, Audrey Hepburn marcou ainda presença na versão de Richard Lester para a lenda de Robin Hood, o adorado Robin & Marian, no qual atuava na pele de uma Lady Marian mais jovem, e sob a direção de Steven Spielberg no sentimental Além da Eternidade, de 1989. A garota belga que começara em frente as câmeras com uma ponta em um filme europeu, aos 22 anos, apareceria para os espectadores em uma sala de cinema pela última vez em 1989, ano em que completou seis décadas, quatro delas dedicadas ao cinema. E a caridade, como a ação com a UNICEF, que se estendeu nos anos 50 até sua morte, bem representa.

Audrey, que teve dois filhos e passou por três abortos traumáticos, jamais perderia a graça, a elegância e a força. O que, no final das contas, lhe garantiu o lugar não apenas como a grande atriz e ícone hollywoodiano que foi, mas como uma das mulheres mais notáveis da história. Seu trabalho foi discreto, charmoso e sutil, e todo o legado que ele deixa prova que não é preciso revolucionar, chocar, quebrar padrões, para marcar o mundo. É preciso apenas um pouco de bom senso, a dose certa de auto-consciência e a delicadeza (que não se confunda ela com fragilidade, o que Audrey nunca foi) necessária para conquistar quem interessa: o público. Audrey Hepurn era bela, sim, e de muito mais maneiras do que qualquer lista vai ser capaz de provar.


Por Caio Coletti, autor do blog O Anagrama.