31 de mai. de 2010

Nine

Nine. Estados Unidos, 2010, 112 minutos, musical. Dirigido por Rob Marshall.
Indicado a 4 Academy Awards: Melhor Atriz Coadjuvante (Penelope Cruz), Melhor Canção Original, Melhor Figurino e Melhor Direção de Arte.
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Rob Marshall está bastante empenhado em compor grandes musicais. Em 2002, o diretor nos trouxe Chicago, que é um filme que divide opiniões: há aqueles que gostam dele e aqueles que simplesmente o acham intragável. Eu reconheço defeitos no filme - como o fato de haver uma protagonista num filme musical que, curiosamente, não canta bem -, mas creio que o efeito final seja mais positivo do que negativo. Em 2005, Marshall dirigiu Memórias de Uma Gueixa, que, como o filme anterior, concorreu ao Oscar. Em 2009, mais uma vez, ele nos mostra um musical. Desta vez, ele se superou: o elenco é mesmo assustador e a obra foi toda estruturada num gigantismo que provocou anseio e temores nos cinéfilos: o que esperar da mais recente produção desse diretor?

Nine é uma releitura de 8 1/2, obra famosíssima e autobriográfica de Fellini e que, curiosamente, também concorreu ao Oscar (na 36ª edição). Marshall recria praticamente o meu conteúdo: Guido é um diretor que entra crise criativa, o que o impede de dar continuidade ao roteiro de seu filme seguinte, cuja abordagem se refere ao país natal dele mesmo, a Itália - tanto é que esse é o título de sua nova produção. Sem saber bem como lidar com a situação, ele acaba encontrando várias mulheres que ou fizeram parte de sua vida, como a esposa Luisa Contini, a amante Carla Alabnese, a sua musa Claudia, a repórter Stephanie, a figurinista Lili, a sua paixão de infância Saraghina e até mesmo sua mãe.

Devo começar dizendo que Nine é uma obra estranha. Primeiro porque o elenco de peso não significa nada, já que cada atriz apenas aparece para apresentar o seu número musical e, logo depois, desaparecer da trama. Algumas, como Marion Cotillard e Penélope Cruz retornam mais uma ou duas vezes, mas sem aparições frutíferas. Daniel Day Lewis, um ator bastante conhecido pelo seu talento, nesta obra de Marshall, é tão coadjuvante quanto qualquer outra personagem - ele significa pouco para o filme, mesmo que apareça o tempo todo. O problema disso se deve ao roteiro, que não costura bem os pontos, não permite um desenvolvimento linear de cada cena; Nine é apenas vários números musicais colocados em sequência. Talvez por ser um filme musical que fale sobre a Itália, o filme acabou usando os próprios atores como marketing: duas atrizes haviam participado de musicais antes (Nicole Kidman e Marion Cotillard em, respectivamente Moulin Rouge e Piaf) e haviam inclusive conquistado status pelos filmes em que atuaram; uma das atrizes é também cantora (Fergie); uma das atrizes é, além de lenda, verdadeiramente italiana (Sophia Loren). Vale ainda ressaltar que praticamente todos os atores - a exceção fica por conta de Fergie - já haviam sido indicados a ou tinham ganhado prêmios da Academia - o que os torna ainda mais valorizados. Assim, Nine é uma obra embasada no puro comércio de grandes nomes.

Deixando esse aspecto de lado, comentarei sobre os números musicais, os quais, devo dizer, são bem estranhos. O cenário nunca muda, é sempre o mesmo. A única cena na qual vemos alguém cantando fora daquele teatro é quando Nicole Kidman tem o seu momento cantante, mas uma única cena não muda o fato de que tudo o que vimos antes nos causa a impressão, talvez errada, de que houve falta de vontade de explorar novos modos de compor aqueles números musicais. Há nas cenas certa dose de exagero, tudo parece destoante. O exemplo mais claro a se citar talvez seja aquele momento no qual Kate Hudson canta Cinema Italiano: a música é bem pop, tem um ritmo legal, mas a cena toda se assemelha a um clipe da Britney Spears - incluindo a própria Kate Hudson! Quando Sophia Loren canta - isto é, considerando que seja ela mesmo quem está cantando -, o espectador sente sono, de tão mole (não encontrei outro adjetivo equivalente) que é aquela cantoria e de tão insignificante - além de absurda - a sua participação na história. Nicole Kidman está linda como sempre, mas igualmente desperdiçada e o mesmo se pode dizer de Judi Dench. Fergie é apenas um atrativo, Marshall nem sequer se preocupou em tentar arrancar dela um pouco mais. Ou seja, das sete atrizes de destaque, cinco representam pouquíssimo para a história. Dedico então o próximo parágrafo para falar das atrizes que sobram e, obviamente, para comentar sobre o protagonista.

Penélope Cruz tem grande destaque na trama. Interpretando a amante de Guido, a atriz mostra um bom desepenho, provando para todos que ela é decerto uma das novas queridinhas da Academia e com motivos para isso! Recebeu a terceira indicação em 4 anos e tem mostrado a nós que é talentosa em comédias, dramas, musicais. De fato, é uma atriz que crescerá muito nos próximos anos. Sua indicação foi justa? Eu diria que sim se - e somente se - houvessem também indicado Marion Cotillard. Considerando que Cotillard não recebeu nem sequer uma indicação, fica evidente que Cruz também não merecia. Isso porque a atriz francesa é o grande destaque desse musical. O filme não é bom, o roteiro é confuso, os atores são mal aproveitados, mas Cotillard é fantástica e basta aparecer em cena para que o espectador saia do transe e volte aprestar atenção. Suas cenas são lindas, seu olhar tenro e raivoso comove, sua expressão lhe valeria, no mínima, uma posição na lista das cinco indicadas a Melhor Atriz Coadjuvante. Recomendo que prestem especial atenção na cena musical na qual ela canta Take It All - decerto, a mais bela do filme. O porquê de a Academia não tê-la indicado?! Uma boa pergunta. Daniel Day-Lewis deveria ser o astro - infelizmente ele não o é. E isso não se deve à sua incapacidade, porque todos sabemos que ele é ator regular. O problema recai sobre Marshall, que definitivamente fez de seu filme uma decepção para os fãs.

Como era de se esperar, um filme musical que se passa há várias décadas tem características positivas: o figurino, a fotografia e a direção de arte. E esses elementos estão presentes na obra, mas não a auxiliam muito, uma vez que o elenco e o roteiro estão bem destoantes. Lembram-se da pergunta que fiz acima, no final do primeiro parágrafo? A resposta é: não esperem muito de Nine, porque o filme está entre o razoável e o irregular. É uma pena ver tanto nomes bons servindo como marketing para um diretor dúbio como Marshall. Se não o viram no cinema, não se desesperem. Vejam-no em casa, com alguém agradável (e que enteda de cinema), para que possam comentar sobre tudoi aquilo que cada ator já fez de bom antes de Nine.

Luís

29 de mai. de 2010

Túneis

Tunnels, 2009, 478 páginas (Editora Rocco). Aventura.
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Comecei a ler Túneis porque não tinha nenhum livro que desejava conferir; então, optei por lê-lo e agradeço ao Rene, que me emprestou o livro, que narra a história de Will Burrows, um garoto de 12 anos que se envolve em inúmeras aventuras subterrâneas a fim de encontrar artefatos interessantes. Tendo adquirido o gosto por escavações do pai, o dr. Burrows, Will, junto com seu amigo Chester, encontram um túnel no porão de sua casa, por onde ele acredita que o pai desapareceu. Decidido a encontrá-lo, os dois garotos acabam por encontrar uma sociedade que vive bem abaixo, dentro da Terra.

É mais ou menos esse o enredo do livro, que conta com bons momentos, mas que também tem momentos extremamente cansativos e longos. Até a primeira metade do livro, tive a impressão de tratar-se uma versão um pouco mais adulta da série Vaga-lume; conforme continuei lendo, concluí que a narrativa fica mais bem escrita, sendo direcionada para um final bastante descritivo e interessante. O problema é que, nos momentos iniciais, a obra parecia tão infanto-juvenil, com pretensões de ser mais do que parecia ser, que acabei dispersando muito, demorando absurdos para ler algo que eu normalmente leria em uma semana; acabei demorando um mês! O assunto abordado no livro pode ser tema de grandes teorias da conspiração, tal qual eventos nunca ocorridos, etc. Eu, particularmente, acredito haver cidades que foram construídas sob os nossos pé e que, talvez, possam ainda ser habitadas secretamente. E isso é mostrado bastante em Túneis, já que boa parte da ação acontece na Colônia, uma sociedade imensa sob a Crosta.

A descrição do lugar é certamente convincente, conseguimos imaginar com eficiência as ruas, prédios, o cenário, de uma maneira geral. O que eu acho que não é muito realista - não querendo afirmar que a obra tenha conteúdo real - é a forma como são descritos os Styx, agentes máximos da segurança da Colônia, que são sempre temidos e usam de métodos cruéis a fim de obter respostas às suas perguntas. Considerando que os Styx tem a mesma metodologia da Crosta, por que descrevê-los de maneira tão estranha, como se seus olhos fossem bolas de gude e a estrutura corporal fosse desengonçada? Mas, de qualquer maneira, isso não interfere tanto no livro. O que parece um pouco exagerado aqui é a descrição das aventuras dos protagonistas. Talvez, se eles fossem mais velhos um pouco, tudo seria mais verossímil e seria mais fácil acreditar que Will realmente passou por tudo aquilo.

O livro tem altos e baixos; o começo, na minha opinião, é quase todo cheio de bobagens, que nada acrescetam à estória. A partir do meio, no entanto, a narrativa fica bastante ágil, dando novo fôlego e captando novamente a atenção do leitor. Eu recomendo que o leiam sem expectativas e apenas se não tiver outro livro na lista de leitura. Como muitos dos livros lançados ultimamente, este faz parte de uma série e, ainda que a estória seja suficientemente finalizada ao final desse, a próxima aventura dará continuidade, narrando o passo seguinte dos aventureiros. Talvez eu leia…

Luís

27 de mai. de 2010

Julie e Julia

Julie & Julia. EUA, 2010, 122 minutos. Comédia / Drama. Dirigido por Nora Ephron.
Indicado ao Academy Award de Melhor Atriz (Meryl Streep).
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Julie e Julia, pouco depois da sua estreia, já produzia rumores de que Meryl Streep receberia mais indicação ao Oscar. E, por fim, recebeu mesmo - sua décima sexta indicação ao Oscar é o fator mais interessante desse filme. Ou seja, o melhor de Julie e Julia está fora dele! Tendo trabalhado juntas no ano anterior, Streep e Adams repetem a parceria, desta vez num filme bem suave e de tema não tão controverso quanto o denso Dúvida.

Julia Child é a esposa de Paul, que trabalha para o governo e que se muda com frequência para vários países. Ao se mudar para Paris, sua esposa decide que não quer mais trabalhar como secretária do governo, optando por favor algo diferente: cozinhar. Julie Powell é uma funcionária de um departamento governamental que está cansada da sua rotina, então decide fazer algo diferente: cozinhar. Enquanto Child se aperfeiçoa e se torna uma das cozinheiras mais conhecidas, Powell se espenha em preparar todas as receitas dos livro de Child e postá-las na internet, comentando sobre os graus de facilidade das receitas.

A história é bem simples e o paralelo criado entre as duas mulheres é mesmo interessante. Não quero dizer que a história por si só é fascinante; quero apenas dizer que esse enredo pode agradar a um espectador quando este procura por um filme sem grande densidade. Vale ressaltar que, embora as personagens estejam conectadas - mesmo que haja um lapso de 40 anos entre uma e a outra -, elas nunca se encontram, não chegam a estar lado a lado em cena, o que é realmente uma pena, pois eu esperava muito ver um momento no qual Streep e Adams, pelo menos, conversassem frente a frente. De modo bastante equilibrado, sabemos tanto de Julia Child quanto de Julie Powell - o filme não dá mais importância a uma do que à outra, de maneira que ambas sejam lead actresses.

O que eu achei realmente curioso foi a indicação de Meryl Streep. Ela está bem no filme, sua atuação é correta. Não há nada surpreendente em suas cenas a ponto de indicarem-na. E nomeá-la ao prêmio sem fazer o mesmo com Amy Adams foi estranho demais, até porque as duas estão no mesmo nível de atuação. Devo dizer que, mesmo não curtindo tom cômicos, eu ri de algumas cenas - como aquelas nas quais Julia Child ouve que jamais será uma cozinheira profissional e quando ela corta desesperadamente várias cebolas. A esse humor, todos os meus elogios vão para as expressões fantásticas de Meryl Streep! Os atores coadjuvantes, os maridos de Julia e Julie, também estão muito bem em cena. Chris Messina, mais do que Stanley Tucci, traz um humor e romance maior ao filme, não apenas porque passa a mior parte das cenas rindo, mas também porque, juntamente com Amy Adams, cria um clima bem interessante, de um companheirismo, de proximidade inabalável. Devo acrescentar que, se com os filmes Retratos de Família e Dúvida eu já tinha apreço por Amy Adams, cada vez mais eu gosto dela: parece não haver personagem com a qual ela não combine.

É difícil dizer o que achei de Julie e Julia. Reconheço neles boas características, porém creio que seja um filme mediano e esquecível. Não há muito o que se destacar nele, nada nele é maravilhoso; por outro lado, não há nada ruim também. É um dos muitos filmes que te contentam enquanto você o assiste, mas, depois de duas semanas, você não se lembra bem. Na minha opinião, é só mais um filme sem grandes atrativos.

Luís

25 de mai. de 2010

Desejo e Reparação

Atonement. Reino Unido, 2007, 120 minutos. Drama.
Ganhador do Oscar de Melhor Trilha Sonora e indicado a outras 6 categorias.
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Depois de todos me falarem que Atonement é um dos melhores filmes produzidos recentementes, eu me senti obrigado a vê-lo. A princípio, algo me dizia tratar-se de uma obra mediana, afinal estavam presente no elenco Keira Knigethly e James McAvoy. O meu problema é principalmente com ela, já que quase não percebo mudanças em suas interpretações, como se todas as personagens fossem a mesma. Em relação a ele, apenas me parece que o filme podia ser denso demais para ele... Como percebem, puro preconceito e um grande erro.

Dificilmente podemos ver um filme tão psicológico como esse. O assombro que ele causa não é pelo que ele mostra explicitamente, mas por aquilo que vemos nas entrelinhas. A densidade sentimental se embasa numa análise interior, bastante árdua, tanto para os personagens quanto para os espectadores. A principal abordagem desse filme é o arrependimento e a maneira como o tempo faz com que sejamos postos diante de nossas escolhas feitas quando jovens. Briony é uma menina de 13 anos bastante decidida. Percebe um envolvimento entre Cecilia Tallis, sua irmã mais velha, e Robbie, filho de um ex-empregado. Ela não compreende bem o que significa a relação deles, mas um dia presencia três eventos que fazem com que seu pensamento interfira drasticamente na verdade e, por causa de uma mentira, a vida desses três personagens muda completamente.

O filme basicamente se divide em três atos, que coincidem com variações na idade de Briony. No primeiro momento, vemo-la pré-púbere e contrastante: sua mente fria pouco condiz com sua pouca experiência e esse é estopim para a próxima hora e meia em que veremos as consequências de uma mentira. Particularmente achei esse momento interessantíssimo pois duas das principais cenas são vistas sob duas perspectivas - a de Briony e conforme aconteceu, sem impressões pessoais. A princípio, ainda que bem interessante, esse recurso parece sem propósito, mas logo percebemos o quão necessário ele é. Tão logo que o segundo ato começa, o roteiro se ocupa em uma análise mais psicológica, mostrando que os personagens passaram por bruscas rupturas, de forma que o momento pelo qual passam não poderia ser diferente. Essa é a parte em que Briony - interpretada por uma segunda atriz -, já com 18 anos e plenamente consciente do mal que causou, submete-se à provação, sacrificando possíveis sonhos para render-se à sua meta catártica. Cecilia e Robbie parecem fadados à separação, embora haja entre eles grande desejo de estarem um com o outro. Com delicadez, o roteiro mostra a dedicação de Briony em conseguir purificação; o desespero de Robbie, que estava louco pra voltar para os braços da amada; Cecilia, que trabalhava num hospital e que aguardava o homem que ama. O terceiro e o último ato é o mais curto e definitivamente conclusivo. Nesse ponto, o filme foca em Briony - interpretada por uma terceira atriz -, já idosa, falando a respeito do lançamento do seu livro no qual narra exatamente a história de sua vida.

Lembram-se no primeiro parágrafo quando disse que Keira Knightely e James McAvoy pareciam não combinar com o filme? Pois estava totalmente enganado. Ambos realmente bem em seus papéis e a minha grande surpresa fica por conta dela, afinal tenho para mim que Cecilia Tallis seja a melhor personagem de Keira no cinema. Já McAvoy não está tão diferente de outros personagens, como no filme O Último Rei da Escócia, mas está igualmente numa atuação positiva. Talvez ela esteja um pouco agressiva demais no começo e ele deveras fragilizado, mas logo os atores entram no clima adequado e cumprem bem a proposta apresentada. No ano retrasado talvez tenha sido o momento certo para nomeá-los pela primeira vez (eu sei que ela já recebeu uma indicação por Orgulho e Preconceito, mas nem considero aquela nomeação válida). Ainda quanto a interpretação, o grande destaque se concentra em três pares densos de olhos azuis: Saoirse Ronan, Romola Garai e Vanessa Redgrave interpretam a mesma personagens respectivamente aos 13 anos, aos 18 anos e na fase idosa. Todas participam o tempo suficiente para que olhares profundos marquem o espectador. Dentre as três, é claro que o destaque vai para a mais nova, que inclusive foi indicada ao Oscar como Melhor Atriz Coadjuvante, mas todas estão realmente muito bem.

Como se não bastasse um grande trabalho do elenco, há uma direção muito boa de Joe Wright - que nem sequer recebeu uma indicação - e uma trilha sonora que intensifica cada cena exibida. Como se criada especialmente para cada gesto, ora sutis, ora enérgicos, os toques musicais ampliam cada sensação, tornam-na maior, mais bela. Tal como uma fala do filme, Atonement é um filme sem rimas e sem embelezamento, mas ainda assim é pura beleza e poesia. Deixar de vê-lo consiste em realmente perder uma das melhores obras lançadas nessa década. Assim, não posso simplesmente fechar essa resenha sem pedir que vocês confiram essa produção de forte carga emocional.

Luís
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23 de mai. de 2010

Gota D'Água

Brasil, 1973, 170 páginas (editora Civilização Brasileira - 39ª edição). Autores: Chico Buarque e Paulo Pontes.
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O livro é resultado da adaptação de Medeia, famosa tragédia grega, para a contemporaneidade e, principalmente, para o cenário nacional. Oduvaldo Vianna Filho recriou a história para a televisão e, inspirados por isso, Chico Buarque e Paulo Pontes compuseram uma peça de teatro, que mais tarde foi transcrita para um livro, sendo que esse contém exatamente as indicações conforme a peça de teatro.

Para os que não tem conhecimento da intertextualidade, Medeia aborda a vida de uma mulher traída, que, revoltada por ter sido trocada por outra mulher, decide transformar a vida do esposo, Jasão, um inferno. Gota D'Água, sendo uma narrativa intertextual, tem como personagens Joana - aqui no lugar de Medeia - e Jasão, que vivem no Rio de Janeiro, num conjunto habitacional cujo dono é Seu Creonte, pai de Alma, que foi escolhida por Jasão como nova esposa. Joana, dilacerada, não apenas cria transtorno para Jasão, como - assim como Medeia - descobre um jeito absurdamente inesperada de vingar-se do ex-marido: matando-lhe os filhos.

Não me restam dúvidas de que todos os professores de literatura deveriam requerer que seus alunos lessem esses dois livros, principalmente quando o assunto tratado for o teatro. Ler Medeia é essencial para que depois, ao ler Gota D´Água, o aluno possa compreender o que significa a releitura na literatura. Chico Buarque e Paulo Pontes souberam como captar todos os momentos do momento histórico no qual Medeia se passa e transpô-los para a contemporaneidade: a magia mitológica já não existe; em seu lugar estão os terreros de macumba, a magia negra. Em vez de reis, há homens ricos; em vez de princesas, há as filhas dos homens ricos. De muito bem estruturado, os autores fizeram com que nós pudéssemos compreender tanto a realidade mítica de Medeia quanto a realidade concreta de Joana; as duas são a mesma mulher, vivem em épocas diferentes e, por conseguinte, passam por situações diferentes em sua concretude, mas iguais em sua essência. Quanto a Jasão, fica evidente que ele tem muito mais espaço na versão atualizada e abrasileirada. O Jasão moderno é bem brasileiro: torna a música de alcance popular, faz parte da massa. Joana, tal como ele, também é bem brasileira: vive cercada pelo calor humanos de pessoas pseudopreocupadas, se está com raiva, fica com o sangue fervendo, explode facilmente. Creonte é representação magnífica dos homens de negócio: finge preocupação e honestidade, mas rouba tanto quanto pode. De um modo bem esperto, legaliza todos os seus roubos, cobrando mais do que deve, tornando os moradores mais miseráveis.

Talvez o que torne Gota D´Água muito melhor que Medeia seja o fato de que a obra de Chico e Paulo Fontes é bastante ampla e é bastante acessível, todos podem lê-la. Embora a escrita se apresente de modo bastante popular - o que implica no uso de termos simples -, percebemos que tal característica requereu dos autores pesquisa e dedicação, afinal, o livro é bastante complexo. O livro vai além de uma simples narrativa: com eficiência, somos apresentados àquela característica mais comum das pessoas - elas estão ao nosso lado até o momento em que ela começam a perder algo por causa disso. Entre o próprio bem-estar e o conforto do amigo, as pessoas dão preferência por si mesmas - isso é mostrando de modo excelente quando todas as amigas de Joana, que antes estavam ao seu lado, falham-lhe que aceitarão o emprego que Creonte, pai da mulher com que Jasão se casará, lhes ofertou.

Para mim, o simples fato de haver o nome de Chico Buarque na capa já indica que o livro deve ser, ao menos, respeitado. Decerto há os que não gostaram dessa leitura - eu a adorei e a recomendo. Para mim, é extremamente válido ler a obra original e depois a releitura, para que se percebam duas perspectivas da mesma história. Isso talvez prove duas coisas: 1) as obras de Chico são sempre boas; 2) o adultério e as consequências dele são um tema atemporal. Tendo explicado de modo bastante sintético, fecho minha resenha com a recomendação de leitura.

Luís

21 de mai. de 2010

Melinda e Melinda


Melinda and Melinda. EUA, 2004, 104 minutos. Drama
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Como sempre, vou começar dizendo o que me levou a assistir a esse filme: uma resenha que li no Cinemótica e, anteriormente, uma lista sobre filmes que contenham obsessões, do mesmo blog. Então, afirmo com veemência que foi o Marcelo quem me fez querer conferir essa obra de Woody Allen. Devo acrescentar também que há pouco vi Vicky Cristina Barcelona, filme do mesmo diretor, que concorreu à cerimônia passada no Oscar e ganhou na categoria Melhor Atriz Coadjuvante. Todos falam tão bem de Allen, que quase me senti obrigado a ver outro filme dele. Então, comecei por esse.

Em Nova York, dois autores de teatro discutem se a existência humana é trágica ou cômica. O episódio de Melinda, uma jovem que interrompe um jantar mundano, dá origem a que eles desenvolvam duas histórias paralelas, que evoluem de forma distinta o gênero defendido. A comédia romântica e o drama, onde se explora a fragilidade do amor, a infidelidade, o romance, a erosão dos sentimentos e a incapacidade de comunicar. (fonte - cineplayers)

Posso afirmar com absoluta certeza que eu gostei muito desse filme. Achei-o bonito, criativo e, sobretudo, cativante. O roteiro consegue nos apresentar duas pessoas, como o próprio título sugere: Melinda e Melinda. Uma está inserida num universo colorido, com cores vibrantes, cheio de sorrisos e abraços, beijos e amores; a outra vive o cinzento e o azulado, se limita às tragédias, sua principal esperança é aguardar o próximo evento negativo. Achei simples e ao mesmo tempo muito eficiente a maneira como o roteiro nos apresenta a história. Não vemos e revemos a mesma situação, sob duas perspectivas; vemos um desenvolver linear no qual as narrativas são mostradas completando uma a outra, embora os eventos que ocorrem sejam bem diferentes. É como se assistíssemos a um filme como todos os outros, que narram uma única história. O ponto positivo é fazer com que percebamos a alternância das histórias sem que isso soe fragmentado. Devido à direção de Woody Allen, que faz com que não nos sintamos estúpidos, o filme tem um resultado muito positivo.

Ainda sobre o roteiro, achei interessante as circunstâncias que envolvem os personagens. A parte do drama é bem concisa e abrangente, pois o roteiro não se ocupa em transformar a vida de Melinda numa absoluta desgraça. Pouco a pouco, vamos conhecendo o temperamento dela, a maneira como ela interage com as pessoas e as reações que ela causa, como por exemplo quando a melhor amiga dela diz que não quer se tornar uma "amiga problemática que precisa ser introduzida a fotógrafos", numa clara alusão ao fato de que ela não deseja ser como Melinda. Também vemos que a sua vida é dramática não pelo fato de ser um poço de desgosto, mas sim por haver altos e baixos, sendo que os momentos de declínio acontecem e desestabilizam a personagem. Curiosamente, eu gostei mais do tom cômico da vida. O "cômico" não é risível; ele é leve, sutil, com bastante cor e animação. Não pensem que vão ficar rindo porque tudo é engraçado. É bonita a maneira como os personagens se envolvem, como eles se encontram e como a narrativa segue a partir do casual acontecimento que os colocou juntos pela primeira vez. O filme, ainda que foque bastante Melinda, não a faz sua única personagem principal. Todos os outros personagens tem significância e todos juntos moldam as perspectivas pelas quais enxergamos a vida.

Em sua resenha, o Marcelo do Cinemótica disse que Radha Mitchell infelizmente não é tão perceptiva quanto a sua personagem. Eu particularmente discordo. Não conheço o trabalho da atriz em vários filmes; vi uns três, sendo que em um deles ela é coadjuvante. Gostei de sua participação em Melinda e Melinda. Achei que ela foi muito feliz na composição de sua personagem e soube como diferenciar bem as duas vidas que leva. Fica evidente no seu olhar quem é a Melinda-problemática e a Melinda-feliz. Surpreentendentemente, gostei de todos os atores, com destaque especial à maravilhosa Chloë Sevigny, que quase sempre se mostra eficiente nos filmes em que atua. Sua presença é marcante e tenho certeza de que ela, juntamente com a personagem-título, é a que mais nos impressiona. Até mesmo o escrotíssimo Will Ferrel está bem nessa obra; nem a presença de Steve Carell me incomodou. Amanda Peet, atriz que acho meio duvidosa, se situa bem no filme e até acrescenta algum humor a ele. Acredito que o elenco produz um resultado tão bom por causa da eficiente direção de Woody Allen, pois, por si só, apenas duas atrizes se destacariam.

Devo ainda comentar sobre a diferenciação feita entre os dois segmentos dessa produção. A maquiagem é indispensável e certeira para que possamos saber qual situação Melinda vive. O cabelo encaracolado, o lápis borrado no olho, as roupas de tom escuro, fazem com que nós saibamos imediatamente o que estamos vendo. Em contrapartida, nas cenas cômicas, há o cabelo liso, um rosto bem iluminado, roupas claras e de cores vívidas. Como se isso já não fosse o suficiente, há aquilo que comentei anteriormente: as lentes de cores diferentes afirmam ainda mais o momento que vive a personagem.

Devo recomendar totalmente Melinda e Melinda, pois é um filme gostoso de assistir. Entretém, é divertido, nos convida a refletir de maneira suave e a aproxima o espectador tanto dos eventos dramáticas quanto daqueles cheios de alegria. Se eu já havia gostado de Vicky Cristina Barcelona, gostei ainda mais de Melinda e Melinda. Minha opinião quanto a Woody Allen ainda é a mesma, no entanto: seu gênero de filme ainda não é o meu favorito.

Luís
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19 de mai. de 2010

Veronika Decide Morrer

Veronika Decide Morrer, 1998, 215 páginas. Drama.

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Esse é um momento daqueles em que nós somos obrigados a dar o braço a torcer. Com o lançamento do filme baseado nesse livro, estrelando Sarah Michelle Gellar (sim, o filme é internacional!), eu me senti obrigado a lê-lo antes a fim de, posteriormente, comparar as duas obras, a original e a adaptada. Eu nunca fui fã de Paulo Coelho, não acho que ele realmente mereça todo o crédito que dão a ele e acredito que, considerando todos os bons escritores da atualidade, chamá-lo de mago é uma blasfêmia. Nessa crítica, portanto, não esperem elogios ao autor.

O livro conta a história de Veronika, uma jovem eslovena, que não aceita a idéia de viver uma vida sem sentido, decidindo se matar com uma overdose de calmantes. O suicídio fracassa e Veronika é internada em um asilo para loucos. Atendida pelo médico, é informada que não terá mais que sete dias de vida, e provavelmente, morrerá internada. A partir de então, a jovem passa seus dias a esperar morte, mas como isso é demasiadamente doentio, ela busca conforto fazendo aquilo que ela sempre quis, mas nunca teve coragem de fazer; aos poucos, percebe que tem sentido vontade de viver.

Admito que gostei bastante do livro. A história é interessante proque é extremamente capaz de fazer o leitor entrar no mundo da personagem principal e conhecer com ela todos os medos e sensações que ela passa a experimentar enclausurada no hospício. A construção dos personagens também é muito boa, porque, ainda que sejamos apresentados à Veronika como personagem principal, a história de outros internos também é narrada, nos mostrando os problemas que eles tinham antes de chegar a Villete. O desenvolvimento da trama é necessária paralelamente à maneira como conhecemos os coadjuvantes porque ao longo do enredo nós entendemos o que leva cada pessoa a se influenciar pelo desejo repentino de viver que surgiu em Verônika; assim, tendo consciência do passado deles, o leitor acaba se entretendo bastante com os porquês de cada um. Também gostei da maneira como os “loucos” são tratados: alguns nem sequer são loucos, mas preferem chamar-se assim e ficar seguros no asilo a enfrentar o mundo devorador que existe lá fora e que não lhes é capaz de dar uma nova oportunidade. Logo, o que mais tem num asilo para loucos são pessoas racionais!

Existe uns momentos realmente maçantes no livro e que eu considerei completamente desnecessários, que são as descrições que Paulo Coelho faz sobre viagens espirituais. Não somente não mostram nada como ainda tiram a linha racional que o livro tem; por um instante, eu pensei em fechar o livro, imaginando que haveria mais de um capítulo contendo aquela lengalenga. Ainda bem que eu sou persistente. Constrastando a esse momento, há muitas mensagens durante todo o livro, que nos fazem pensar um pouco a respeito das nossas expectativas quanto à vida. São bastante eficientes e escolhidas com palavras bem cuidadas a fim de que o leitor veja a imensidão que significam no contexto do livro. Destaco dois momentos: aquele em que o Dr. Igor, médico que está elaborando uma tese sobre a Amargura, conta a fábula do reino em que todos ficaram loucos e uma das passagens finais, quando em poucas linhas, percebemos o quão preciosa a vida se tornou para alguém que vive sempre o último dia - como um milagre.

Ainda não tive oportunidade de ver o filme, no qual Sarah Michelle Gellar interpreta Veronika. Muitos falam bem, alguns não gostaram. A maioria achou satisfatório, mas, sem tê-lo visto, não posso dizer nada. Em breve vou conferir essa obra e, por conseguinte, ela será publicada aqui.

Voltando ao livro, eu recomendo que o leiam. Não que eu tenha virado fã do Paulo Coelho, mas descobri que o ler não é tão ruim quanto eu pensava, ainda que haja dois momentos patéticos no livro - um que eu já citei e outro no qual o autor relata pequenos trechos de sua vida chamando-se pela terceira pessoa, como se não fosse ele quem escrevesse o livro. De uma forma geral, é bastante válido e funciona se a intenção era nos fazer pensar. Não acho que seja um livro do qual o leitor se lembrará depois de um ano que o leu, mas ainda assim… pensemos no presente e vivamos como se fosse o último dia. É isso!

Luís

17 de mai. de 2010

O Crime do Padre Amaro

El Crimen del Padre Amaro. México, 2002, 118 minutos. Drama.
Indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
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O título por si só já faz com que o espectador saiba que essa é uma adaptação do romance escrito pelo português Eça de Queiroz em 1875. Trata do romance entre Amaro e a jovem Amélia, que surge num ambiente em que o próprio papel da religião é alvo de grandes discussões e a moralidade de cada um é posta à prova. Enquanto a trágica história de amor se desenvolve, personagens secundários travam instigantes debates sobre o papel da fé.

Gael Garcia Bernal é um ator do qual eu gosto bastante; não entendi, porém, sua participação nesse filme. Intérprete de Amaro, Gael pouco faz senão servir de cenário, uma vez que há pouquíssimo desenvolvimento do seu personagem e, quando esse desenvolvimento acontece, surge de maneira incorreta e distante da forma como Eça o caracterizou. Gael é um ator maturo, mas que pouco acrescenta; sua participação é importante, porém bastante limitada, mas dado o roteiro, creio que fez tudo o que pôde. Ana Claudia Talancón tem olhos expressivos - e isso é tudo. Sua participação se resume a lançar olhares sedutores e culpados ao padre; pelo menos, o diretor soube usar o que a atriz tem de melhor! Sancho Gracia, que faz o padre Benito, não tem nenhuma característica marcante e a única função do personagem é mostrar o quanto a Igreja é corruptível.

A direção, na minha opinião é fraca, já que o diretor não consegue arrancar a carga dramática que os atores podiam oferecer. A história do livro é densa, profunda; poderia ter sido transformada num grande filme. O roteiro fez aquilo de que não gosto: atualizou o enredo. Se o original se passa no século XIX, o roteiro traz uma história narrada nesse século, com direito a telefones, TV em cores, clínicas de aborto, etc. Particularmente achei que o assunto não flui, os argumentos do roteiro são escassos e o que presenciamos é uma longa sequência de repetições, que quase não entretém o espectador. Após uma hora de filme, com a consumação do romance entre Amaro e Amélia, o roteiro parece respirar novamente e o espectador sai do transe em que estava. Poucos minutos depois, o entretenimento some mais uma vez e volta o sono, porque o roteiro desanda e tudo fica meio chatinho.

Esse não é um filme que entretém, não é uma boa adaptação e é uma pena ver um ator tão bom sendo desperdiçado. Eu não recomendo esse filme às pessoas, pois duvido que elas se entreteriam enquanto assistia a algo assim. O padre Amaro do filme parece mais que foi escrito por algum escritor romântico do que por um escritor realista: o personagem é totalmente sentimental e isso tira o impacto do "crime" dele. Acabamos compreendendo que o que ele faz é tanto por amor à Amélia quanto por amor à religião. Um erro descabido, pois deveriam conhecê-lo como um homem calculista, que age com premeditação. Enfim, os que quiserem vê-lo, vejam-no...

Luís

15 de mai. de 2010

Cem Anos de Solidão

Cien Años de Soledad, 1967. 394 páginas (Editora Record). Drama.

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Já tinha ouvido falar desse livro, mas nunca me interessei em lê-lo. Considerada uma das mais importantes obras da literatura latino-espânica, Cem Anos de Solidão é um dos livros mais lidos e mais traduzidos. Cerca de 30 milhões de cópias foram vendidas e a tradução já foi feita em 35 línguas. Eu, por muitos anos, dei as costas a esse magnífico livro, tendo-o lido apenas recentemente. Se por um lado demorei a conhecê-lo, por outro acredito que o li no momento certo, absorvendo-o tanto quanto possível e depreendendo o seu conteúdo de maneira correta.

Cem Anos de Solidão narra a longa história da família Buendía, traçando uma linha cronológica que perdura sete gerações. Tem início com a criação de Macondo, uma pequena aldeia afastada de todos os lugares, quase infiltrada no pântano, onde vão morar José Arcadio Buendía e Ursula Iguarán, que são primos entre si. Assim, ocorre a fundação da aldeia que viria a se tornar uma vila, posteriormente uma cidade, até ser reconhecida internacionalmente; tal como a evolução do lugar, há a passagem das gerações, sendo substituídas aos poucos, sempre com novas idealizações.

Logo nas primeiras páginas, já começamos a perceber o caráter épico do livro pela maneira sutil como o autor usa o futuro do pretérito, costurando o meio do livro ao começo, fazendo alusões às partes que ainda virão; isso deixa o leitor curioso, esperando ansiosamente por saber que caminho toma o personagem até chegar à citação que o autor faz. O apego à essa ferramenta literária impressiona o leitor, que traça dois planos diferentes: o presente e o futuro. Paralelamente, porém ainda no começo, ocorre um flashback contando o que levou o casal de primos a ir para aquele lugar desolado e como surgiu a fundação de Macondo. É extremamente importante compreender que o livro é dotado de um realismo fantástico denso e que por causa disso muitas passagens podem parecer completamente irreais - como às vezes relamente são. Mas o caráter inventivo dado a determinados momentos da obra acrescentam um valor ainda mais intenso a tudo que ela mostra, desenvolvendo diversos temas, como o amor, a religião, as crenças e costumes, etc.

Acredito que o ponto que mais me fascinou no livro é a escolha dos personagens: a família toda é protagonista do enredo. Conforme os anos passam e novos membros se somam à família já consolidada, esses se tornam também principais, tendo a sua história contada e participando dos eventos que acontecem. O título já faz alusão à vida de todos, pois em algum momento, eles acabam tomados pela solidão, que perdura tristemente e o alaga até a morte. Gabriel Garcia Márquez aborda com uma eficácia extrema a solidão em seu livro e consegue mostrá-la de diversas maneiras, conforme o personagem que a sente. Uma das características de maior impacto é a forma como isso aos poucos transforma um personagem rancoroso em bondoso, a maneira paulatina como eles se entregam intensamente a tal sentimento a fim de se redimir de tudo o que fizeram quando mais novos. Isso fica muito visível com duas personagens, que são Fernanda, que se humanizou na solidão, e Amaranta, que usou uma atadura negra na mão até o dia de sua morte para punir-se com as lembranças do passado. Aqui quero comentar quão fortes são as mulheres desse romance: elas são dotadas de carinho e servidão; não se submetem, porém, aos seus maridos, mas servem aos seus próprios caprichos e vontades, tornando os seus desejos reais. Parelalamente, são capazes de aguentar os desaforos da vida, como um casamento fadado à destruição, já que se supõe que seja blasfemo, ou aguentam as peripécias de uma marido adúltero; ou ainda a ira de uma família que se nega a compreender que o amor é insensato às vezes. Eu realmente sugiro que absorvam o máximo possível das ações de Amaranta e da muito coadjuvante Petra Cortes, amante de Aureliano Segundo; perceberão nas entrelinhas atitudes extremamente desesperadas, ainda que sejam extremamente cabais quanto ao amor.

O que pode confundir o leitor é a intrincada árvore genealógica, que, como bem demonstrado por Úrsula, tende a se repetir conforme surgem novas gerações. Assim, o livro é um emaranhado de José Arcadios, Arcadios, Aurelianos, Úrsulas, Amarantas, Remédios, etc. Os nomes vão tornando a surgir, dando a impressão de um ciclo, uma revolução de pessoas exatamente iguais entre si que se relacionam com outras também iguais entre elas. O leitor menos atento pode se perder na trama, não compreendendo exatamente quem é quem; é claro que o fato de os personagens pertencerem a gerações diferentes auxilia na condução da linha narrativa, mas, eu admito, que às vezes é difícil se lembrar deles com eficiência. Eu mesmo tive que recorrer a uma imagem da árvore genealógica na internet para me lembrar do que aconteceu a um determinado personagem, que eu tive a impressão de simplesmente sumir no meio da história.

Esse é um livro que todos amantes da literatura devem ler, nem que seja o último livro que venham a ler! Mas eu realmente sugiro que o façam no momento certo, quando estiverem completamente abertos às diversas - e criativas - possibilidades de enredo. É um livro de proporções grandes, seja no peso do que é mostrado quanto em algumas características por si próprias. Se começarem a lê-lo e não se interessarem por ele até o fim do primeiro capítulo, fechem-no e tentem de novo um mês mais tarde. Insistam caso o desinteresse persistir; num determinado momento, o livro há de te entreter: será esse o momento certo para lê-lo. Mesmo que o marasmo perdure por muito tempo, não desista e sempre inicie a leitura outra vez, porque realmente vale a pena!

Luís

13 de mai. de 2010

Jogos Mortais

Saw. EUA, 2004, 102 minutos. Terror.
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Jogos Mortais, desde que surgiu, tem se tornado uma das franquias mais lucrativas. A legião de fãs que tem conquistado é tão grande que se percebe o esforço dos produtores para que a cada ano um novo filme seja lançado e renda muito em bilheteria. Segundo os produtores, tudo terminararia no sexto filme, mas já percebemos que não será bem assim, afinal, a quinta continuação já foi lançada e uma sexta está em pré-produção. Acredito que se tornará uma franquia do tipo Sexta-feira 13, em que começam a surgir sequências absurdas que nem sequer podem ser chamadas de "sequências".

Acho que o que há de mais interessante no filme é a relatividade que ele apresenta: apesar de as pessoas serem submetidas a jogos sádicos que envolvem sua vida, o principal objetivo é se tornarem mais fortes e aprenderem o real valor da vida. Isso, no entanto, vai sumindo conforme passa o filme, pois as pessoas sempre querem achar uma segunda opção além da qual já foi dada pelo assassino e, por causa disso, acabam morrendo. O ambiente claustrofóbico que esse filme impõe aos personagens é outro ponto positivo no começo do filme, somos apresentados a dois personagens presos dentro de um banheiro; cada um recebe a intrução para matar o outro. Enquanto isso, outros personagens são intruduzidos à estória e vemos que realmente não há escapatória!

No começo, parece haver várias tramas paralelas, mas aos poucos elas vão se encaixando e nós percebemos que Jigsaw, o responsável pelos jogos mortais, não falha ao criar os seus esquemas. Quanto a esse primeiro, embora saibamos pelo final que haverá um próximo, temos a impressão de que todas as peças do quebra-cabeça estão montadas e não há nada a acrescentar, mas esse pensamento se mostra errado quando assistimos os próximos filmes da série e percebemos que há sempre mais um pouco para ser acrescentado e compreendido. O que eu achei muito exagerado são as armadilhas feita pelo assassino, que chegam a ser absurdas de tão complexas. Chego a pensar que ele não poderia matar tanta gente como mata, uma vez que o processo para criação das armadilhas demoraria muito mais tempo do que as pessoas levam para morrer. No filme, dá a impressão que a todo instante, há alguém morrendo, mas a linha cronólogica permite que haja um certo espaço de tempo entre uma morte e outra. No entanto, mais para a frente, perceberemos que o espaço não é mesmo tão grande e que o cara é uma máquina de matar tal como o Jason se tornou.

[SPOILER] Acho que o que há de mais marcante no filme não são as engenhocas mortíferas que Jigsaw cria, mas sim a surpresa do espectador ao perceber que o assassino estava o tempo todo diante dos nossos olhos e dos olhos dos personagens, embora não tenhamos consciência disso. O ápice do filme acontece quando o indíviduo até então morto se levanta, revelando que caso tivesse seguido as ordens dadas, um deles ficaria vivo pelo menos. [SPOILER]

Eu acredito que essa seja uma das pocuas série que fica mais interessante conforme se prolonga - não acho, porém, que isso vai durar e em algum momento será lançado alguma bomba que ferrará com a série toda. Não acho que esse seja o melhor da série e eu gosto de Jigsaw nesse filme, afinal, eu o considero um personagem interessante. Nos outros filmes, contudo, a atuação de Tobin Bell me irritou profundamente e eu torcia exageradamente para que esse vilão escroto se ferrasse - o que, para a minha felicidade, acabou acontecendo. Vejam-no, provável que gostem...

Luís
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11 de mai. de 2010

Central do Brasil

Brasil / França, 1998, 113 minutos. Drama.
Indicado a 2 Academy Awards: Melhor Atriz (Fernanda Montenegro) e Melhor Filme Estrangeiro.
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Sinto-me envergonhado por dizer isso, mas, desde que o filme foi lançando - há 12 anos, só agora eu o vi. Devido a análise que a equipe do Um Oscar por Mês vai fazer da cerimônia de 1999, o filme entrou para a minha lista das obras que eu deveria conferir. E devo dizer que não acho que tardei para vê-lo. Eu assisti no momento certo, pois creio que antes não poderia enxergar a beleza e ousadia que esse filme tem, tampouco seria capaz de compreender a intensidade do que é mostrado.

Afirmo que decerto nenhum filme tão denso foi produzido pelo Brasil desde o lançamento deste. Fernanda Montenegro interpreta Dora, uma mulher que escreve cartas na Estação Central do Brasil. Lá ela conhece Ana e seu filho Josué, que deseja conhecer o pai. Por infortúnio, Ana é atropelada e morre, deixando Josué sozinho numa cidade desconhecida. A princípio contra, logo Dora decide levá-lo pra casa tendo em mente segundas intenções. Ao perceber o erro de uma atitude que toma em relação ao garoto, Dora decide ajudá-lo a chegar até Pernambuco, onde o pai dele supostamente mora. Sem entender em quase nenhum momento da viagem, aos poucos os dois começam a perceber que têm coisas em comum e que precisam um do outro.

O meu primeiro grande elogio vai à interpretação profunda e íntima de Fernanda Montenegro. Ainda que muito não seja dito sobre sua personagem, somente pelos olhares e pelos gestos dela, podemos traçar um perfil bastante denso de Isadora. Para perceber o quanto ela entrou na personagem, basta ver os extras do DVD, quando ela dá uma entrevista. Se não fosse pelo rosto, pensaríamos que Dora e Fernanda não são as mesmas pessoas físicas. Eu realmente me senti tocado pela sua atuação, todas as suas ações são vigorosas e tudo nela se encaixa perfeitamente no filme. Até mesmo quando ela diz "eu tô fudida" soa lindo! A Academia não fez mais do que reconhecer a sua capacidade excelente de atuação ao indicá-la como Melhor Atriz. É claro que foi uma imensa bobagem tirar-lhe o prêmio das mãos para entregar à Gwyneth Paltrow, mas acredito que foi uma grande conquista não só para a atriz, como também para o cinema nacional. Acima de tudo, podemos ver que Fernanda concebe uma atuação passional e que está completamente entregue à direção eficiente de Walter Salles e à sua própria personagem, além de criar uma excelente interação com qualquer outro ator em cena. Vinicius de Oliveira - em seu primeiro papel - também se mostra eficiente e sua participação tem o tom certo. Destaque para o garoto nas cenas mais sutis e dóceis, nas quais o seu desempenho propõe um contraponto com aquilo pelo que passa Dora. A somar, há a presença de Marília Pera, que rende momentos engraçadinhos, como quando antecipadamente chama o "comparsa" de Dora pra entrar e depois quando manda o dinheiro para "Bom Jesus da Lapa".

O roteiro do filme é bastante delicado, nos colocando a par não somente da relação tempestuosa entre Dora e Josué, como também falando a respeito de transformações psicológicas dos personagens. A frieza de Dora passa por um processo doloroso de irritação e desesperança até perceber que há muito mais na vida do que apenas dinheiro. Os traços grosseiros dela refletem-se no menino, que a trata com o mesmo repúdio e juntos eles tentam conviver e, sobretudo, se compreender.Duas das passagens mais bonitas do filme são quando o garoto consegue juntar muitas pessoas para que ela escreva cartas - e posteriormente ela percebe o quão importante aquilo era para aquelas pessoas - e quando Dora diz que ele é um bom menino quando pensa que esttá falando diretamente com o pai de Josué. A somar, o sertão pode ser tomado como uma metáfora à situação deles. Basta percebermos que durante todo o processo de conhecimento - quando correm as discussões e agressões -, todo o cenário é vazio, sem muito o que mostrar. Tão logo que os dois se dão realmente bem - na cena em que está no pôster do filme - eles ficam cercados por muitas pessoas, numa oposição clara ao vazio de antes. Tal como Fernanda diz nos extras, "a câmera de Walter Salles é inteligente, está sempre no lugar certo" - ela tem razão. A eficiência dele como diretor soube como captar perfeitamente as expressões situações, emoções e passá-los ao espectador.

Honestamente, não entendo quem não gosta desse filme. Não somente é a melhor obra nacional até hoje como hoje como também serviu para mostrar aos outros países que o Brasil também produz bons filmes! Fernanda Montenegro está irrepreensível e nada justifica o fato de ela ter perdido aquele Oscar. Não quero ser ufano em relação ao Brasil, mas ao considerar as interpretações das atrizes com quem Fernanda concorreu, nenhuma pessoa sensata entregaria o Oscar para outra além dela! Certamente uma obra recomendável, que deve ser vista, principalmente por aqueles que gostam do cinema nacional!

Luís
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9 de mai. de 2010

Amor Sem Escalas

Up in the Air. EUA, 2010, 109 minutos. Comédia romântica.
Indicado a 6 categorias do Academy Awards.
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Obviamente só fui vê-lo no cinema por causa da febre da Oscar. Indicado a seis categorias, o filme é um dos casos incomuns da cerimônia mais importante do cinema: não é o drama típico que a Academia gostar de indicar ou mesmo premiar. No entanto, os velhinhos votantes se renderam ao charme do filme e indicaram-no em várias categorias - incluindo Melhor Filme. Honestamente, concordo plenamente com as indicações.

George Clooney combina perfeitamente com o seu personagem, Ryan Bingham. Até diria que não posso imaginar outro ator em seu lugar. O humor e o requinte do personagem exigiam o tom maduro e etéreo de Clooney, que está muito bem na obra, sempre se mostrando eficiente nas propostas do roteiro quanto ao seu personagem: primeiro, fanfarrão e desapegado, bastante esquivo de relacionamentos sociais (quaisquer que sejam); depois, bastante compreensivo e em busca de algo mais sério em sua vida. Tanto antes quanto depois, o ator concebe um atuação extremamente carismática e divertida. Talvez o que fortaleça a sua interpretação é o roteiro, bastante inteligente na construção da trama, que apresenta bem não somente situações, mas também os personagens. Ainda que seja uma comédia romântica e tenha os elementos típicos dela, Amor Sem Escalas não sofre do mal do clichê: as piadas são inteligentes, o envolvimento dos personagens não é pedante, o roteiro prima pela subjetividade, apontando transformações graduais, mostrando evolução linear e calma, de modo que o espectador acompanhe cada momento dos personagens. Simples e eficiente, o roteiro aproxima o espectador de todos os personagens - e honestamente acho que é isso o que faz com que sintamos que todos os atores estejam realmente muito bem em cena.

Como disse, todos parecem bem em cena. E acho mesmo que estejam. A Academia chegou ao ponto de indicar os três atores de destaque - Gegorge Clooney, Anna Kendrik e Vera Farmiga - nas duas categorias correspondentes da premiação: Melhor Ator e Melhor Atriz Coadjuvante. As duas completam a simpatia que o filme pede. Em bons momentos, tanto Kendrik como Farmiga mostram atuações sóbrias e bastante sinceras. Não me restam dúvidas de que o roteiro favorece bem mais Vera Farmiga, já que é a sua personagem traz mais surpresa e consegue atingir um patamar maior que o de sua parceira de elenco Kendrik, mesmo que essa apareça em cena muito mais tempo do que aquela. Kendrik compõe bem sua personagem, mas o roteiro é um pouquinho infeliz na construção desta, já que ela é um pouco estereotipada e, às vezes, contraditória. Por causa disso, Kendrik é obrigada a ter uma atuação mais "comum", mas em nenhum momento chega a ser comum mesmo, pois a atriz se mostra plenamente capaz. Logo, concordo com a Academia a respeito da indicação das duas atrizes, que decididamente parecem ter sido feitas para filmes desse gênero. A grande surpresa fica por conta de Kendrik, na minha opinião, afinal ela não tem muitos filmes no currículos e dentre os que já fez, estão as obras da saga Crepúsculo - Crepúsculo, Lua Nova e Eclipse. Difícil imaginar que alguém vindo desses filmes possa conceber uma atuação decente, né?

Roteiro e atuações não são o único ponto certo do filme. Há também a direção de Jason Reitman, que antes havia nos trazido Juno, outra comédia romântica. O melhor aspecto da direção dele é a pureza que traz ao seus personagens: eles parecem tão sinceros e honestos, que eu nem sequer os vi como "personagens". Sabendo conduzir os seus atores, Jason se arrisca a mostrar uma realidade pura, sem muitos enfeites - tanto coisas boas como ruins acontecem. A somar, há uma belíssima trilha sonora, que faz com o que o filme se amplie e além de ser interessante de se ver, é também interessante de se ouvir. Considerando os vários prós e os poucos contras, acredito que Amor Sem Escalas seja um filme totalmente recomendável, principalmente para curtir na companhia de alguém legal - e nem estou falando exclusivamente de uma companhia do sexo oposto. Se querem saber, acho que o grande problema de Amor Sem Escalas é o título: péssimo, como usualmente os "tradutores" conseguem criar. Mas o filme não tem nada a ver com o título que recebeu por aqui. Ignorem o nome da obra e curtam-na com prazer.

Luís
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7 de mai. de 2010

Crepúsculo dos Deuses

Sunset Boulevard. EUA, 1951, 110 minutos. Drama.
Vencedor de 3 Oscar e indicado a outras 8 categorias.
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Everybody comes to Hollywood [...]
How could it hurt you when it looks so good?

Ao pensar no que escreveria sobre esse filme, rapidamente eu o relacionei à música Hollywood, de Madonna. Antes de me acusarem de qualquer coisa - blasfêmia, por exemplo -, quero explicar a comparação: ambos os produtos exibem as faces da indústria do cinema. Na canção, o bairro é mostrado como fonte de beleza, atrativo para celebridades e pessoas ricas, paraíso urbano; por outro lado, o local é alienador e repetitivo, cheio de implicações e defeitos. O filme, por sua vez, usando imagens, confirma o que é dito na música: apesar de parecer bom, você definitivamente pode se machucar.

Norma Desmond é a pura representação de que Hollywood tem seus altos e baixos. Um dia, ainda jovem, fora uma grande estrela dos filmes mudos e, segundo ela, aquela era a época áurea, afinal, um rosto expressivo significava tudo para uma atriz, diferentemente da época em que vive agora, na qual, também segundo ela, as atuações não passam de muitos diálogos. Um dia, quando John Gillis, um roteirista fracassado, invade a sua casa pensando estar abandonada, Norma contrata-o para trabalhar na história que ela escreveu sobre Salomé e pretende que o filme provindo desse roteiro a traga de volta para o clamor do público, que nunca a abandonou - embora isso não seja exatamente uma verdade. Pouco depois, John descobre-se preso à mansão de Norma e à vida fracassada e isolada que ela leva; ela, por sua vez, se encontra mais e mais dentro da perspectiva de que retornará ao mundo que um dia a acolheu carinhosamente.

Já passaram pela experiência de assistir a um filme e não saber o que dizer, mesmo depois de ele ter acabado? Pois é exatamente assim que me senti ao vê-lo. O mesmo ocorreu quando eu assisti A Malvada, filme que, curiosamente, concorreu com Sunset Boulevard na cerimônia do Oscar de 1951. Vale ainda ressaltar que ambos retratam a vida de estrelas do cinema em seus momentos de queda. Filmado em preto e branco, o filme nos apresenta uma excelente fotografia: com extrema eficiência, nós somos apresentados aos problemas pelos quais passam a personagem principal e também pelo absurdo mundo que a rodeia. O roteiro do filme compreende um universo desastroso: Norma é um fracasso como pessoa e vive das memórias do seu sublime passado; sem ninguém além do seu mordomo, ela tenta insistentemente incluir John na vida que ela quer que ele leve - colocando-a num pedestal. John, por sua vez, pisou em falso e acabou em território inimigo; pouco depois, parcialmente corrompido pela acessibilidade financeira que Norma lhe proporcionava, tomou-a como amante, permanecendo trancados naquela prisão luxuosa. Há ainda um personagem fundamental, já que acrescenta mais um pouco de pavor à já apavorante história: Max, o mordomo. Sua finalidade básica é atender todos os desejos de Norma, fazendo-a ficar confortável, fazendo-a continuar ignorante da bruta realidade. Para isso, por amor a ela, ele se submete a situações bastantes desconfortáveis e constrangedoras.

Crepúsculo dos Deuses não é um filme apenas, não podemos considerá-lo apenas uma obra cinematográfica. Crepúsculo dos Deuses é uma lição de cinema. Tal como A Malvada, assistir a essa obra é presenciar uma série de qualidades e pouquíssimos defeitos. As atuações são marcantes e memoráveis; embora todos estejam bem, o destaque vai para a esquisita Norma, maravilhosamente composta por Gloria Swanson. Todos os seus trejeitos e as suas expressões, associados ao seu tom de voz, causam no espectador um profundo estranhamento e esse é exatamente a sua maior conquista. Ela se torna um excelente objeto de estudo, afinal seu psicológico é destrutivo, não apenas porque vive do passado e de falsas expectativas, mas também porque ela condena todos aos seu redor a passar por experiências igualmente problemáticas quanto aquelas por quais ela passa. Maravilhosa a cena na qual Max faz uma revelação a John sobre um pequeno detalhe do passado de Norma (a respeito do primeiro diretor e marido dela). Num determinado momento, John chama uma colega para mostrar-lhe onde mora e dar a elas motivos pelos quais eles não podem ficar juntos. Nesse momento, percebemos que aquilo tudo que o cerca representa não apenas uma moradia, como também um estilo de vida imposto que, aos poucos, substituiu os seus conceitos de moralidade.

Há algo no ar em Hollywood; tentei sair, mas nunca pude. Norma Desmond se assemelha ao eu-lírico dessa canção de Madonna. Hollywood vicia e, mesmo ruim, seduz as pessoas, tornando-as escravas do glamour, mesmo que esse seja forjado. Sunset Boulevard é um filme sobre a decadência, sobre a destuição moral, sobre a loucura. O próprio título, também magnífico, faz uma ótima referência à situação dos personagens: antes a pino, agora eles se encontram na linha do horizonte, prestes a sumir, tal como o pôr-do-sol. Crepúsculo dos Deuses é um filme fantástico, de grande destaque cinematográfico. Isso se deve a um básico motivo: é um verdadeiro clássico!

Luís

5 de mai. de 2010

Brüno

Brüno. EUA, 2009, 80 minutos. Comédia.
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Provavelmente vocês não sabem que eu desaprovo totalmente o tipo de comédia feito por esse ator (??). Sacha Baron Cohen é, na minha opinião, o tipo de artista dispensável, já que suas criações são frutos de repetições e de cópias que ele faz de si mesmo. Como se não bastasse, tudo o que cria provém de um humor totalmente sem graça e às vezes ofensivo - tanto por causa do que diz em suas piadas como pelo fato de tratar o espectador com ignorante, crendo que o está entretendo com as bobagens que faz.

Aí você me pergunta: por que diabos você foi ver esse filme se você detesta o sujeito? E eu digo: exatamente por isso. Não resisti à curiosidade de ver esse filme, principalmente depois que um professor - que eu considero bastante culto - disse que foi ao cinema conferi-lo. Diante disso, não pude parar de pensar o que o levou a ir ver um filme que só pode ser uma bomba. Assim, resvoli gastar dolorosamente dois reais e ver essa pequena bostinha. Honestamente, não achei tão ruim quanto imaginei que seria, mas ainda assim o filme é bem ridículo, quase sem humor, extremamente pedante. Compreendi perfeitamente a intenção do ator ao criar o personagem Brüno: reunir todos os tipos de características numa figura que não é hipócrita, falsa, etc. Brüno quer ser famoso de qualquer jeito e usa de todos os meios para conseguir isso, sem nem ao menos esconder as maneiras absurdas utilizadas para conquistar algo.

Não nego que há coisas engraçadas no filme. Quando Brüno diz, por exemplo, que "fez uma escala num país chamado África e que trocou um iPod por um bebê negro", fica clara a crítica às pessoas que sobrevalorizam o dinheiro e a tecnologia em função do seus próprios benefícios, que às vezes se sobrepõem à própria inteligência. Mas sacadas inteligentes assim acontecem pouco ao longo do filme, já que o que tem de engraçado no resto dele são algumas situações estranhas - como quando ele coloca o bebê na moto e sai dirigindo. Há também o tom muito cômico das legendas, que traduzem parcialmente o que o personagem está falando, usando as palavras "originais" para descrever alguns palavrões, como "cu" e "caralho".

Como eu disse, eu esperava bem menos. Mas mesmo que tenha sido melhor do que eu imaginava, a obra não é nada necessária e até envergonha boas comédias se é que elas existem. Brüno é um filme dispensável e tosco, que faz com que você ria umas duas vezes, esboce um ou outro sorriso e mais nada. Você não morrerá de tédio vendo o filme; não se entreterá totalmente, porém. Fico imaginando qual o próximo personagem que o escroto Sacha Baron Cohen inventará depois de Borat e Brüno.

Luís
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3 de mai. de 2010

Recomendações de Livros

Essa é uma nova sessão do blog. Como eu tenho lido muitos livros, alguns deles acadêmicos e de caráter didático, resolvi criar um espaço no qual eu os analisaria. Como eu e o Renan (na época em que ele aindaera co-autor do blog) enfatizamos a literatura como hobby apenas e, desse modo, falamos sobre os livros narrativos que lemos, muitos dos quais - quase todos, eu diria - foram comentados aqui. Como agora há na minha lista novos livros e eu ainda não me sinto seguro a ponto de fazer análises muito complexas sobre os livros acadêmicos, vou fazer breves comentários, seguindo esse modelo.

O Design da Escrita - Antônio Suárez de Abreu. 2008, 168 páginas (Ateliê Editorial), 1ª edição.
O subtítulo do livro diz "redigindo com criatividade e beleza, inclusive ficção". Basicamente, é essa a finaldiade do livro: ensinar o leitor a elaborar um texto que seja dotado de boas qualidades, como coesão, coerência, concisão, criatividade, etc. O grande acerto do autor - que, por acaso, é o meu professor de Produção de Texto - é escrever com simplicidade, sem rebuscamento, o que permite que todos possam compreender os seus exemplos e aplicar as estruturas deles em seus próprios textos. Como é um livro voltado para todos aqueles que necessitam compor textos, ou seja, professores, escritores, mestrandos, doutorandos - independentemente da área em que atuem, O Design da Escrita se mostra eficiente e educador, explicando de maneira bastante didática como um texto deve ser redigido para que seja funcional. Recomendo o livro como um todo, mas dou destaque especial à segunda parte dele: "como escrever ficção". Antonio Súárez de Abreu soube como sintetizar tudo aquilo que é relevante e, por isso, fez desse segundo momento de seu livro um grande auxílio àqueles que buscam dicas de como criar um universo ficcional.

A Cor da Língua - Sírio Possenti. 2001, 167 páginas (Mercado das Letras), 1ª edição.
Sírio Possenti dedicou aos leitores relatos curtos sobre curiosidades da Língua Portuguesa. Seu texto percorre vários campos, desde a linguística pura - porém num contexto bem mais amenizador e mais concreto - até a sociolinguística. Vale ressaltar que A Cor da Língua, embora seja um livro que tenha como subtítulo "outras croniquinhas de Linguística", não se foca  nessa área com o intuito de apresentar aos leitores os conceitos básicos da Linguística. Desse modo, quem procura por um enfoque nos conceitos dessa área de estudo deve recorrer a livros acadêmicos realmente mais didáticos, como "Introdução à Linguística", do J. L. Fiorin. Dentre os assuntos rapidamente abordados por Possenti estão: 1) reforma da escrita, não da língua falada; 2) problemas gerados por causa da hipercorreção; 3) associações com pronomes de usos diferentes (me / te x lhe); 4) preconceitos linguísticos; entre inúmeras outras temáticas. Lê-lo é fácil e a leitura é rápida; requer atenção, mas não é estruturado na complexidade, de modo que o leitor depreende muito de modo bastante tranquilo.

São essses os dois livros que eu gostaria de recomendar hoje. Como devem ter percebido, os dois têm um enfoque voltado pro pessoal que cursa Letras, mas isso não impede que alguém que faça qualquer outro curso - ou mesmo que esteja no Ensino Médio - o leia e o entenda. São livros curtos, de escrita simplificada e, exatamente por isso, atingem o leitor com maior intensidade. Cada um à sua maneira, são obras explicativas, que, mesmo simples quanto à escrita, engrandecem o conhecimento enciclopédico de mundo do leitor.

2 de mai. de 2010

Tapas

Tapas. Espanha, 2005, 84 minutos. Drama.

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Como estou disposto a sair um pouco do circuito hollywoodiano de cinema, comecei a assistir filmes de outros países. Não que eu não os assistia antes, mas agora vejo-os como prioridade, colocando-os à frente dos filmes estadunidenses. Em dois dias seguidos, assisti a dois filmes em outra língua: o mexicano E Sua Mãe Também e esse espanhol. E ambos - o primeiro, porém, em demasia - me promoveram uma adorável surpresa.

Em Tapas, cujo slogan é "você nunca sabe o que virá depois", quatro histórias diferentes são narradas, mas vemos logo que elas se conectam e impõe os personagens de cada uma à interação voluntária ou não. Raquel, uma mulher de meia-idade, relaciona-se com um homem que vive na Argentinsa pela Internet; Conchita, já idosa, vê dificuldades em aceitar os problemas com os quais seu marido, Mariano, vem lidando; Manuel, dono de um bar-lanchonete, se vê abandonado pela esposa, que era tratada como empregada no estabelecimento do marido; César e Opo são dois jovens que levam a vida sem grandes perspectivas. Num determinado ponto, todos de alguma maneira se envolvem, entrelançando os seus problemas ou não.

Acho que o adjetivo que melhor descreve Tapas é despretensioso. Pois, embora o filme tenha densidade e pudesse se tornar um grande drama, José Corbacho e Juan Cruz, os diretores, optaram pelo tom mais sereno e mais tranquilo, e conseguiram mostras de uma maneira bem sutil os problemas com que cada um convive; assim, não somos surpreendidos com grandes choradeiras, nem com momentos hilários, porque tudo no filme é conduzindo de maneira suave e discreta, os contornos dos sentimentos sempre à mostra, mas nunca a irrefreável explosão de emoções. É claro que, como a maioria dos filmes que nos mostram vários acontecimentos ao mesmo tempo, um deles parece meio desinteressante e nesse filme acontece exatamente isso: tudo o que vemos de Manuel poderia ter sido deixado de fora, pois realmente não tem grande conteúdo. Embora eu tenha a impressão de que o cuidado mais especial foi dedicado à narrativa sobre Raquel e seu relacionamento com César, foi o tom cativante da história de Conchita, chamada carinhosamente de Conchi, que me agradou mais: já idosa, com o pouco dinheiro que recebe da Previdência e com um marido morrendo de câncer, Conchi se expõe ao vender drogas ilegalmente aos jovens no bar do Manuel e, quando chega em casa, se depara com as diversas tentativas do marido de pôr fim à própria vida, já que ele não deseja definhar por causa da doença. Assim, a personagem encontra-se num grande dilema que vai contra a moral cristã; não sabe se cede ou não aos pedidos do marido e se deve ou não aplicar-lhe uma dose excessiva de remédios/drogas a fim de terminar logo com aquilo.

É claro que o filme mostra o que eu citei acima com menos densidade e achei que isso pouco - embora suficientemente - explorado. Uma das mais brilhantes capacidade do cinema espanhol, de uma maneira geral, é a habilidade de transformar feiúra em beleza. Já citei exemplos de Volver e de E Sua Mãe Também aqui, então não vou repetir-me; mas em Tapas, quase todos os atores são realmente feios e, ainda assim, vemos tanta simpatia, que nos esquecemos desse desfavorável aspecto. O final me agradou totalmente, não somente porque finalmente entedemos o slogan, como também porque fechou com a mesma sutileza - dando continuidade à linearidade - com a qual se iniciou. A trilha sonora é bastante agradável e dá um toque especial às cenas.

De um modo geral, eu recomendo o filme. Logicamente que não escontrarão grandes cenas, nem grandes dramas ou momentos extremamente hilários, pois o filme é bem despretensioso e nos promove entretenimento, mas, na minha opinião, é esquecível e daqui a uma semana talvez nem me lembre direito do enredo. Todavia, salva uma noite de sexta-feira chuvosa na qual você ficou sozinho em casa sem ter o que fazer.

Luís
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