30 de abr. de 2012

A Dama do Cine Shanghai


Brasil, 1987, 115 minutos, thriller. Diretor: Guilherme de Almeida Prado.
Uma obra que realmente merece ser conferida, principalmente pela sua associação com o cinema noir.

Alguns poucos filmes nacionais me chamam bastante a atenção. “A Dama do Cine Shanghai” me cativou justamente pela sua peculiaridade, pois, pelo menos para mim, esse tipo de trama investigativa, cheia de mistérios que retomam as narrativas noir dos cinemas norte-americano e francês. Confesso desde já não ter muita experiência com o cinema nacional e talvez esse seja o motivo do meu fascínio por essa produção de Guilherme de Almeida Prado, diretor cujo único outro filme a que assisti foi “Perfume de Gardênia” (, também no estilo noir, estrelando Christiane Torloni.

O título já diz bastante acerca dessa obra: a dama do cine shanghai é uma personagem quase mítica, que existe em boa parte do filme na abstração da crença. Ela é, a princípio, a personagem de um filme que Lucas, o protagonista da história, vai ver no cinema, lugar onde encontra Suzana, mulher casada e misteriosa, que primeiro flerta e depois foge e, nos constantes e eventuais encontros com Lucas, acaba envolvendo-se e envolvendo a ele numa trama de perseguições e crimes, que parecem nunca se solucionar. Cada vez mais a fundo na relação com as outras personagens que surgem, Lucas percebe que Suzana e a atriz do filme a que ele assistiu têm muito em comum e talvez descobrir o porquê dessa coincidência seja a chave para sair da teia de homicídios.

Antes mesmo de dizer que o grande destaque da história é o tom certo encontrado por Antonio Fagundes (seu personagem tem um quê de romanesco, tangendo às vezes a inverossimilhança), preciso dizer que o realmente me agradou no filme foi a direção de arte e a preocupação do diretor em manter na maior parte das cenas uma luz ou objeto vermelho ou azul, normalmente bastante iluminado por uma iluminação em néon, o que atrai ainda mais a atenção. Mas vai além do néon: mesmo a cortina feita de miçangas azuis, o abajur vermelho que tem no quarto, os lençóis azuis sobre a cama, o biombo de cor amadeirada, quase laranja-avermelhado que podemos ver em cena. Todos esses detalhes – alguns são detalhes mesmo, outros são tão evidentes que esse nome nem é adequado – servem para que a trama seja mais bem estruturada – é inegável que todas aquelas cores parecem intensificar as cenas, atribuindo-lhes mais tensão.

 O segundo encontro eventual de Suzana e Lucas: o inicio de todos os crimes.

A trama, claro, tem seus pontos fracos, principalmente o modo como tudo parece se resolver facilmente, mesmo que anterior à breve resolução houvesse mais de uma hora e meia de detalhes, pistas, crimes e sugestões acontecendo. Ao final, mesmo que vejamos a trama concluída, fica uma impressão de que algo não está claro – ou, caso esteja mesmo claro, algo no roteiro tratou de simplificar um final que notadamente demandaria mais explicações. Além disso, um ou outro momento que parece não fazer sentido na trama, como o fato de Lucas ser um fugitivo da polícia por suspeita de assassinato, mas nunca se esconder verdadeiramente: vemo-lo o tempo todo passeando pela cidade com o carro de Suzana, “coberto”, no máximo por óculos, que, segundo ela, “não têm graus” (risos).

Apesar de um ou outro defeito, a trama realmente me agradou. A narrativa é bastante fluida e isso se deve principalmente aos personagens principais e aos seus intérpretes. Tanto Suzana quanto Lucas são criaturas que nos despertam a curiosidade – ela, sobretudo – e tanto Maitê Proença quanto Antônio Fagundes souberam defender bem as pessoas que interpretam. A atriz não perde em nem um momento a aura de mistério que cerca a personagem, ela consegue olhar compenetrada; o rosto, embora lívido, parece sempre esconder algo – seus olhos, principalmente, não à toa eles são o que restam da fotografia que Lucas encontra depois de encontrar o primeiro homem morto e, inevitavelmente, faz a associação entre a mulher que ama, Suzana, e a atriz do filme “A Dama do Cine Shanghai”, Lana Van, que pode ser a chave para a solução do mistério. Em nenhum momento os atores saem de suas personagens, independentemente do ambiente pelo qual transitam, passando de cenas de crimes novelescos até festas de casamento em chácaras de família, numa cena também novelesca. 

 A Dama do Cine Shanghai: a personagem misteriosa que aparece ao longo de todo o filme.

Estão presentes na trama os elementos essenciais do filme noir: a mulher desejada, cunhada de femme fatale; o crime que envolve o protagonista; a tentativa dele de se provar inocente ou, se culpado (o que não é o caso aqui), escapar dos indícios que o relacionem ao crime; os ambientes naturalmente escuros e os ambientes escurecidos – tudo isso é visto nessa trama, inclusive aquele desfecho no qual paramos para descobrir exatamente como tudo vai acontecer. E o melhor é uma intersecção adorável entre o real e o fictício, como vemos logo no começo do filme, quando vemos o que o personagem vê no filme, dando a impressão, num primeiro momento, de que a trama começa numa coincidência com a trama do filme assistido no filme – ou seja, o efeito de mise en abyme, que notadamente acrescenta charme muito maior à história.

A meu ver, é um filme que deve ser visto e, mesmo que alguns aleguem haver muitos clichês na trama – de fato, há alguns –, merece ser contemplado, pois é um enredo que atrai bastante e se trata de uma produção que consegue agradar mais do que muitos filmes feitos atualmente, que parecem pender em vários gêneros e, não atidos a nenhum em específico, se perdem nas suas próprias propostas. Aqui, claro, vemos o intercâmbio entre o thriller e o romance, mas isso apenas acrescenta ao enredo, em nada o faz perder. Assim, penso que seja um dos filmes que mais merecem nossa visita (e, sobre o diretor, não sei se o considero muito bom, já que, o que esse tem de interessante, “Perfume de Gardênia” tem de ruim).

22 de abr. de 2012

Amor, Estranho Amor


Brasil, 1982, 122 minutos, drama. Diretor: Walter Hugo Khouri.
Uma obra de trama fluente e bastante ousada, que mantém o espectador atento à história do começo ao fim.

Acredito que é bastante curioso pensar no processo de produção desse filme. Antecede a esse pensamento a noção de que a obra é polêmica por causa da personagem de Xuxa Meneghel, que foi a grande responsável pela divulgação desse filme anos depois de ele ter estreado, pois, em decisão judicial, ela conseguiu que as cópias fossem retiradas das locadoras. Não é preciso assistir ao filme para saber o porquê: ela aparece seduzindo um garoto de 9 anos. Ao conhecer mais a obra, vamos além: ela aparece nua, seduzindo o garoto, e, na época das filmagens (três anos antes da liberação em vídeo), ela tinha apenas 16 anos.

Acrescento já que sua participação – bem como sua nudez ou qualquer ato libidinoso com a criança – não é gratuita. Considerando que a trama gira em torno de uma casa de meretrizes – uma delas a personagem de Xuxa – é perfeitamente cabível que houvesse cenas mais ousadas. Tudo se inicia com a vinda de Hugo a São Paulo para morar com a mãe (Vera Fischer), que saiu do sul há algum tempo deixando-o com a avó, que se cansou de não receber ajuda financeira para cuidar do menino. O grande problema de sua vinda é o fato que Anna, a mãe, vive na casa de Dona Laura, a cafetina que comanda um casarão a pedido de Osmar, um importante político cujo interesse se foca principalmente em Anna, impedindo assim que ela saia do prostíbulo e, ainda, nas condições atuais, que dedique completa atenção ao filho. O ambiente logo se torna instável: as outras prostitutas, a contragosto de Anna, vivem a se insinuar a Hugo, que não sabe como agir naquele novo universo e chega ao local Tamara (Xuxa), uma garota que se faz passar por sulista a fim de conquistar a simpatia de mais políticos e alavancar dinheiro para as prostitutas dali.

 Anna e Hugo, mãe e filho, principais figuras desse longa-metragem.

Antes de enveredar pelo enredo e apresentar mais características com comentários críticos, retomo a minha primeira afirmação, no primeiro parágrafo, no qual propus uma curiosidade a ser pensada. Em 1979, o país já estava em longevos 15 anos de ditadura e a imprensa, pelo menos até o ano seguinte, se encontrava sob intensa vigilância a fim de que, dentre outras coisas, não se passassem livres posicionamentos políticos contra o então regime governamental e exposições que ferissem a moral do brasileiro, principalmente porque, em meio à pornografia, podia facilmente haver mensagens induzindo os leitores de revistas e espectadores de filmes a um caminho sem volta. Aí fica a grande dúvida: como Khouri conseguiu gravar cenas tão polêmicas como as que são vistas em seu filme, gravando inclusive com atores menores de idade em completa nudez e em cenas que notadamente são dotadas de volúpia? Não apenas Xuxa se despe, mas também o jovem Marcelo Ribeiro (que mais tarde assinaria contrato com a produtora pornográfica Brasileirinhas), que, mesmo criança, encara cenas fortes de desejo sexual, sexo oral e, pasmem, incesto. O que pasma verdadeiramente não é o conteúdo, mas o modo como ele facilmente passou pela censura, principalmente se considerarmos que o filme “Giselle” (1980), que contém consideravelmente menos teor sexual polêmico do que “Amor, Estranho Amor” (1982) demorou 4 anos para ser liberado pelos censores.

Ficando aí o comentário acerca do processo provavelmente laborioso de Khouri, vamos ao filme, tanto no que tange à polêmica quanto ao que trespasse sua estrutura. A começar, acredito que a história é bastante linear e isso talvez seja uma característica positiva ao filme, já que o enredo, por si só, não é muito chamativo. Apostar na simplicidade faz com que o filme perita ao espectador acompanhá-lo sem dificuldades, compreendendo as passagens com facilidade e, embora às vezes previsível, interessante de acompanhar. O diretor, que também é o roteirista, aposta num entrave essencial que cria dinâmica e acarreta maior interesse à trama: a chegada de Hugo implica numa complicação à Anna e a chegada de Tamara implica problema ainda maior, já que as duas começam notadamente a rivalizar, sendo que a jovem prostituta é apoiada fortemente por Dona Laura, personagem de Íris Bruzzi, em evidente oposição à personagem de Vera Fischer. Estando já o espectador a par de que as duas personagens – a cafetina e Anna – têm problema e que a chegada de Tamara apenas os intensifica (isso no primeiro quarto do filme), já ficamos mais interessados em como será o desenvolver dessa história.

 Uma das tantas cenas polêimcas do filme: a nudez da mãe e do filho.

Via de mão dupla, evidente: acontecendo essas intervenções discursivas logo no começo do file, ficamos apreensivos para saber se haverá conteúdo para justificar a próxima hora e meia de filme por vir. E, felizmente, Khouri não deixa o ritmo se perder tampouco fere a história com trajetórias impertinentes ao enredo: logo começamos a ver as outras prostitutas tentando seduzir o garoto, depois vemos os problemas políticos derivados dos interesses pessoais dos personagens envolvidos na trama e, no clímax, vemos a batalha em guerra fria entre Tamara e Anna – mas é evidente que o grande momento do filme é o seu final, genial e irrepreensível.

Apesar de o grande atrativo do filme ser a Xuxa pelada – olha, não é tudo isso, não –, existe mais nele que pode ser considerado interessante. Particularmente, gostei da obra, que, apesar de simples, é muito bem desenvolvida e muito direcionada no seu roteiro. Acredito que vale a pena vê-la para conhecer um pouco mais desse cinema “menos despudorado” da década de 1980.

18 de abr. de 2012

Giselle


Gostaria de agradecer ao Marcelo pelo aceite ao meu convite e acrescento que me agrada tê-lo de volta em mais uma participação no meu blog, principalmente falando de um assunto que tanto lhe agrada: safadeza. Brincadeiras à parte, agradeço-o mesmo e, como de costume, espero mais participações.
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Brasil, 1980, 90 minutos, pornochanchada. Diretor: Victor di Mello.

por Marcelo Antunes

Não é raro, ao longo da história do cinema, filmes obscuros serem alçados ao status de cult. Vira e mexe, produções fora do mainstream caem no gosto de cinéfilos, mesmo sendo verdadeiros fracassos quando levados à tela grande. Guardadas as devidas proporções, evidente, este é o caso de “Giselle” (1980), produção do estúdio Vidya, dirigido por Victor de Mello e protagonizado pelo grande nome da pornochanchada, Carlo Mossy.

 Giselle, Ângelo e Haydée - o triângulo da trama.

O enredo conta a história de Giselle (Alba Valéria), filha do fazendeiro Luchinni (Nildo Parente) e enteada de Haydée (Maria Lúcia Dahl). De volta à casa paterna, depois de uma temporada de estudos na Europa, Giselle cai nas graças de madrasta, com quem mantém um caso amoroso. Entre as duas, está ele, o capataz-garanhão Ângelo; a terceira vértice do divertido triângulo. Triângulo, aliás, que não tarda a transformar-se em quadrilátero, com a chegada de Serginho, filho de Haydée. Ângelo traça todos. Aliás, algumas das cenas mais memoráveis do filme são justamente essas, que envolvem nossas personagens e suas peripécias sexuais. Como esquecer do estupro coletivo no meio da estrada? Parece bizarro, mas, depois do episódio, nossos amigos levantam-se, sacodem a poeira e vão todos à festa, para qual se encaminhavam anteriormente. Outra cena memorável é da briga na birosca, quando Ângelo, pra defender Serginho da chacota dos bebuns locais, mete-lhes a porrada, numa cena digna dos Irmãos Wachowski.

Vale destacar outras passagens: as cenas de sexo envolvendo Serginho, Giselle e
Ângelo; o discurso de uma antiga amante de Giselle, guerrilheira e engajada política, papel de Monique Lafond, com uma interpretação que chega a impressionar de tão ruim (o texto também não colabora, vai); insinuações de prática de pedofilia por parte do chefe da família e a cena de abertura, onde um cavalo cobre uma égua. Isso tudo regado por uma trilha sonora luxuosa, com clássicos como Let It Be e outras canções dos Beatles.

Resumindo: papa fina. E, desde sempre, um clássico.

16 de abr. de 2012

Lúcio Flávio - o Passageiro da Agonia


Brasil, 1977, 120 minutos, drama. Diretor: Hector Babenco.
Trata-se de uma obra que se volta mais para quem é fã do que para quem simplesmente gosta de cinema.

Lúcio Flávio, nascido em 1944 no Rio de Janeiro e tendo se tornado um nome nacionalmente conhecido durante os anos iniciais da ditadura militar, é um criminoso cuja história se associa diretamente ao um período histórico do nosso país, mas de quem pouco se ouve falar. Particularmente, eu havia ouvido falar sobre o livro que deu origem ao filme, mas não sabia exatamente as proporções da fama do sujeito nem a sua relevância. Morto aos 31 anos, no ano de 1975 numa prisão, sem grandes apurações quanto ao seu assassinato, a figura de Lúcio fica registrada no livro “Lúcio Flávio – o Passageiro da Agonia”, de José Loureizo, concebido apenas um ano após a morte do rapaz, e, por fim, o filme homônimo cujo roteiro se baseou no livro.

Tantas são as figuras inseridas no universo da ditadura e talvez nós estejamos bastante a par de muitas figuras importantes que ajudaram a combater a ditadura, tenso sido, em qualquer momento, vítimas diretas do sistema governamental. Basta que nos lembremos de dois filmes recentes, “Zuzu Angel” e “Batismo de Sangue”, respectivamente de 2006 e 2007, retratam personagens que sofreram as opressões da ditadura: no primeiro, uma mulher, a personagem-título Zuzu, mãe de um rapaz que sumiu devido aos seus envolvimentos políticos contrário ao governo vigente, luta para conseguir notícias acerca do filho; no segundo, freis franciscanos são punidos por apoiar às causas estudantis contra o governo. Curiosamente, são pessoas que estão conforme à lei, oprimidos pelo sistema – Lúcio Flávio, por sua vez, é um fora-da-lei, um homem que não se detém pelas noções de ordem, que não ouve instruções, que não ouve a polícia, que não respeita os cidadãos ou seus direitos, mas notadamente se coloca contra o sistema vigente, visando tirar mais dele do que de qualquer outro cidadão.


Curioso notar que mesmo outros bandidos respeitam Lúcio. O rapaz burguês cuja família foi assassinada é uma criatura influente em qualquer ambiente: os policiais o teme, porque ele não mede esforços para conseguir o que quer; os bandidos o temem, porque ele se encontra protegido por inúmeros outros bandidos, já que ele é bastante habilidoso para crimes mirabolantes. Os bancos o temem – ele sempre os rouba; a delegacia não quer dizer nada pra ele – ele sempre foge. Assim, sua figura pouco a pouco se cristaliza como um homem com que se preocupar. Não sei como é no livro, mas o roteiro deixa bastante clara a postura de Lúcio em relação aos seus comparsas e o modo eficiente com o qual lida com problemas, mesmo que eles demandem atenção prescritiva.

Considerando a personagem e a sua força, parece que a interpretação de Reginaldo Faria é pouca. Aliás, qualquer personagem é pouco perto da narrativa que notadamente favorece uma única personagem, que não apenas é a central como também e a única verdadeiramente interessante. Acompanhar Lúcio é interessante, mas ver as subtramas não nos soam emocionantes o suficiente a ponto de que verdadeiramente nos sintamos cativados e motivados a acompanhá-las com atenção. Não quero, porém, criticar a direção de Hector Babenco, como se ela fosse incabível à trama – o problema talvez esteja no roteiro, que singulariza Lúcio de tal modo que soa inclusive incomum vê-lo interagindo com qualquer outra pessoa. O personagem ganha tom heróico demais para alguém comum, mesmo que, AM sua maneira, díspar da sociedade ordinária que caminha inquestionada. Se Reginaldo Faria, o protagonista, some em seu personagem, sendo esse mais interessante que aquele, parece evidente que o mesmo acontece com outros atores – e é verdade. 

Acredito que a obra seja fundamental àqueles que realmente visam maior conhecimento de um assunto específico – seja os agentes sociais mais ativos do período ditatorial, seja o personagem desse filme. De um modo abrangente, ainda que satisfatório, não é um filme que atraia a atenção ou que mantenha a atenção do espectador fixa, a não ser, como disse, se o espectador realmente estiver assistindo a fim de aprender mais sobre o sujeito-objeto desse filme. Penso que seja mais válido conhecer com caráter educativo e de pesquisa a conhecer a obra por entretenimento.

14 de abr. de 2012

Dona Flor e Seus Dois Maridos

Brasil, 1976, 119 minutos, drama. Direção: Bruno Barreto.
Uma obra que definitivamente não chama a atenção pela sua qualidade, mas pelo modo espontâneo com o qual ela toda acontece, em especial na personagem de José Wilker.

Não saberia apontar o chama tanto a atenção em relação a esse filme. Primeiramente, é difícil não querer atribuir seu sucesso à figura de Sônia Braga, que, bastante jovem à época das filmagens, causava frisson nos homens e era inegavelmente um símbolo sexual, havendo em si a ousadia marota que muitas personagens sexuais da literatura e do cinema requeriam. Não à toa, o pôster do filme coloca a protagonista nua entre os dois homens, seus esposos, o atual e o finado, mesmo que, como vemos no filme, não se veja muitas cenas de nudez.

Por 34 anos, o filme foi o recordista de público: levou mais de 10 milhões de pessoas ao cinema para ver o entrosamento entre uma mulher que se vê dividida entre o respeito que nutre pelo atual marido e o ardor sexual que nutre pelo marido já falecido. Não tarda para que conheçamos a relação de Valdomiro e Florípedes – Vadinho e Dona Flor, como são mais conhecidos popularmente, desde que foram criados por Jorge Amado, em romance homônimo, apenas dez anos antes. Qual no livro, a cena de abertura é a morte de Vadinho: um taque fulminante o tira de Flor, que desesperada se joga aos braços do falecido e tenta a qualquer custo reavivá-lo. Viúva e voluptuosa, como a mãe mesmo lhe diz: luto de viúva é falta de homem, Flor se casa novamente com Teodoro, um farmacêutico de caráter oposto ao de Vadinho, extremamente respeitoso e cordial, que, definitivamente, não é sinônimo da sustância sexual de que Flor precisa, fazendo-a evocar, através de suas saudades, a personagem de Vadinho, que, filho de Exu e tendo corpo fechado, fica a perturbá-la em seu novo relacionamento.

 O casal peculiar formado por Teodoro, Flor e Vadinho - o último membro, já morto.

Basicamente podemos dividir o filme em duas partes bastante distintas, sendo a primeira a mais longa, que é justamente aquela na qual conhecemos o relacionamento das personagens protagonistas, no caso Vadinho e Flor. O homem é beberrão e festejador, sai todas as noites, passeia por bares, salões de jogos e mulheres e perturba Flor com seu jeito desatento e paquerador. Buscá-lo nas ruas ou nos bares não a agrada, tampouco a deixa contente vê-lo se enrabichar com as alunas do seu curso de culinária, o qual ela ministra na sua própria casa. Vadinho, por sua vez, é inflexível – ante o descontentamento da esposa, ele a presenteia para encobrir os desgostos da esposa, mas novamente volta à gandaia. E percebemos haver nessa relação justamente a vivacidade que mais tarde não se verá no relacionamento com Teodoro, justamente devido à sua postura sempre correta e ao seu tom cerimonioso.

Não é necessário haver grande perspicácia para ver que Flor carece de uma atitude mais enérgica, já que ela notadamente gosta de se entregar verdadeiramente durante o sexo e, no máximo, Teodoro dura quatro minutos sobre ele, de luzes apagadas, sem tirar as roupas. Duas cenas, aliás, se contrastam bastante: vemo-la toda nua a ser pega por trás por Vadinho, numa cena interessantíssima e muito ousada – principalmente se considerarmos que ela foi concebida em momentos da ditadura, quando praticamente todo tipo de manifestação de nudez era considerada imoral. A segunda cena é justamente a primeira relação sexual entre Flor e Teodoro, o qual ela chama de “senhor”, diferentemente do primeiro marido, tratado pelo apelido. Acredito que essas duas cenas resumam eficientemente os dois personagens, mostrando-nos o quanto eles se diferem e, notadamente, o quanto são capazes de fazê-la feliz. 

 Uma das cenas mais clássicas do filme: dona Flor e seus dois maridos caminhando juntos.

Incrível como o linguajar dos personagens soa espontâneo! Estou há bastante tempo à procura de um filme nacional que retrate bem a oralidade e a apresente de modo consistente e verossímil e, honestamente, pelo ter sido esse o primeiro a fazê-lo bem, sobretudo no que tange às palavras de baixo calão. José Wilker as pronuncia todas com extrema malemolência, tornando-as agradáveis de ouvir. E as reações de Sônia Braga são deveras doces, simpáticas ao anseio do marido morto, nos fazendo crer ser impossível que não tenham sido feitos um para o outro.

Aliás, Sônia Braga não atrai a atenção apenas porque é, dentre os nomes do elenco, a que mais aparece desnuda. Ela conquista nossa simpatia pelo fato de que conseguiu conciliar bem as características de sua personagem com a sua intenção interpretativa, fazendo assim com que se unam personagem e atriz e, por conseguinte, a vejamos em completa harmonia em cena. O mesmo se diz de José Wilker – talvez tenha sido esse seu grande personagem, seja no cinema ou na televisão. Mauro Mendonça é o mais limitado em cena, mas isso se deve, claro, à singeleza simplista demais do seu personagem, um homem que deveria se destacar, mesmo que negativamente, pela polidez, mas que fica apenas no morno – e é bem isso mesmo, de outro modo (fosse ele rude, por exemplo), não haveria por que Flor ceder e casar com ele. Assim, o personagem por si só já não o ajuda, mas, nas circunstâncias, ele consegue trabalhar bem isso.

12 de abr. de 2012

A Falecida

Brasil, 1965, 94 minutos, drama. Diretor: Leon Hirszman.
Uma obra que retrata com eficiência o universo de Nelson Rodrigues numa obra perturbadora, seja pela morbidez da protagonista ou pela interpretação monstra de Fernanda Montenegro.

Duas características chamam a atenção acerca desse filme. A primeira delas é que a narrativa é baseada numa obra de Nelson Rodrigues, dramaturgo realista responsável por grandes títulos na literatura nacional, e Fernanda Montenegro, uma das atrizes mais consagradas do Brasil, que estava em seu primeiro filme. A união desses dois nomes relevantes poderia render um excelente filme e, de certo modo, pode-se dizer que foi isso mesmo que aconteceu.

A atriz interpreta uma mulher que um dia se assume doente: dores nas costas, tosses ininterruptas, cansaço em demasia. Associando ao que uma cartomante lhe diz – “tome cuidado com uma mulher loura” –, ela começa a suspeitar que uma prima sua, Glorinha, lhe lançou feitiço e que ela está prestes a morrer. Assim, sua morbidez, um misto de querer morrer e de querer se mostrar majestosa à prima, resulta numa série de perturbações, seja a si própria ou ao marido, que assiste passional a loucura da esposa.


Talvez a primeira coisa que mais chame a atenção no espectador seja o modo espontâneo com a qual os atores agem ao longo de todo o filme. Fernanda Montenegro realmente conduz com máxima segurança sua personagem, nos fazendo acompanhar cada momento de seus devaneios, que vão desde o pensamento que a prima está a lhe fazer macumba até a tentativa de se converter ao protestantismo para ser como a prima. E a personagem Glorinha, apesar de aparecer rapidamente numa das cenas finais, é uma figura extremamente importante ao desenvolvimento da trama, principalmente porque ela é um contraponto essencial na narrativa, já que ela direta e indiretamente perturba a vida de todos os outros personagens.

Podemos perceber claramente as características rodrigueanas da narrativa, principalmente pelo modo tortuoso como a moral é apresentada. As personagens, cada uma a seu modo, se vêem em paradoxos ante a moral: Zulmira, por exemplo, se coloca como mulher respeitável, se negando a ir à praia para não ter que ficar apenas de maiô, pois assim se considera praticamente nua; no entanto, seu discurso trespassa a “imoralidade” quando ela fica atiçando o marido para que ele se deite com Glorinha, numa aparente tentativa de fazê-lo experimentar de ambas a fim de compará-las. Também a vemos percorrer as ruas com sorriso bobo no rosto, de quase flerte às vezes. Gostei principalmente do modo como Fernanda Montenegro conseguiu dar vida à sua personagem ministrando com precisão cada sentimento – ora ela se via alucinada pelos seus pensamentos enciumados, ora ela se entregava à autopiedade, ora à crítica ferrenha ao comportamento do marido.

Acredito que o charme do filme se deva mais ao enredo do que à direção ou ao elenco, mas é inegável que todos os atores fizeram algo impressionante. Numa obra que percorre vários sentimentos e sensações, passando pelas eternas críticas de Nélson Rodrigues às instituições do casamento, da igreja, da moralidade, a obra se sustenta como entretenimento pela sua narrativa bem trabalhada pelo roteiro escrito por Eduardo Coutinho e Leon Hirszman, o diretor. Acompanhar o desenvolver da história é um prazer, principalmente ao vermos o modo irônico com o qual ela termina. Assistir a atuação de Fernanda Montenegro é outro prazer, este maior que aquele, com certeza.

10 de abr. de 2012

Deus e o Diabo na Terra do Sol

Brasil, 1964, 118 minutos, drama. Diretor: Glauber Rocha.
Uma obra de grande valor histórico para o cinema nacional – a meu ver, seu valor é mesmo, sobretudo, histórico.

Essa obra de Glauber Rocha – bem como o próprio diretor – são elementos importantes na história do cinema nacional, principalmente pelo fato de que eles – diretor e filme – de certo modo reviveram algo muito latente e pouco explícito no cinema. O cinema novo, movimento artístico que visava se afastar do histórico cinematográfico nacional de produção de filmes de grande orçamento, apresentou títulos que realmente modificaram bastante a estrutura proposta pelo estúdio Vera Cruz: os filmes eram bastantes simples, quase caseiros, no entanto, as idéias eram levadas a sério – uma câmera na mão e uma idéia na cabeça e assim surgiu títulos como “Rio, 40 Graus” (1955), “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964), entre outros que marcariam essa nova fase do cinema.

A história tem início com uma breve visão da situação dos personagens. Manoel e Rosa vivem no sertão e têm uma vida bastante difícil, moendo eles mesmo os grão que plantam e trabalhando para seu próprio sustento e para lucro do fazendeiro que lhes concedeu espaço onde ficar. Com a morte de algumas vacas que seriam entregues ao coronel, este ameaça tomar o resto do rebanho de Manoel, que acaba por matar o homem, sendo obrigado a fugir junto com a esposa. A conseqüência disso é uma peregrinação sem rumo que os leva às figuras de Sebastião, um missionário negro que sai a apregoar as palavras do Senhor, e de Antônio das Mortes, um assassino contratado para matar o grupo que segue o missionário.

 Sebastião conduzindo o povo rumo à justiça.

Indubitável que o filme, pelo menos esteticamente, se afasta das produções da Vera Cruz, e, na sua vertente social, se afasta igualmente das produções de chanchadas, que visavam muito mais apenas o riso do que uma contextualização social severa e absurdamente crítica como é o caso dessa obra de Glauber Rocha. Basta notar o tom crítico sutil presente em toda a narrativa. Gostei especialmente do modo como as relações entre os grupos são observadas: a classe aristocrática se revolta com as “procissões justiceiras” de Sebastião e manda matá-lo; dentro do próprio grupo, Rosa se choca ao ver o homem cego pela fé e ela mesma o mata, abrindo assim novo percurso para discussões. Pouco a pouco, os personagens entram em conflitos cada vez maiores, principalmente porque eles não são capazes de se entender, independentemente de estarem numa mesma situação ou não.

Gosto especial do modo como a sociedade crente é retratada. A questão latifundiária se torna acobertada pela fé e as pessoas saem a chacinar a mando de Deus, quando, na verdade, estão a fazê-lo a mando de um homem que visa a redistribuição de renda e de terra. Uma belíssima proposição narrativa para ilustrar a frase “os fins justificam os meios”. Também há no filme uma questão imagética e simbólica bastante forte das relações dos personagens: Manoel mata por raiva o coronel que lhe roubava e se agrega ao grupo de Sebastião, acreditando ser certo matar sob as alegações do homem santo, mas não é capaz de matar quando se torna Satanás, um cangaceiro do grupo de Corisco, que sai a aprisionar pessoas e lhe tomar alguns bens. A idéia da moralização se vê bastante nítida aqui bem como as questões simbólicas da atração de duas mulheres, Rosa (esposa de Manoel) e uma do bando de Corisco.

Honestamente, não acho o filme interessante e está longe de ser um dos meus favoritos. Sua função importante, para mim, é mesmo a sua participação histórica no desenvolvimento do cinema nacional. Vale a pena conferi-lo para conhecer essas características, mas realmente não foi um grande entretenimento para mim, ainda que eu lhe reconheça bastantes qualidades.

8 de abr. de 2012

Estranho Encontro

A meu convite, o Celo Silva, dono do Blog Espectador Voraz, vem ao Literatura e Cinema falar sobre um título nacional para o especial sobre o cinema brasileiro. O texto que segue foi originalmente publicado no blog Um Ano em 365 Filmes, outro sítio do convidado de hoje. Agradeço-o pelo aceite ao convite e espero que haja outros mais por vir.

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 Brasil, 1957, 92 minutos, drama. Diretor: Walter Hugo Khouri.

por Celo Silva

Segundo filme dirigido pelo saudoso e talentoso Walter Hugo Khouri, o fabuloso Estranho Encontro de 1958, marcou a transição das produções da lendária Companhia Cinematográfica Vera Cruz, aonde Khouri realizou seu primeiro filme, O Gigante de Pedra, para a então novata Brasil Filmes. Apesar da mudança de nome, pouco mudou, continuou-se a usar os estúdios, equipamentos e profissionais da extinta produtora. A Vera Cruz ficou conhecida pelo classicismo de suas produções e com esse filme em questão não é diferente. Khouri em inicio de carreira, remete seu trabalho a todo o glamour que o próprio cinema propunha ter nos anos 50. Essa tendência fica até evidente pela bela fotografia em preto e branco, a trilha sonora mágica de Gabriel Migliori e as atuações marcantes de todo o elenco, que não faria feio em filmes Hollywoodianos da época.

A história começa com o bon-vivant Marcos (Mario Sergio) encontrando a bela e perturbada  Julia (Andréa Bayard) em rota de fuga em uma estrada deserta no meio da noite. Marcos a leva para uma imponente propriedade em que pretendia passar o final de semana. Julia lhe conta a sua historia, em um genial flashback, que consiste no seu relacionamento doentio com Hugo (Luigi Pichi), um neurótico ex-combatente de guerra, que a mantinha como prisioneira, motivando assim a sua fuga. Logo percebemos que a atração entre Marcos e Julia é evidente, talvez até amor à primeira vista, mas sem duvida a figura frágil da moça fez com que aflorasse o lado mais protetor do homem. Nesse contexto, ainda temos o cínico caseiro (Sergio Hingst), mau-caráter e um tanto desconfiado, que começa a investigar os passos de Marcos. Por fim, para aumentar ainda mais a tensão, o que todos menos contavam é que a amante (Lola Brah) de Marcos, dona da propriedade, aparecia sem avisar.

A primeira atitude de Marcos é esconder Julia em uma casa de barcos dentro da propriedade. Dentro do bucólico casebre é que se desenrola boa parte da trama, aonde as juras de amor são feitas e aonde o suspense gira em torno da existência e descobrimento daquela bela e aparente desequilibrada moça, fazendo render um bocado de tensão. Mesmo ainda sendo um trabalho seminal na filmografia de Walter Hugo Khouri, percebe-se o seu estilo autoral se formando. Em Estranho Encontro já temos as mulheres difíceis e dominadoras que marcariam todo o trabalho de Khouri e a influencia (mesmo que tímida) do existencialismo de diretores marcantes como Ingmar Bergman e Luis Buñuel. Verdade também que nessa realização, assim como a sua anterior e a seguinte, percebe-se como nunca uma aproximação com o cinema americano dos anos 40 e 50. Afirmo isso pela narrativa clássica e personagens bem definidos, como o moçinho, a donzela, o vilão, a megera; características que não tardaram a serem deixadas de lado dos trabalhos mais arquetípicos  desse talentoso diretor.

Ainda é necessário ressaltar que Estranho Encontro é um filme repleto de cenas maravilhosas. Desde a inicial, passada na estrada, ao epílogo realizado em um bambuzal. A atriz Andréa Bayard ilumina a tela quando aparece, seu belo rosto nos faz lembrar as grandes divas do cinema. O galã Mario Sergio demonstra uma impressionante química com a moça, difícil não torcer pelos dois. O imponente casarão onde se passa toda a trama remete um tanto ao de Crepúsculo dos Deuses, reforçado ainda pela atuação de Lola Brah, que faz a amante madura de Marcos e carrega uma atuação à lá Gloria Swanson, claro que guardada as devidas proporções. Se esse maravilhoso filme tivesse sido realizado nos EUA, com certeza, seria tratado com muito carinho, com restaurações em DVD especial lotado de extras ou mesmo em Blu-Ray, sendo reverenciado por público e crítica. Pena que nosso país é conhecido por não ter memória e uma pequena Obra-Prima como essa acaba ficando esquecida e restrita a amantes do cinema. 

6 de abr. de 2012

Abril e o cinema nacional


Desde que comecei com o blog, percebo um certo afastamento do cinema nacional. Só para que vocês tenham uma ideia, de 428 filmes já publicados aqui, apenas 27 são nacionais, sendo a maioria filmes estadunidense. Sendo assim, resolvi dedicar um mês exclusivamente para o cinema nacional, bem como pretendo realizar, de tempos em tempos, uma incursão por outras estéticas fílmicas... francesas, inglesas, suecas, espanholas, de tudo um pouco.

Sei que muitos vão criticar as minhas escolhas dos títulos que serão apresentados em abril, falando que é "um absurdo que um lixo como Cinderela Baiana esteja na mesma lista que Deus e o Diabo na Terra do Sol", mas eu lamento mesmo: minha intenção não é mostrar exclusivamente filmes de importância histórico-social, mas simplesmente de apresentar títulos que tiveram repercussão de algum modo e que, querendo ou não, constituem parte do cinema nacional. Assim, segue a lista dos filmes que serão apresentados:

08/04 - Estranho Encontro (1958)
10/04 - Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964)
12/04 - A Falecida (1965)
14/04 - Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976)
16/04 - Lúcio Flávio (1977)
18/04 - Giselle (1980)
20/04 - Amor, Estranho Amor (1982)
21/04 - A Dama do Cine Sanghai (1987)
23/04 - O Quatrilho (1994)
25/04 - Cinderela Baiana (1998)
26/04 - Nina (2005)
28/04 - Dois Coelhos (2012)

Espero que vocês confiram as resenhas e que façam sugestão para uma segunda rodada de cinema nacional.

5 de abr. de 2012

Oscar 2012 - Melhor Filme


 
Nessa categoria, se destacam os filmes que não tiveram bons rendimentos em aspectos individuais, mas sim, que se destacaram no geral trazendo ao público uma obra completa. O grande vencedor da 84º edição foi 'O Artista' e é interessante observar que, desde 'Asas' (1929) um filme mudo não ganhava o premio de Melhor Filme, além do fato do filme francês ser o primeiro longa de língua não-inglesa a ganhar a estatueta nos 84 anos de cerimônia. Hugo, filme de Martin Scorsese, lidera o grupo dos nominados a Melhor Filme com 11 indicações, estando em quantidade a apenas uma indicação a frente do vencedor da noite, The Artist, de Michel Hazanavicius. Moneyball e War Horse, respectivamente de Bennet Miller e Steven Spielberg, seguem com seis indicações cada. Ainda que Millenium – The Girl with the Dragon Tattoo tenha conquistado 5 indicações, a Academia optou por outros títulos para ocupar as vagas remanescentes na categoria principal: assim, também com 5 indicações, entrou para a lista The Descendants; com 4 indicações, entraram The Help e Midnight in Paris; com apenas 3 indicações, The Tree of Life conquistou seu espaço e, surpreendentemente, Extremely Loud and Incredibly Close também foi indicado à categoria de Melhor Filme, trazendo consigo apenas mais uma indicação (para Max Von Sydow, como Melhor Ator Coadjuvante), mostrando que a Academia, ainda que não tenha indicado Stephen Daldry ao prêmio de direção, nutre por ele bastante afeto a ponto de colocar seu filme num status que definitivamente não lhe cabe. Acredito que, reduzida a lista ao antigo formato – ou seja, cinco nominados –, ela seria composta por “O Artista”, “A Árvore da Vida”, “A Invenção de Hugo Cabret”, “Meia-noite em Paris” e “Os Descendentes”, ficando de fora os outros filmes que, de um modo geral, estão também listados aqui devido a um aspecto forte, como o elenco de “Histórias Cruzadas”, o queridismo por Stephen Daldry e, ainda, a boa execução que Bennet Miller dá a seu filme.

O Artista
A obra escrita e dirigida por Michel Hazanavicius chocou alguns e encantou outros: a obra saudosista remetia a época já distantes, quando o cinema era mudo e a imagem não era colorida. George Valentin e Peppy Miller, um astro já consagrado e uma estrela em ascensão protagonizam a trama, que aborda a decadência do cinema mudo e as conseqüências da vinda do cinema falado e dos intérpretes capazes de se adaptar a essa nova forma de arte.Com dois atores simpaticíssimos, uma trilha sonora encantadora, um trabalho de edição fantástico e, sobretudo, muito carisma, um história simples se torna uma narrativa memorável e digna de atenção, que nos mostra que a arte é atemporal: mesmo que moldada conforme a década de 1920, essa produção franco-belga é atualíssima e seu plano de expressão bem como seu plano de conteúdo são indiscutivelmente satisfatórios.

A Árvore da Vida
O filme de Terrence Malick é, sem sombras de dúvida, o mais pedante dentre os indicados e ele está no grupo dos filmes que anualmente são indicados pelo fato de que têm uma estrutura rebuscada, aspectos pós-modernos que apenas tangem a compreensão, sem jamais trespassá-la. Obras desse calibre agradam o público, que, ante cenas de sentindo não restritamente intrínseco à trama, se sente mais inteligente – é sempre bonito gostar de obras que são um emaranhado de idéias e sensações. Assim, a relação pai-filho, embora difícil de ser trabalhada dada a sua grandiosidade, aqui ganha proporções bem maiores e se aproxima de um universo intrincado de situações-problema que existem hoje, mas que atravessaram todo o período de vida na Terra (indo, inclusive, além dela). Decerto é a obra com a melhor fotografia, mas, em contrapartida, a mais pseudo-inovadora.

Cavalo de Guerra
Já ouvi diversas críticas sobre o filme que, no geral, caracterizavam-no como uma “história barata sem fundamentação”. Penso que é papel do cinema trazer discussões sobre algo, mas ainda acho que a pedra fundamental do mesmo é entreter, e nesse quesito, o filme de Spielberg é certeiro. Ao longo da trama, percebemos que o longa não se propõe a contar a história de um cavalo e de seu dono, mas sim, da trajetória épica do cavalo. Considero a abordagem muito boa, focada no enredo muito interessante que, juntamente com outros elementos técnicos (trilha sonora, figurino e as locações usadas, por exemplo), tornam as mais de duas horas do filme extremamente fáceis e prazerosas de se assistir.

Os Descendentes
Considero “Os Descendentes” um filme bem complicado de se avaliar, pois ainda não sei se gostei dele ou não. Ao mesmo tempo que, artisticamente, o filme é muito interessante - onde se pode citar as magníficas atuações de George Clooney e de Shailene Woodley - tive a impressão de assistir a um filme de quatro horas, dado ao ritmo lento e cansativo da narrativa que foi utilizado. Um pai que tem que lidar com sua mulher em coma, com a descoberta de uma traição da mesma anos atrás, com a relação delicada com os filhos e com a herança da família me parece muito material muito rico, mas que acaba se perdendo no desenvolvimento lento supracitado. De maneira geral, considero 'Os Descendentes' um filme bom, que tinha como ser melhor.

Histórias Cruzadas
Começo falando desse com a minha opinião de forma clara e aberta: gostei muito do filme. Apesar de saber que - excluindo a personagem interpretada por Emma Stone, que age para bem próprio - todo o enredo é escrito de forma maniqueísta e que os personagens, por vezes, são caricatos, volto ao mesmo ponto de “Cavalo de Guerra”: o entretenimento. Me parece difícil encontrar, hoje em dia, filmes que te façam emocionar e te sensibilizem ao ponto de sermos capazes de deixar o lado racional de lado e nos entregarmos ao sentimentalismo puro. “Histórias Cruzadas” faz exatamente isso. Durante todo o longa, somos apresentados a um enredo bom (e por vezes apelativo, concordo) com atuações boas inseridos em um filme que merecia ser indicado.

O Homem que Mudou o Jogo
Filmes sobre esportes, por vezes, pendem para um aspecto emocional muito viral: aquele semelhante a quando um grupo se reúne para assistir a um jogo de futebol. Outra vezes, o esporte, apesar de seu caráter social, ganha proporções mais ontológicas e individualistas, como é o caso de “Menina de Ouro” (2004) e essa obra, na qual Brad Pitt interpreta Billy Beane, um ex-jogador fracassado de beisebol que agora é treinador de uma equipe que, ironicamente, é extremamente fracassada. Seus novos métodos e sua perseverança colocam-no ante muitos problemas, mas também o põem diante da possibilidade de qualidade técnica e reconhecimento profissional. Ainda que transcorra lenta, a trama se desenvolve de modo interessante, permitindo que acompanhemos a vida das personagens e que nos sintamos minimamente próximos delas, de modo que a história deixe de ser unilateral, como alguns filmes dessa lista são.

A Invenção de Hugo Cabret
É interessante observar a volta ao passado que o Oscar 2012 fez. Dentre os filmes, os dois com mais indicações - e com maior chance de ganhar o maior premio da noite - estavam dois longas que se propuseram a contar histórias sobre períodos marcantes do cinema. Em “A invenção de Hugo Cabret” somos levados ao início do cinema de uma forma didática e, pode-se dizer, mágica. Nele o espectador se vê de frente com histórias sobre os irmãos Lumière e Charles Melier, ícones do cinema francês, sendo este o país natal da sétima arte. A direção de Scorsese é pontual e as atuação – destaque aqui para a atuação mirim de Asa Butterfield – são muito satisfatórias. O elogiado uso do 3D aqui, também se contrapõe: o início “rudimentar” e a mais atual tecnologia andando de mãos juntas, proporcionando ao público uma aula de como fazer um bom filme. Se o também francês “O Artista” não estivesse no páreo, sem dúvida nenhuma esse filme sairia vencedor da noite.

Meia-noite em Paris
Woody Allen é um diretor sempre muito querido por todos, não importa se seus filmes sejam bons nem importa se eles sejam de fato perspicazes: inevitavelmente atribuirão essa qualidade a qualquer filme que ele dirija. Assim, bastou colocar inúmeros nomes relacionados às mais diversas formas de arte na cidade de Paris e fazer com que Owen Wilson não soe tão irritante e pronto – conseguiu inúmeras indicações e mais reconhecimento. A trama gira em torno de um jovem que vai com a esposa a Paris e descobre eventualmente que à meia-noite se abre um “portal” que o leva a outra época, num período histórico-cultural de extrema relevância para o universo artístico e, desse modo, tem contato com muitos artistas, como Zelda e Scott Fitzgerald, Salvador Dali, Ernest Hemingway e Gertrude Stein, além de se apaixonar por Adrianna, amante de Picasso. O segundo filme mais pedante dessa lista, já que todos esses nomes e alusões servem apenas para enfeitar uma história bonitinha vendida por aí com o epíteto de “romance de humor refinado”.

Tão Forte e Tão Perto
O quarto filme de Stephen Daldry, curiosamente antes nominado como Melhor Diretor pelos três filmes que dirigiu, conquistou somente duas indicações; e esta, de Melhor Filme, somente se deve ao carinho que a Academia tem pelo diretor britânico, que, apesar de filme, detém um portfólio invejável de trabalhos. O jovem Oskar, depois de perder o pai no ataque terrorista em 11 de setembro de 2001, sai às ruas à procura de um objeto que possa ser aberto por uma chave que ele encontrou – o garoto acredita que, encontrando o conteúdo “perdido”, estará mais próximo do pai. A trama é bastante longa e monótona, apesar do seu ritmo dinâmico – o que é uma verdadeira contradição a ser observada com atenção. Apesar do empenho do diretor, trata-se do filme mais fraco dentre os indicados nessa categoria e inevitavelmente temos a impressão de que a indicação se trata apenas de bajulação, já que essa película dificilmente chamaria a atenção para outra qualidade que não a interpretação de Max Von Sydow, responsável pela segunda indicação que o filme recebeu.

 CONCLUSÕES:

Luís
Concordo com a Academia: sim.
Quem deveria ter vencido: “O Artista”. Para mim, trata-se do filme mais carismático desse ano e, não bastasse a simpatia do filme, há ainda as qualidades técnicas que surpreendem, como a excelente trilha sonora, a edição que evidentemente o torna ágil, sem falar das excelentes interpretações dos atores. Não fosse esse filme a vencer, o meu segundo favorito era “Cavalo de Guerra”.

4 de abr. de 2012

Oscar 2012 - Melhor Diretor


 
Michel Hazanavicius decidiu compor um filme de características bastantes ousadas: no terceiro milênio, século XXI, quem se interessaria por uma obra em preto e branco e, como se isso não bastasse, silente? Pois é exatamente “O Artista”, obra estruturada conforme os aspectos técnico-artísticos dos anos 1920, que rendeu ao diretor Hazanavicius o título de melhor diretor em 2012. Curiosamente, o vencedor era o único que jamais havia sido indicado anteriormente. Scorsese e Allen disputavam pela sétima vez o prêmio enquanto Alexander Payne e Terrence Malick, como diretores, recebiam a segunda indicação. Allen, Hazanavicius e Payne não foram, porém, indicados apenas como diretores – também conquistaram indicações pelo seus trabalhos como roteiristas, os dois primeiros pela composição de uma obra original, o último pela adaptação de um romance.

 Alexander Payne, por “Os Descendentes”
The Descendants segue a linha dos filmes de Alexander Payne: o ritmo é lento, os personagens são desenvolvidos interiormente para que depois conheçamos uma relação mais direta com o mundo à sua volta e, vale notar, os cenários são importantes para a construção relativa do personagem. E Payne capta bem toda a paisagem – seja o ambiente quase desolado do Havaí ou o interior desolado do personagem principal. O filme se desenvolve sem pressa, a edição é bastante regular, os enquadramentos são satisfatórios, e a trama, embora melódica, não inova: a indicação de Payne é um mistério.

Martin Scorsese, por “A Invenção de Hugo Cabret” 
Martin Scorsese apresenta um filme que decerto foge à sua sobriedade habitual, mas que, nem por isso, se torna afetado pelas características pitorescas que acompanham a película. Seu filme apresenta características bastante diversas que se conectam bem, imprimindo um tom ameno à história - isto é, não o torna pendente para nenhum lado, ainda que, como se vê, seja produto de bastante alegoria e, às vezes, carnavalização.

Michel Hazanavicius, por “O Artista”
Não acho que haja algo de muito particular na película de Hazanavicius, indicando, talvez, uma falta de “autoralidade” por parte do diretor, já que seu filme, grosso modo, em aspectos técnicos se assemelha a de outros diretores. Mas definitivamente, ele conseguiu compor uma obra interessante e conduzir seus atores com eficiência notável, não sendo de modo algum injusta a sua indicação. Ademais, a trilha sonora e a perfeita recriação dos anos 20 transportam o espectador para outra época, o que facilmente seria perigoso não houvesse mãos firmes para conduzir a trama. E indubitavelmente o diretor

Terrence Malick, por “A Árvore da Vida”
Ainda que o seu filme seja simplesmente o mais pedante dessa edição de premiações, a direção de Malick é assombrosamente eficiente, a ponto de ser difícil apontar qual o elemento que chame mais atenção nessa produção: os atores são muito bem conduzidos, a filmagem é excelentemente elogiável, a edição tem um refinamento palatável, a fotografia é chamativa e o resultado dessa obra, pelo menos quanto a algumas escolhas do diretor, é muito bom. Se está longe de ser uma obra interessantíssima – dada a sua pretensão desmedida –, trata-se ao menos de mais um trabalho de bom gosto de Terrence Malick.

 Woody Allen, por “Meia-noite em Paris”
Woody Allen realmente cria um filme com certo charme. O que mais chama a atenção do espectador é o modo eficiente com o qual o diretor transita temporalmente a sua trama, ora colocando em Paris, na atualidade, ora a situando nos anos 20. A fotografia acrescenta bastante charme à história e os atores, não em grandes momentos, mostram-se eficientes. Woody Allen conseguiu criar uma obra que tem carisma, mas definitivamente é pega-sabrina, sendo, a meu ver, o diretor que menos deveria estar nessa lista.

Luís
Concorda com a Academia: não.
Quem deveria ter vencido: Terrence Malick. Apesar de seu filme ser provavelmente o mais pedante dentre os indicados a Melhor Filme – aliás, provavelmente um dos mais pedantes da década que há de vir! –, Terrence Malick apresentou um cuidado técnico e artístico de conectar cada cena fluentemente, causando uma sensação de fluidez na maior parte do seu filme. Ademais, mostrou refinamento no cuidado com as imagens, na delicadeza de como filmar algumas cenas – nem mesmo o carisma que imprime falsa qualidade à obra de Woody Allen consegue ser tão impressionante quanto o produto da obra de Malick.