30 de dez. de 2011

Carnage

Carnage. França / Alemanha, 2011, 77 minutos, comédia. Diretor: Roman Polanski.
Um filme singelo, com alguns momentos engraçados, alguns dramáticos e um bom desempenho dos atores em situações bastante inesperadas.

Eu estava ansiosíssimo para assistir ao filme Carnage, ainda sem título definido no Brasil, justamente por causa do maravilhoso elenco e do diretor, que nos trouxe, entre outras obras, a interessante produção “O Bebê de Rosemary”, de 1968, estrelando Mia Farrow num filme de terror genial. Decerto a reunião dos intensos Jodie Foster (“O Silêncio dos Inocentes”), Kate Winslet (“O Leitor”) e Christopher Waltz (“Bastardos Inglórios”) resultaria num filme bastante positivo, mesmo que houvesse com eles o mediano - e às vezes irritante - John C. Reilly (“Chicago”). Pois bem, apesar das minhas ânsias, o filme não estreou aqui na minha cidade nem eu nenhum lugar no Brasil, eu acho; baixei-o, pois, e o conferi.

Toda a parte substancial da história se passa num apartamento e isso acontece praticamente do começo ao fim da trama, havendo apenas um pequeno prefácio e um posfácio, mas que nada acrescentam verdadeiramente à trama. Assim, ficamos focados em pouco mais de uma hora na qual os personagens se reúnem para discutir a situação de seus filhos, já que Zachary, filho de Nancy e Alan (Winslet e Waltz), agrediu Ethan, filho de Penélope e Michael (Foster e Reilly), com um bastão, prejudicando-lhe os nervos dos dentes. O encontro dos pais consiste basicamente em discutir o porquê de aquilo ter acontecido além de tentar encontrar uma alternativa para que os filhos se encontrem e possam se desculpar. Mas o que eles percebem é que eles mesmos não sabem exatamente como lidar com a situação, já que deixam a todo o momento transparecer os seus descontentamentos com a discussão e com o novo rumo que ela toma bem como demonstram os problemas que trazem em seus casamentos.

 Quatro pessoas e um suposto encontro "civilizado".

Talvez a característica mais notável seja o fato de que todos estão ali desconfortáveis por estar ali. Nem mesmo os anfitriões estão totalmente à vontade naquela conversa, que percorre caminhos tortuosos à medida que eles passam mais tempo juntos. Cabe ainda apontar a evidente desatenção de Alan, que fica falando no celular devido ao seu trabalho, o que apenas prolonga a estadia do casal convidado na casa do outro casal - e o que apenas acrescenta ainda mais tensão e incômodo aos outros três personagens, que, num determinado momento, já se mostram bastante irritados com aquela situação de constante interrupção. Curioso notar a rápida mudança de comportamento dos interessados - a princípio, a calmaria e a compreensão parece predominar, não sem acompanhá-las também alguma dose de tensão, mas logo, em parte por causa da insistência de Michael para que tomassem café ou comessem torta ou ainda comesse pizza faz com que os dois casais fiquem por mais tempo juntos, dividindo algumas experiências e discutindo assuntos paralelos - como o fato de os homens terem sido “líderes de gangues” quando pré-adolescentes e o recente abandono do hamster da família Longstreet por Michael -, que inevitavelmente levam a discussões mais pesadas a respeito da índole de cada um dos personagens.

Nota-se com facilidade que não há como culpar os pré-adolescentes pela briga que tiveram quando seus próprios pais não conseguem chegar a um acordo pacífico, discutindo um casal com o outro e ainda entre si mesmo. Mais interessante do quando Nancy discute com Michael ou Penélope com Alan é quando Nany e Penélope discutem com seus respectivos maridos, criando aí um clima que trespassa a rincha do “meu filho agrediu ao seu”. Percebemos que os personagens vivem problemas de alicerce mesmo e trazem consigo incômodos que pouco têm a ver com a situação problemática vivida por Zachary e Ethan no parque. Como percebemos ao longo do filme, a carnificina sugerida no título original e no meio de um diálogo entre Penélope e Alan, não precisa acontecer num espaço aberto, com as pessoas armadas com bastões ou cercadas por gangues - ela pode perfeitamente acontecer numa sala de estar, entre pessoas ditas civilizadas, enquanto se servem aperitivos e bom uísque - puro malte 18 anos - e cercados por tulipas amarelas e revistas de história de arte e de culturas não-ocidentais. 

 Nancy depois de ter vomitado e estragado as revistas de arte de Penélope e também a roupa do marido.


Me vem uma dúvida quanto à categoria a que o filme pertence. Parece que o drama é a principal característica dele, mas percebo que, na verdade, os elementos do filme o levam a uma tensão dramática que reside não apenas nas situações em si, mas também nesses próprios elementos. Por exemplo, Nancy passa mal devido a dores no estômago e, para ajudá-la, Penélope lhe oferece coca-cola quente, o que, notoriamente, não é uma idéia muito sábia; o resultado: Nancy vomita na sala, sujando Alan e Penélope além de deixar a sala imunda - isso para não falar das revistas de arte da anfitriã - e com mau cheiro. A situação é hilária, principalmente pelo vômito absurdamente inesperado e pelo resultado daquilo: Alan se irrita com o outro casal, por ter ficado oferecendo comida a todo o tempo e também com a esposa, que sujou a roupa com a qual ela compareceria a uma entrevista àquela tarde; Penélope fica enfurecida pelo que aconteceu às suas revistas, Nancy fica totalmente envergonhada pelo que houve e Michael se mostra o único a tentar intermediar a situação, tornando-a um pouco mais suave. Vemos claramente que o cômico e o dramático confluem, havendo bom humor no drama bem como há tensão na vertente cômica.

Como disse no primeiro parágrafo, os atores Kate Winslet, Jodie Foster e Christopher Waltz mostram-se bastante competentes e John C. Reilly, o único mediano do elenco, consegue sustentar-se nesse filme, embora esteja aquém dos colegas de elenco. Não se pode negar que o ponto forte do elenco são as duas mulheres, que praticamente definem todo o andamento do filme, com direito a dois bons momentos, que é quando Nancy discute com Michael a respeito de ele tê-la acusado de negligenciar a educação do filho quando ele mesmo havia abandonado um animal indefeso à sorte, o que provavelmente o levaria à morte, e depois quando Penélope e Michael discutem a respeito de suas perspectivas de vida, numa atuação arrepiantemente singela, que me provou o porquê de Foster ter conquistado uma indicação ao Globo de Ouro e o que me fez pensar bastante se ela, talvez, considerando evidentemente todo o conjunto de sua atuação nesse filme, não merecia a quinta indicação ao Oscar, ao lado dos potenciais nomes de Viola Davis, Michelle Williams, Glenn Close e Meryl Streep. Mas tão humilde que está a divulgação dessa produção que decerto ela não estará entre as indicadas.

 Jodie Foster e Kate Winslet: a vertente dramática e a vertente cômica, respectivamente.

Roman Polanski conseguiu construir uma verdadeira selvageria em ambiente urbano. Nem mesmo o aspecto extremamente cívico do apartamento fez com que seus personagens agissem também cívica e pacificamente, embora eles aleguem isso umas duas vezes. O diretor foi sensato também em não estender a história do que o necessário: em 77 minutos, ou seja, uma hora e dezessete minutos, vemos todos os problemas dos personagens naquele que eles garantem ser “o pior dia” da vida deles. Também devo elogiar o cuidado em não caracterizar os personagens, uma vez que aqui o trabalho entre diretor e elenco foi fundamental para que não víssemos os personagens como criaturas inverossímeis - e isso definitivamente não acontece: somos absurdamente capazes de nos enxergarmos nas atitudes deles. Polanski, pra acentuar o humor do filme, até aparece num cameo: é ele o vizinho que abre a porta quando Nancy está gritando no corredor dos apartamentos. Enfim, o misto de humor e drama me cativou, embora eu não ache que seja essa a melhor interpretação desses atores nem ache que esse seja o melhor filme de Polanski. Mas me soou inegável que seja uma obra interessante para se assistir e, ainda, para ver o excelentemente desempenho de Jodie Foster, que há algum tempo não me impressionava.

28 de dez. de 2011

Desenrola


Brasil, 2011, 88 minutos, comédia. Diretora: Rosane Svartman.

Uma obra bastante simples, com deslizes imensos no roteiro, alguns personagens bastante chatos, mas, como um todo, funcional e simpático graças aos atores.

O Brasil tem apostado bastante nas abordagens cinematográficas de histórias sobre adolescentes. Somente esse ano, além do título dessa resenha, vimos também “As Melhores Coisas do Mundo”, “Antes que o Mundo Acabe” e “Os Famosos e os Duendes da Morte”. Essa produção - “Desenrola” -, cujo roteiro é de autoria da diretora e de Juliana Lins, aborda a vida de Priscila, de 15 anos, que anseia perder a virgindade bem como quer envolver-se com Rafa, um dos garotos mais bonitos da cidade. Com a viagem da mãe à trabalho, a garota ficará sozinha na casa por aproximadamente 20 dias, período no qual ela tem que lidar com um trabalho em grupo cujo tema é virgindade além de lidar com um garoto, o Boca, que espalhou que ele e ela transaram.

A primeira coisa que pensei a respeito desse filme é: “mais um filme adolescente sobre jovens querendo perder a virgindade?”. Cheguei à conclusão de que jovens só pensam nisso - a adolescência é toda voltada para o sexo. Pessoas de 15 anos com pensamento político, que praticam a solidariedade, que gostam de arte e cultura, que viajam, que fazem peregrinação não existem. Se o filme quer tratar temas políticos, crianças são a metáfora para esse assunto, como vemos em “Machuca”; se o filme for do John Hughes, veremos adolescentes menos toscos e com maiores problemas na vida; se as pessoas têm outro foco que não o sexo, então parece que obrigatoriamente devem já ter passado dos 20 anos - abro aqui a exceção para o escroto “Qualquer Gato Vira-lata”. Os adolescentes no Brasil pensam em sexo, sobretudo, e perder a virgindade é algo essencial na vida - como Priscila bem diz num momento em que está quase morrendo: a única coisa que não podia era morrer virgem. OK, então.

 Dois personagens incapazes de conquistar a nossa simpatia.

Esse filme se perde um pouco nesse debate já desgastado do adolescente burguês cujo único drama pessoal é ser virgem. Ainda que o roteiro não se foque exclusivamente nisso, esse mote acaba soando repetido ao espectador e os resíduos dele que aparecem intercalados a outros assuntos dramáticos acabam tornando o filme menor. Também há a centralização da história no pseudo-romance entre Priscila e Rafa, numa história que notadamente não se desenvolve, mas, apesar de sua deficiência, toma mais da metade do filme, ignorando elementos-problema que são absurdamente mais interessante, como a aparente homossexualidade de Caco, o melhor amigo de Priscila, e a gravidez da irmã de Rafa. Sei que gravidez na adolescência, assim como drogas, são assuntos já desgastados, ainda que mais em debates monótonos supostamente instrutivos nas escolas do que cinematograficamente, mas já que o sexo sem camisinha surgiu em questão, poderiam tê-lo abordado com maior fraqueza e menos medo. Digo o mesmo acerca do personagem homossexual - o assunto surge tímido e logo morre, sem qualquer expansão para um debate mais sério. Enquanto isso, a Priscila está lá, correndo atrás do pinto do Kayky Brito do Rafa.

Outro grande problema do filme é o Boca, um personagem que deveria se contrapor inicialmente à Priscila e ao espectador e, pouco a pouco, conquistar tanto a garota quanto a n os, fazendo- com que todos percebam que, no fim, o que importa é estar ao lado de alguém que saiba reconhecer o nosso valor (clichê, né? Pois é...). Isso, porém, é dificílimo de acontecer, porque, infelizmente, o personagem é ridículo e incômodo e o mesmo se aplica ao seu melhor amigo, que consegue ser ainda pior que ele. Assistindo a alguns filmes, concluí que sempre existe um amigo desagradável para perturbar um personagem já escroto - basta vermos “Qualquer Gato Vira-lata”, esse filme resenhado agora e todos da série “American Pie”. Só não incluo aqui o Stuart, de “Três Formas de Amar”, porque Eddie, o protagonista, é um personagem bem bacana. Enfim, o que queria dizer é que é difícil simpatizar com uma criatura tão abominável e destoante como Boca, mas como era necessário um par para romance, não apenas para sexo, aí o jeito foi colocá-los juntos mesmo. Detalhe: para que os olhos do garoto fossem aberto, é necessário o conselho de uma mulher mais velha, uma prostituta simpática - decerto é o diálogo mais curioso do filme, já que ele não representa nada além de ser patético.

 Priscila e Rafa: embora não sejam grandes personagens, não bastante simpáticos.

O filme começou e a primeira coisa que eu pensei, tendo assistido a apenas 4 minutos de filme, foi que a atuação de Claudia Ohana seria provavelmente a mais sincera ali. Isso porque ela aparece como mãe de Priscila por breves segundos ao começo e ao final do filme. Mas depois percebi que todos os atores são simpáticos em suas interpretações, cabendo dúvida apenas quanto às participações de Juliana Paes e Heitor Martinez, que não se sabe o porquê de estarem ali. Os outros - Claudia Ohana, Marcelo Novaes e Letícia Spiller - realmente trazem simpatia ao filme e mostram-se elementos de melhoria no filme. Sem os momentos dos quais eles participam, estaríamos mais propensos a achar que os personagens são todos estereotipados. Mesmo a participação de Kayky Brito não é negativa - mesmo seu personagem sendo bastante indisponível sentimentalmente, ele é carismático e faz com que nós não nos incomodemos com ele. O problema, obviamente, está no modo rápido como ele e Priscila se envolvem, ofendendo qualquer espaço temporal coerente.

O filme é dotado de momentos desnecessários, mas não se trata de uma perda de tempo. É uma obra de caminhar suave, de narrativa prazerosa e de entretenimento mais palpável do que, por exemplo, aquele que o filme “As Melhores Coisas do Mundo” nos proporciona, ainda que esse tenha qualidade maior. Mesmo caindo em muitos clichês, os atores tentam segurar a história e nos apresentam atuações que merecem alguma valorização, em especial a da protagonista Olívia Torres, que se junta bem numa química interessante com todos do elenco, e que, a somar, tem um sorriso sinceramente lindo. Acredito que não seja um filme que faça com que olhemos mais atentamente para o cinema nacional, mas pelo menos não o deprecie e ainda traz alguma diversão ao espectador - vale a pena vê-lo num dia em que não há muito que fazer, numa noite chuvosa sem expectativas.

26 de dez. de 2011

O Preço do Amanhã

In Time. EUA,  2011, 109 minutos, sci-fi. Diretor: Andrew Niccol.

O filme consegue trazer uma metáfora interessante a respeito do consumismo e ainda tem um ritmo interessante para se sustentar do seu começo ao filme. Não é uma obra-prima, mas não é um filme de ação como muitos que são lançados a cada ano.

Assim que li a respeito desse filme, pensei que seria “apenas mais um”. Havia alguma coisa na sua sinopse e nas informações técnicas que me fazia pensar que seria bem chatinho, até mesmo desnecessário. Mas resolvi dar uma chance ao filme e assisti às quase duas horas de ficção, na qual o tempo é o produto mais consumido - ele é fundamental para tudo e todos vivem em função dele: os trabalhadores querem mais tempo, os ricos o têm de sobra, o roubo de tempo nas periferias acontece sempre. No futuro registrado pelo filme, os avanços genéticos permitiram que as pessoas não envelhecessem além dos 25 anos e, chegado o vigésimo quinto aniversário, um relógio no pulso começava a marcar a quantidade de tempo que a pessoa tinha até sua morte: um ano. Então, é necessário acumular mais tempo a fim de viver mais.

 Gente rica demais e segurança de menos: roubar bancos nunca foi tão fácil.

O roteiro é também do diretor, então Andrew Niccol assina tanto a direção quanto o enredo. Na trama, ele se ocupa em mostrar a exploração dos personagens de uma das área mais pobres - eles são a classe operária de cuja vida é arrancado o máximo de trabalho possível e a quem se oferece pouquíssimo tempo (“dinheiro”) pelo esforço físico. Indubitavelmente, eles representam o grupo mais desvalorizado de pessoas e, por conseguinte, são aqueles que mais buscam uma estrutura capitalista como aquela na qual vivem. Excelente a idéia de transformar dinheiro em tempo, até porque vivemos justamente isso, com a diferença é que tempo continua sendo tempo enquanto dinheiro é fisicamente dinheiro, numa confluência bem menor do que a situação mostrada no filme. Os primeiros trinta minutos do filme se focam no personagem de Will Salas, um rapaz de 27 anos sempre acostumado a viver um dia por vez - isso porque o máximo de tempo que sempre tem é 24 horas. Sua vida se desestrutura depois de dois eventos: a morte da mãe, cujo tempo acabou subitamente devido aos valores exorbitantes cobrados pelos serviços públicos (transporte, saúde etc.), e o encontro com um homem que tinha um século de vida já vivido e outro século para viver. O homem, já cansado dessa imortalidade, passa todo o seu tempo a Will e depois se mata, deixando o jovem com tempo suficiente para ir em busca do que quer: “reforma agrária” do tempo.

A mudança de área, da mais pobre para a mais rica, e o fato de que a polícia e o Guardião do Tempo assume que Will roubou o homem de 100 anos reservados fazem com que o personagem passe a ser perseguido. Mais pra frente, encontra-se com Philipe Weis, um bilionário quase centenário, com quem se envolve num jogo de pôquer e de quem consegue mais uma boa quantidade de tempo. No entanto, acaba descoberto durante uma festa e, visando uma fuga mais segura, usa Sylvia Weis como refém. A garota, até então encantada pelo jeito altivo de Will, agora teme o comportamento dele e as conseqüências daquilo - estão, afinal, voltando para a área mais pobre, onde ela - com uma década acumulada - se tornará facilmente um alvo da máfia do tempo. É interessante notar que o roteiro basicamente se divide em dois momentos, retratando a expansão de Will para territórios além do que é naturalmente dele, e depois na relação de Will com Sylvia e na relação dos dois com os perigos que o cercam. A opção por nos fazer simpatizar com o personagem e com a situação dele antes de levá-lo aos extremos é inteligente, já que assim nós temos mesmo a impressão de que sabemos um pouco mais sobre ele em vez de simplesmente nos vermos na situação de meros espectadores de sua correria.

 Não importa a situação - ela sempre está de salto e fazendo loucuras!

Andrew Niccol também optou por não dar muita atenção aos momentos dramáticos, preferindo que a discussão a respeito dos dramas pessoais aconteçam pela ação e não necessariamente pelas atuações. Acho que isso foi um acerto, pois se escolhesse enfurnar a ação dando mais espaço pro drama decerto veríamos algo meio desastroso e incoerente. Até porque acho que os protagonistas não sustentariam bem o filme se ele fosse mais dramático - concordo que os dois são esforçados, percebemos que eles tentam o tempo todo não derrabar nos cacoetes de atuação, mas daí a atuar com todo empenho dramático é forçar a barra. Justin, que já havia mostrado em The Social Network que pode ser um bom ator, aqui também mostra que consegue lidar bem outro gênero (embora, convenhamos, ele está péssimo na comédia Bad Teacher!). Amanda Seyfried, por sua vez, já percorreu vários gêneros - comédia musical em Mamma Mia!; thriller em “O Preço da Traição”, romance em “Cartas para Julieta” - e mostra que ela também consegue participar de uma ação. E também prova que é plenamente capaz de realizar qualquer coisa - inclusive saltar e correr pelos telhados - de salto alto!

O filme de Andrew Niccol não é uma obra-prima, definitivamente. Mas ele tem ritmo adequado ao gênero, tem uma proposta de roteiro que extravasa o senso-comum, embora, claro, haja alguns defeitos ao longo da história - como o fato de os protagonistas serem imbatíveis e de os bancos contarem com tão ínfima proteção. Não é filme de se jogar fora e acho que ele facilmente entretém o espectador, desde que esse não espere uma super trama cheia de reviravoltas nem um filme todo complexo. E talvez a sua linearidade e simplicidade, agregadas a uma dinâmica interessante, sejam os principais motivos pelo filme ter dado certo.

24 de dez. de 2011

Precisamos Falar sobre Kevin

We Need to Talk about Kevin. Reino Unido, 2011, 112 minutos, drama. Diretora: Lynne Ramsay.

Mal a década começou e Tilda Swinton já nos presenteia com uma das melhores atuações do cinema. Apesar de algumas falhas, esse filme é potencialmente um dos mais bem desenvolvidos em 2011.

Começaram as divulgações dos indicados às premiações e o nome de Tilda Swinton apareceu aqui e acolá, mostrando que não apenas os cinéfilos, mas também os críticos vêm gostando bastante do seu trabalho nessa produção britânica, que transpôs o material literário homônimo de Lionel Shriver, datado de 2007, para a as telas, nos contando cinematograficamente a história de Eva Katchadourian, uma mulher que não via a maternidade como fonte de felicidade, mas, tendo tido Kevin, dedicou-se à relação com o filho, que se mostrava cada vez mais perturbada, fosse pela índole já naturalmente perigosa do garoto, fosse pela reciprocidade do desafeto entre o jovem Kevin e a mãe.

É necessário, sobretudo, compreender a situação de Eva antes de chegarmos ao momento em que ela se vê em intenso conflito com seu próprio filho. Percebemos pelo filme que a sua juventude foi extremamente liberal, na qual ela se entregou a situações que considerava prazerosas - festas orgiásticas, conversas regadas a bebidas, muito cigarro, muita caminhada na chuva. Isso ao lado de seu namorado e posteriormente marido, Franklin, com quem viria a ter o pequeno (e monstruoso) Kevin. De certo modo, temos a impressão de que o casamento trouxe consigo um refreamento dos instintos libertários da personagem e que ela, adotando um “estilo de vida” mais centrado e menos expansivo. A somar, vem uma gravidez, que parece limitá-la ainda mais àquela vida que definitivamente não combina com ela. Basta que vejamos dois momentos seus: ela nas festas e fumando com o namorado e depois, já grávida, com o olhar baixo, no rosto uma expressão de acatamento. Não quero, claro, justificar o futuro comportamento do seu filho, mas é inegável que ela própria não se sente à vontade na situação na qual se encontra e provavelmente deixaria transparecer a sua insatisfação com o casamento e com a maternidade mais para frente, o que potencialmente afetaria o seu filho, tornando-o mais distante dela e, talvez, mais predisposto a irritá-la, já que poderia nunca se sentir amado o suficiente.

 Um dos vários momentos em que há desconforto entre mãe e filho.

É inegável que existem três fatores que levam ao fracasso pessoal da vida de Eva, como vemos no filme. O primeiro deles vem dela própria: insatisfeita, ela carrega seu descontentamento para a vida. O segundo vem da casualidade, como vemos na longa cena em que ela passeia com a criança que não pára de chorar. Não se pode atribuir culpa a um recém-nascido; o fato de a criança não parar de chorar é realmente casual, poderia ter acontecido com ela ou com outra pessoa, tudo depende de uma série de coisas envolvendo o bebê, como o nível de fome, de conforto, se tem cólicas ou não etc. É inevitável não achar que foi proposital a choradeira, principalmente quando logo depois o pai o pega e ele fica quieto, embora a mãe tenha tentado isso durante toda a tarde. Aliás, nesse momento há espaço para uma cena maravilhosa, de extrema sensibilidade, justamente por estéticas opostas, que contrapõe a questão física e a questão semântica: já sem poder mais agüentar os choros de Kevin e passeando com ele há muito tempo, Eva para perto de uma britadeira e fica ali ouvindo o som da máquina contra o solo, estando evidentemente mais à vontade com os ruídos terríveis do que com o choro do filho.

Não podemos, porém, ignorar o terceiro fator, que é, a meu ver, aquele que realmente dá mote ao filme, que transforma a vida de Eva num verdadeiro inferno: seu filho a odeia. Simplesmente, o que ele sempre é ódio e esse sentimento começa na infância e se estende até a vida adulta, mesmo depois de Kevin ter se tornado a ameaça não apenas iminente, mas também comprovada. Esses três fatores são bastante visíveis e já se evidenciam no começo da trama, já que ela, por não seguir uma linearidade, já nos permite saber que Eva teve seu momento de felicidade (anterior ao casamento); seu momento de instabilidade, quando suspeitava de que Kevin não se portava normalmente; o seu momento de dor, quando constata que o filho foi responsável por um homicídio em massa no colégio, quando ele tinha 15 anos; e, por fim, o seu momento de fracasso extremo, quando ela se torna alvo da raiva de todos que perderam seus filhos vitimados pelo filho dela. E o mais importante disso é dizer que Tilda Swinton consegue diferenciar com extrema eficiência cada um desses momentos, mostrando talentosíssima nesse filme e indubitavelmente provando que é uma grande atriz. 

 O momento de choque: a descoberta do que Kevin fez.

A força do filme se encontra em dois elementos: na monstruosidade de Kevin e na atuação de Swinton. O roteiro explicita muito bem que a criança é realmente perigosa, havendo nele desde cedo uma raiva iminente, algo descontrolável contra a mãe, perturbando-a tanto quanto pode. É notável que suas ações visam exclusivamente incomodá-la - as tantas vezes que suja a casa como pirraça, o modo não a responde adequadamente, as suas atitudes evasivas e a sua constante má vontade, enchendo as suas falas de agressões. Todos os intérpretes de Kevin conseguiram resumir a potência destrutiva do personagem no olhar e nos pequenos detalhes, de modo a não tornar o personagem caricato.  Todos souberam bem como trabalhar os detalhes e eles realmente trouxeram à tona o que há de maligno em Kevin. Evidente que o fato de a mãe nunca ter lhe amado totalmente é um elemento essencial ao comportamento do jovem, mas percebemos que existe uma naturalidade muito grande nele - é naturalmente mau, é ruim de nascença. Tilda Swinton sustenta praticamente o filme nas costas, não apenas por ser a protagonista, mas porque parecia determinada a dar o melhor de si - não é à toa que tem conquistado a todos pela sua belíssima performance como Eva Katchadourian. Difícil apontar uma cena de destaque, já que em todas a atriz está excepcionalmente bela, decerto num de seus melhores trabalhos artísticos que, indubitavelmente, deve lhe render alguns prêmios. O filme só não é uma maravilha nas atuações porque John C. Reilly realmente não ajuda. Sua interpretação como Franklin, o pai de Kevin, deveria nos fazer compreender que o filho realmente se porta de modos diferentes com o pai e com a mãe. Mas a figura de Reilly em cena faz com que o associemos a esses pais bobões que acham tudo bonito e que só defendem as criancinhas, e não como o pai que verdadeiramente vê no filho uma criança amável porque a criança é, sob sua perspectiva, adorável. Esse é um problema, porque quando contracena com Swinton, parece que a personagem dela é tosca e problemática e não que ela percebe haver um erro no Kevin, que, como percebemos, em ironia máxima com o título, nunca é o foco de nenhuma conversa.

Honestamente, acredito que esse filme foi uma das mais agradáveis surpresas do ano. Para mim, dificilmente outra atriz conseguirá se equiparar ou superar a maravilhosa performance de Tilda Swinton bem como poucos filmes apresentaram abordagem tão sincera quanto essa. Mesmo que a falta de linearidade do roteiro seja um problema - seria bem mais interessante ver começo, meio e fim, a fim de evitar rodeios desnecessários -, essa produção se revela um filme forte, que não se restringe a um bom aspecto técnico ou artístico, mas que se expande e oferece ao espectador quase duas horas de um deleite bastante tenso. Ao final, a pergunta que fica é: adiantaria se tivessem conversado sobre Kevin?

22 de dez. de 2011

Mães e filhos: uma relação de conflito

Convidei há algum tempo o Darlan para que escrevesse para o blog um artigo que abordasse as relações conflituosas entre mães e filhos - um tema que vem sendo abordado tanto no cinema quanto na literatura há bastante tempo. O seu corpus se dá pelos títulos cinematográficos "Sonata de Outono", "Gente como a Gente", "Preciosa" e, no campo literário, pelo título "Electra". Aproveitando também, esse texto serve como introdução à próxima resenha, "Precisamos Falar sobre Kevin". Gostaria de agradecer ao Darlan por ter aceitado participar e pelo belo texto que escreveu, além de já informar que ele decerto será convidado outras vezes.
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por Darlan Xavier Nascimento 
 
Quando fui convidado a escrever um artigo para o blog Literatura e Cinema, achei que era sarcasmo do dono do blog, pois, me conhecendo, sabia dos problemas familiares pelos quais já passei, por diversas razões. Um tema como “mães e filhos em conflitos” me vem à mente sempre que me lembro do que já vivi (é importante ressaltar que uso o verbo no pretérito). Hoje em dia, tenho uma relação maravilhosa com minha mãe. Ela é bróder.

 Ingrid Bergman: uma mãe incapaz de notar as próprias filhas.
           
Interessantes sugestões de obras para comentar foram as que recebi, pois, em cada uma, vemos uma faceta diferente desse estereotipão que existe acerca das mães. Muito se fala sobre o sentimento maternal que a mulher desenvolve ao descobrir que está em gestação. O tema da dissertação de mestrado de Caroline Rossato Pereira (2006), da UFRGS, foi exatamente uma análise sobre as impressões do relacionamento mãe-filho durante a gravidez, e ela chegou à conclusão de que a gestação “[...] traz às mães a necessidade de uma redefinição em seu papel.” (PEREIRA, 2006). Esse, definitivamente, não é o caso de Sonata de outono, filme bergmaniano de 1978, que mostra o frágil relacionamento entre a renomada pianista Charlotte Andergast (Ingrid Bergman) e sua filha Eva (Liv Ullmann), que toma também as dores da irmã portadora de necessidades especiais Helena (Anna Lena Nyman). Charlotte nunca esteve presente na vida das filhas, por conta das inúmeras viagens de trabalho. Não houve redefinição de sua vida profissional em detrimento das filhas, o que, de certa forma, influenciou a personalidade de Eva (timidíssima). Mas, ao longo do filme, percebemos que a timidez não passa de máscara para ressentimentos relacionados a esse distanciamento. A cena mais forte do filme é a lavagem de roupa suja entre Eva e Charlotte, em que todas as mágoas são desengolidas para grande clareza dos fatos. O ar de sofrimento parece ser reforçado pela fonética da língua sueca (idioma do filme), que, cheia de tepes e sons guturais, forma o que nós diríamos ser uma língua agressiva (assim como o alemão...). O choro quase contido de Eva misturado com tais sons cria um ambiente desesperador. Filme difícil de engolir.

 Mo'Nique: a mãe-monstro, que, por ciúmes, odiava a filha.
           
E quando penso em como é difícil a vida de Eva, me vem à cabeça o segundo filme da lista: Preciosa: uma história de esperança (2009). Claireece Preciosa (Gabourey Sidibé) tem a vida – com perdão da palavra – mais fodida que posso imaginar: além de ser analfabeta, pobre, negra e obesa (o que provoca sua marginalização na sociedade norte-americana), Preciosa é uma adolescente grávida do segundo filho (ambos oriundos de relações forçosas com seu pai!). Como se não bastasse só (?) isso, o relacionamento dela com a mãe Mary (Mo’Nique) é completamente conturbado. A mãe odeia a filha por ciúmes, já que o pai só trepa com a filha. Assim como em Sonata de outono, a parte mais emocionante do filme é a revelação, a exposição dos sentimentos. Mas aqui a protagonista é a mãe – e não a filha –, o que rendeu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante de 2010 para Mo’Nique. Aqui aparece um segundo tipo de mãe: aquela que prova o determinismo: o ambiente denegrido (para ser eufêmico) determina essa relação mãe-filha, sujeita a atritos constantes pelo inconformismo socioeconômico. Os únicos momentos felizes de Preciosa são os de sua própria ilusão, quando ela se vê no lugar de mulheres de sucesso, mas essa válvula de escape não se sobrepõe, infelizmente, à realidade.

 Mary Tyler Moore: uma mãe que só conseguiu amar ao filho mais velho.
           
O terceiro tipo de mãe que entra em foco agora é aquela que culpa o filho pela ruína da família, e é o caso de Gente como a gente (1980), cujo nome original é Ordinary people, mostrando que isso pode acontecer a qualquer instante com qualquer família. Conrad Jarrett (Timothy Hutton) se diz culpado pela morte do irmão e tem de ser submetido a terapia para conseguir lidar com a situação. Isso não é explícito, mas percebe-se que a mãe Beth (Mary Tyler Moore) preferia o filho falecido, e, para ela, é difícil ter de suportar a morte de seu ente querido além dos problemas psicológicos do outro (não se sabe se ele foi realmente culpado pelo acidente que matou o irmão). A preferência pelo primogênito remonta à época do Antigo Egito, em que a décima praga era exatamente a morte do filho homem mais velho de cada família. Falando psicologicamente, Keller e Zach (2002) sugerem que exista essa diferenciação entre primogênitos e os outros filhos como forma de atribuição de status social. Além disso, eles inferem que isso exista como forma de investimento dos pais, para que pelo menos um dos filhos da prole tenha sucesso e dê prosseguimento à linhagem familiar.
            
 A morte de Clitemnestra, a pedido de Medeia, sua filha.

A quarta obra a ser analisada é Electra (século V a.C.), também vista pela ótica psicanalítica: o termo “complexo de Electra”, colocado em voga por Karl Jung e baseado nessa peça teatral de Sófocles, representa a relação mãe-filha em que há uma identificação tão grande que, mesmo que inconscientemente, a filha tem a tendência a querer destruir a mãe para poder possuir o pai para si. E esse é mais ou menos o resumo da história: Electra convence Orestes, seu irmão, a matar a mãe (Clitemnestra), para vingar a morte do pai (Agamênon). Paira aí a dúvida: por que tanta revolta pela morte do pai? Seria por puro sentimento filial, ou seria já um estágio mais avançado de amor? Esse tipo de relação entre mãe e filha atinge o limiar da doença e da demência afetiva, idiossincrasia do drama grego.
           
O que se nota, de maneira geral, é que cada caso é um caso. Apesar de influências externas (cultura, socioeconomia) serem relevantes na construção da família enquanto instituição que compõe a sociedade, as internas (presença de pai ou não, por exemplo) empregam mais ênfase. Claro que todas as histórias citadas são meros exemplos, mas formam o estereótipo mais genérico – e cruel – sobre a relação entre mães e filhos: a exacerbação do sentimento. Agora, se essa explosão sentimental é positiva ou negativa, a visão que um tem do outro determina.

20 de dez. de 2011

A Pele que Habito

 La Piel que Habito. Espanha, 2011, 115 minutos, thriller. Diretor: Pedro Almodóvar.

Quando todos elogiavam sem parar o filme, duvidei de sua qualidade aparentemente inquestionável. Ao vê-lo, concluí tratar-se de uma das melhores obras do Almodóvar!

Sou fã de Almodóvar e usualmente encontro em suas obras um deleite magnífico, seja num roteiro excelente que trabalha o psicológico dos personagens, seja em sua direção não-conservadora e bastante ousada. Vemos temas bastante delicados em suas obras, como incesto, estupro, adultério - mas, honestamente, penso que seja com La Piel que Habito que Almodóvar trouxe a sua maior polêmica. A obra não-linear nos apresenta um médico-cirurgião que se encontra obcecado por sua magnífica pesquisa: uma pele resistente que substitui - ou melhor, se sobrepõem - a pele verdadeira, possibilitando, como vemos, reconstituições da face ou, ainda, modificação dela.

Acredito que será difícil discorrer acerca do roteiro, porque muito do filme se constrói e ele todo é o seu próprio mote. Assim, é difícil apontar partes “essenciais” dele sem dar spoilers, mas adianto desde já que é inevitável não revelar detalhes reveladores do filme - se você ainda não viu, recomendo não continuar a leitura. Pois bem, a primeira meia hora do filme é justamente aquela na qual se verifica a semente da dúvida que nos é implantada: parece que tudo o que está ali está deveras concluso e não há o que acrescentar, assim, ao término do primeiro quarto de filme, ficamos pensando no que virá a seguir e quais novas informações serão acrescentadas àquilo que já vimos. Basicamente, temos conhecimento de que o Dr. Robert mantém uma garota em cativeiro, embora a relação deles não seja exatamente a de carcereiro e prisioneiro. A curiosidade do espectador é causada justamente por essa dubiedade na relação dos dois e, ainda, pela presença curiosa de Marília, a governanta da casa, que, lá pelos trinta minutos, confessa à Vera, a encarcerada, um pouco da história de Robert e o porquê de ela, Vera, ter sido confundida com Gal, a esposa falecida do médico.

 Vera e Robert, perto do clímax final.

A mistura de flashback com o ar de mistério da narrativa da governanta estende a curiosidade de Vera ao espectador. Somos, naquele momento, todos ouvintes atentos do que a senhora tem a dizer. Num corte, finda-se o “primeiro ato” e somos levados ao passado, seis anos antes da narrativa que dá início ao filme e seis anos depois da morte de Gal, a esposa de Robert. Lá conhecemos um evento que transtornou Norma, filha de Robert, levando-a à morte por suicídio e fazendo com que Robert se encontra, por fim, na decisão que o levaria a extremos e a qual Vera está relacionada. Confesso que achei os trinta primeiros minutos bastantes mornos e prolongados, embora, obviamente, houvesse aquela característica almodovariana que prende o espectador ao que está sendo narrado. Não fosse também o charme de Antonio Banderas, eu teria achado o prólogo bastante comum - algo que definitivamente não combina com o diretor. Então, o novo ato trás consigo uma amostra valente de perspectivas: primeiro vemos o pensamento de Robert acerca da situação, depois vemos o que verdadeiramente aconteceu (algo semelhante acontece em Atonement). Daí pra frente a história deslancha e conhecemos por fim o homem sem escrúpulos que o médico é e o seu plano de vingança, que, como veremos, se encerra muito shakespeariano (quem conhece as pessoas desse autor sabe do que eu falo).

Honestamente, a sua vingança é, a meu ver, um das mais geniais já realizadas. A transformação de Vicente, o suposto estuprador de sua filha, em Vera é um dos argumentos mais assustadores e mais bem trabalhados que eu já vi em cena. Interessante também notar que há aqui um jogo de verdades que frustram e amedrontam o espectador: Vicente não estuprou Norma, filha de Robert, logo não cabia que fosse punido por esse crime, já que ele não chegou a acontecer; por outro lado, Vicente é a pessoa que causou o distúrbio em Norma, fazendo-a achar que seu pai (que a encontrou inconsciente) fosse seu agressor. Assim, ainda que responsável por algo, não era responsável por tudo pelo que Robert o acusava - mas, afinal, foi ele que indiretamente levou a garota à morte, então, sob a perspectiva de Robert, nada mais justo do que ele se transformar numa garota. Assim que o espectador descobre qual é a cirurgia realizada em Vicente, tudo vem à tona de modo intragável - constatamos, pois, que Vera é na verdade Vicente e que ela própria já não se vê como homem devido aos seis anos que passou enfurnada na casa do cirurgião.

 Um dos momentos mais importantes do primeiro ato do filme: o Tigre, antes de descobrir Vera.

Se o roteiro tem sua primeira meia hora bastante morna, a direção de Almodóvar e os atores fazem questão de suprir a carência do argumento fílmico. Em pouco tempo, as atuações se tornam ainda mais notáveis, principalmente a de Jan Cornet e Elena Anaya, que parecem bem mostrar os dois lados da moeda: o medo que de tão imenso chega a ser impassível de expressão e o acatamento inevitável. Ambos trazem interpretações seguras, sem cacoetes, muito densas e próprias - já não estivessem as temporadas de premiações tão fechadas como aparentemente estão, eu acredito haver um espaço pelo menos para ela. Banderas traz consigo um charme e segurança em cena bem mais maduros - inevitável não se surpreender com sua voz firme, sua postura cênica marcante. Se fosse isso uma peça teatral, mesmo ele longe da ribalta, ainda o veríamos viril, tão potente é sua atuação aqui. E Almodóvar conseguiu me seduzir com o charme tenebroso do seu filme, de uma história de desejo às avessas - é quase penumbroso o caminhar de Vicente até transformar em Vera e ainda mais penumbroso o relacionamento que se estabelece entre ela e Robert: vemos quase uma síndrome de Estocolmo, mas, a somar mais suspense, verificamos não sê-lo.

Quando todos comentavam a maravilha desse filme, eu suspeitei. Se todos falam muito bem, ou é um filme grandioso ou é loucura massificada. E curiosamente me deparei com um filme verdadeiramente bom, que impressiona e choca paralelamente, dada a sua composição cheia de qualidade. Essa obra de Almodóvar é um exercício de cinema - um produção para não ser esquecida e para ser revista várias vezes.

18 de dez. de 2011

Professora sem Classe


 Bad Teacher. EUA, 2011, 92 minutos, comédia. Diretor: Jake Kasdam.

Confesso que o filme é mesmo um lixo, mas não nego minha simpatia por Cameron Diaz nem deixo de confessar que me diverti enquanto o via – enfim, para mim, foi um passatempo.

Que Cameron Diaz é uma atriz duvidosa ninguém duvida e poucos contestam com bons argumentos essa suposição. Seu histórico tem alguns filmes interessantes, alguns engraçadinhos, mas muitos deles são verdadeiras bombas de má qualidade e pedância, como é o caso de “Tudo para Ficar com Ele” (2002) e as duas adaptações cinematográficas de “As Panteras”. Mas, mesmo assim, ela conquistou minha simpatia e ela consegue me fazer rir, mesmo que seja em situações descabidamente ofensivas à inteligência – assim, não recuso ver um filme com ela. E foi justamente por isso que resolvi encarar Bad Teacher, lançado esse ano e que conta, além da Diaz e Jason Segel (de Ligeiramente Grávidos”), também com Justin Timberlake, que tem definitivamente estendido sua carreira às telas, não apenas aos palcos e álbuns musicais.

Cameron Diaz é Elizabeth Halsey, uma professora sem nenhum talento que realmente não tem interesse em estar na sala de aula. Lecionar, para ela, é uma ocupação secundária, já que sua prioridade é casar-se com um homem que banque seus gastos. Com o fim do noivado, ela é obrigada a retomar as aulas e seguir como professora – até conhecer Scott Delacorte, um professor substituto que possui uma grande herança pela qual Elizabeth se interessa. Aí tudo desanda quando ela se dedica exclusivamente a persegui-lo enquanto perturba as vidas de Russel, professor de Ed. Física, e Amy, professora que segue a linha-dura de ensino.

 Justin e Cameron, o suposto casal engraçado da trama.

Honestamente, o roteiro é bem ruim e todas as cenas tendem a um humor vulgar. Ao longo do enredo, vemos cenas bastante escrotas e situações que realmente não significam muito. Destaque para os diálogos forçados, muito palavrão que nem mesmo dentro das situações é engraçado e, ainda, uma péssima participação de Justin Timberlake. Mas, ainda assim, acho que o filme consegue se segurar e entreter aqueles que estão abertos para o entretenimento vil que essa produção oferece. A personagem de Cameron Diaz é verdadeiramente mal construída, não sabemos nada de sua vida além de algumas coisas básicas: ela quer se casar com um cara de dinheiro, quer peitos novos e está disposta a tudo para conseguir a quantia necessária para implantar sua próteses de silicone. Desde o começo percebemos que ela realmente não nasceu para o magistério – estar em sala de aula é um verdadeiro erro, mas mesmo assim, sendo isso que ela tem pra fazer, é isso que ela faz. Logo nas primeiras cenas já vemos a sua reação diante dos alunos: ela definitivamente se mantém alheia a eles e quando se direciona a eles é para maltratá-los de alguma forma.

Percebemos dois momentos bem distintos dela: primeiro, quando simplesmente os trata como lixo, e depois, quando descobre existir um bônus para o professor cuja classe atingir a maior média nos exames estaduais. Vemos que há ali alguma capacidade de lecionar, mas, evidentemente, está obstruída por sua vontade egoísta de aumentar os peitos. Adoro especialmente dois momentos: aquele em que seu companheiro de apartamento pergunta se ela não saíra para comemorar com as outras enfermeiras (evidenciando que ele nem sequer sabe qual a profissão da pessoa com quem divide a casa – aliás, a reação de Elizabeth à pergunta dele é ótima!) e quando ela decide entregar as provas aos alunos que, contrariamente às expectativas dela, não apresentaram resultado alto nas avaliações. Isso, evidentemente, para não comentar sobre as cenas do lava-rápido organizado pelos alunos para arrecadar dinheiro – é tão absurda a cena que honestamente chega a ser engraçada. Adoro quando usam da sensualidade para criticá-la, como acontece aqui e também em “A Mulher Invisível”, filme nacional com Selton Melo e Luana Piovani.

 ELizabeth Halsey aplicando um de seus métodos pouco ortodoxos com seus alunos - se errar, leva bolada!

Esqueçam qualquer tipo de qualidade, porque o que tem aqui é mesmo o deboche. Sim, é o filme debochado e ele não pretende ser nada além disso. Cameron Diaz também sabe que ela e o cinema não são verdadeiros amigos e que ele lhe proporcionou os momentos mais ridículos em cena e é justamente por isso que ela já não se ocupa em faz “grandes produções” – ela está aí, debochando também com personagens que não querem dizer nada e que são superficiais e, justamente assim, passíveis de serem interpretas por ela. Não é nenhum grande filme, não esperem isso – muitos de vocês nem sequer vão rir, outros, como eu, que são fãs do guilty-pleasure que a Cameron Diaz é, vão dar algumas risadas, principalmente com as reações absurdas dela às coisas. Tudo bem que Justin ferra o filme e ele participa de uma das cenas mais ridículas que eu já vi no cinema – que é aquele sexo com roupas –, mas ele também já mostrou que tem um talentinho (como foi visto em “A Rede Social” e “O Preço do Amanhã”), então eu desconto isso dessa péssima interpretação e maneiro nas minhas críticas, já que sua atuação que não quer dizer nada está num filme que não quer dizer nada. Dá pra rir. Às vezes.

16 de dez. de 2011

Qualquer Gato Vira-lata


Brasil, 2011, 91 minutos, comédia. Diretores: Daniela de Carlo e Tomas Portella.

Trata-se não apenas do pior filme brasileiro a que eu já assisti, mas também do pior filme a que eu já assisti – insuportável demais.

Para quem conhece um pouco da dramaturgia nacional, sabe que “Qualquer Gato Vira-lata Tem uma Vida Sexual mais Sadia do que a Nossa” é uma das peças teatrais de maior sucesso. A peça produzida por Juca de Oliveira ficou cerca de 4 anos em cartaz, entre 1998 e 2002, e levou inúmeros espectadores a ver as apresentações. A adaptação dessa peça aconteceu e foi transposta para as telas do cinema e a defesa dos personagens centrais ficou por conta de Cléo Pires, Malvino Salvador e Dudu Azevedo.

Tati acabou de levar um pé na bunda do namorado (Azevedo) no dia do aniversário dele sob alegações dele de que não era romântica e que era invasiva demais. Abalada e sem saber como reagir a isso, ela acaba encontrando por acaso um professor de biologia (Salvador) que diz que as relações amorosas seriam mais sadias se as mulheres agissem como são programadas para agir: simplesmente esperando o homem “atacar”, já que essa é a função biológica natural deles. Assim, mesmo oposta a esse pensamento, a garota decide tornar cobaia de um teste que provaria na prática a veracidade da tese defendida pelo professor.

 Malvino, Cleo e Dudu numa das cenas mais toscas do filme.

Ainda que eu tenha tentado melhor um pouco o mote ridículo desse filme, eu acho que realmente não consegui mostrar com eficiência o quanto é medíocre todo o alicerce da história. Não sei o quanto da peça de Juca de Oliveira está presente nesse filme, mas, se esse filme patético conquistou fãs, não me surpreende mesmo que um milhão de pessoas tenha ido ao teatro para assistir a esse lixo de proposta de dramaturgia. Imagino – e espero! – que a peça tenha se direcionado por outros caminhos, porque esse filme é verdadeiramente a pior coisa que eu já vi na minha vida. Não sei bem de onde veio a necessidade de quatro mãos para escrever esse roteiro quando apenas uma – sim, de um roteirista maneta – seria necessária para redigir um texto tão ínfimo em qualidade. Tudo o que vemos aqui é extremamente óbvio e nada é verdadeira surpreendente. Aliás, se torna um postulado que o filme será um desastre já nos primeiros vinte minutos, mas mesmo assim tive alguma esperança de que houvesse uma pequena estabilidade na qualidade, mas essa estabilidade só se verifica na quantidade imensa de sequências ofensivas a que assistimos.

Penso que ofensivo seja uma palavra que resuma bem esse filme. Ele é tão medíocre que ofende, agride a inteligência do espectador quando nos oferece personagens tão limitados. O que é aquela Tati, meu Deus? Ela reclama da teoria machista de Conrado, mas ela é a criatura mais medonha que existe – corre atrás do namorado como se ele fosse o único motivo possível para se existir. E é curioso que ela chora por homem do começo ao final do filme, em momento nenhum ela para – se não é por Marcelo, que é um escroto, é por Conrado, que é um bocó. Acho que o termo “bocó” jamais coube também a um ser quanto cabe a Conrado – nem vou me estender nesse personagem, porque realmente não há muito que dizer, de tão insignificante que ele é. Marcelo, por sua vez, é um personagem acéfalo, que somente passeia pela película para mostrar seus músculos, uma dança incoerente para uma boate e, lógico, a incapacidade de Dudu Azevedo para a atuação. Aliás, as cenas que comportam Marcelo e seu excelente amigo Magrão são as piores, já que eles realmente representam o que há de pior nas atitudes masculinas: são personagens tão incomensuravelmente estereotipados que incomodam verdadeiramente – Magrão então só serve para fazer gestos vulgares, simulando sexo com as mãos e boca, terrível!

 Nem mesmo o momento catártico é funcional nesse filme.

Não sei exatamente o que se pode esperar dos atores – aliás, alguém pode explicar qual a função de Rita Guedes na história? –, já que a direção é verdadeiramente tenebrosa. Como poderiam os atores trabalhar eficientemente se não houver alguém com olhos críticos para lhes guiar? Nem Daniela nem Tomas puderam notar erros crassos nas atuações cheias de cacoetes dos atores, aí se vê um defeito imenso na direção. Não entendo, aliás, como eles puderam ceder à obviedade de todo o filme – nenhuma cena ali parece condizente com cérebro. Simples assim: são cenas tão estúpidas e mínimas que qualquer criança perceberia a ineficiência delas. O encadeamento das cenas é extremamente chato, porque parece que sempre vamos ver algo que já vimos e é exatamente isso acontece, porque toda a história se constrói numa previsibilidade bruta e incômoda.

O filme consegue ser tão desequilibrado no que quer mostrar que Conrado, por exemplo, só fica extremamente irritado quando Marcelo deduz que ele ainda não pegou Tati porque ele é viado. Eis o momento de irritação máxima do personagem, só para que tenhamos uma noção do quão interessantes são esses personagens a cuja vida assistimos por uma hora e meia. As diversas caretas de Cléo Pires também não ajudam. Me pergunto onde está a atriz responsável pela criação da maravilhosa Lurdinha, de “América”, aquela que dava em cima do Glauco (Edson Celurari). Se lá em 2005 e em alguns momentos da teledramaturgia essa atriz estava bem, aqui ela se mostra sofrível – o que é uma pena, porque já a vimos bem mais atenciosa à sua personagem, como no filme “Benjamin”, baseado no romance do Chico Buarque. Para mim, a maior surpresa negativa foi realmente ela.

Se chegaram até aqui, devem saber que eu achei esse filme um verdadeiro lixo. Produção que não serve nem mesmo para se mostrar como não fazer um filme. E eu achei que eu jamais veria filmes piores do que “O Sacrifício do Mal” ou “Terra Rasa”, duas produções coincidentemente do gênero terror, mas vi nessa comédia nacional uma verdadeira ameaça à inteligência, um exercício de retrocesso e o mais triste é saber que muitos vão simplesmente ignorar todo o conteúdo descabido desse filme e disseminá-lo como um “filme que diverte se você não se ativer aos defeitos” – definitivamente não é um filme que pode ser engraçadinho: é um filme de roteiro todo construído em erro, de atuações pífias, de direção parca, de edição medíocre, de trilha sonora incômoda (o que é aquela música chata que toca na balada). Enfim, uma bosta, uma grande bosta.

14 de dez. de 2011

Premonição 5

 Final Destination 5. EUA, 2011, 92 minutos, terror. Diretor: Steve Quale. 
Mais uma continuação desnecessária. O único aspecto verdadeiramente positivo desse filme é o seu final, que realmente surpreende o espectador - mas só o final faz valer a pena?

Em 2000, fomos apresentados à histórias de jovens que, tendo sido alertados por um rapaz que teve uma premonição, saem de um avião que, momentos depois, explode, vitimando todos os que estavam lá dentro. A parte boa: os que saíram se salvaram. A parte ruim: como deveriam ter morrido e escaparam, a morte - aqui representada abstratamente - se ocupa de corrigir o curso natural das coisas, impedindo que esses sobreviventes perturbem ainda mais o trajeto esquemático das mortes. Em 2003, na primeira continuação, vemos a mesma história, mas as pessoas dessa vez sobrevivem a um acidente na estrada e elas estão diretamente relacionadas às pessoas do primeiro filme. Em 2006, a mesma história, mas o acidente é numa montanha-russa; em 2009, de novo, desta vez num estádio de corrida de carros.

 Os personagens arquetípicos que se nos apresentam ao longo do filme.

Em 2011, onze anos e três continuações depois do primeiro filme, somos apresentados à história de um grupo de jovens que escapa de um acidente numa ponte que, tendo entrado em ressonância (para os que não conhecem o fenômeno, recomendo que procurem vídeos no youtube sobre o acidente com a Ponte de Tacoma), resulta em colapso matando inúmeros trabalhos e transeuntes. O protagonista dessa obra é Sam, um garoto que trabalha num restaurante e que recebe o convite para ir trabalhar como estagiário em Paris, mas que se vê em dúvida entre aceitar ou não a oferta, principalmente por causa do seu envolvimento com Molly, sua namorada, que acredita que eles não estão passando por uma boa fase no relacionamento.

Vemos aqui, no que tange ao relacionamento, proximidade do que vemos no filme original. Enquanto o romance de Alex Browning (Devon Sawa) e Clear Rivers (Ali Larter) se constrói gradualmente a partir do momento em que os rapazes têm a premonição, registrando a diferença de que Sam e Molly já estavam enamorados enquanto Alex e Clear não. A somar, há diversas outras semelhanças entre os personagens, os quais eram extremamente eficientes no primeiro filme e razoavelmente interessantes no segundo filme, mas que a partir de então tornaram-se simplesmente arquétipos mal elaborados e poucos desenvoltos que participam exclusivamente para preencher funções (Propp ia adorar isso!) e depois morrer. O personagem de Peter (Miles Fisher), por exemplo, remete aos revoltados com a morte, incapazes de compreender a situação; Olívia (Jacqueline MacInnes Wood) representa a personagem fútil, extremamente preocupada consigo mesmo, o que rende comentários inoportunos - infelizmente, são todos personagens arquetípicos que não funcionam mais, mas, mesmo assim, continuam reaparecendo nessa trama.

 O mocinho e a garota fútil da famosa cena do laser no olho do trailer do filme.

Se o acidente do primeiro filme é extremamente tenso, causando no espectador um arrepio pelo agouro que o personagem sente e se no segundo a maravilhosa execução do acidente na estrada causa extrema aflição, nesse filme o mesmo está muito longe de acontecer - não quero ser chato, mas os acidentes do primeiro, segundo e terceiro filmes soam plausíveis enquanto os do quarto e quinto soam exagerados. Se já é difícil para o espectador mais atento aos fenômenos físicos acreditar aquele efeito de ressonância de dois minutos, mais difícil deve ser para o espectador que nem entende o porquê de a ponte entrar em colapso. E a cena é chata, sem emoção! Tenho reações mais adversas vendo cães e gatos brigando do que vendo aqueles personagens morrendo - morressem um a um ou todos juntos, eu teria me entretido tanto quanto.

[Spoiler] Se essa produção escorre do começo ao fim regada a momentos bem exagerados e longe do cenário sombrio do primeiro filme (lembram-se de Alex e Clear tentando passar por um cabo energizado?), o seu final é extremamente interessante, fazendo uma conexão direta com os personagens do filme de 2000. É maravilhoso quando Sam e Molly estão no avião que os levará a Paris - isso logo depois de estarem no restaurante MIRO81 - e descobrem-se numa situação de tumulto no avião, devido a um rapaz que teve um sonho de que o avião explodiria e precisou ser removido do avião. Isso mesmo: estamos falando de Alex, do primeiro filme! Isso situa todos os acontecimentos do quinto filme como anteriores ao primeiro, adicionando ainda uma informação interessante: quando for a sua vez de morrer, caso você mate alguém no seu lugar, você assume o tempo de vida da pessoa. Isso me soa furo do roteiro, pois, sendo esse filme anterior aos outros e estando o personagem de Tony Todd nas outras produções (com exceção da quarta), me soa estranho que ele não tenha repetido as informações que deu aqui, mas que tenha acabado por mudá-las. [Fim do spoiler]

Com exceção desse final, que é mesmo muito interessante e sugere muitos questionamentos - a destruição do vôo 180 foi, talvez, uma correção das coisas -, o resto do filme é bastante monótono, com cenas bem sem graças e falta de emoção. Para mim, com exceção dos dois primeiros filmes (sem consideração pelo final do segundo, que é ruim), os outros filmes são dispensáveis, então não havia por que esse existir. Mas, uma vez que existe, que entretivesse pelo menos! Ainda bem que só tem 92 minutos...

12 de dez. de 2011

Assalto ao Banco Central


Brasil, 2011, 102 minutos, policial. Diretor: Marcos Paulo.

Pode ser exagero meu, mas esse é um dos filmes que mais me impressionaram técnica e artisticamente depois de “Central do Brasil” e “Cidade de Deus” – ou seja: filmaço nacional!

A produção de filmes brasileiros desistiu – ou pelo menos abriu mão – de mostrar pobreza e miséria e polícia enfadonha dominando o morro. Parece que nos últimos anos estamos vendo algo novo: enveredamos para a comédia menos formulaica (o que significa um avanço), estamos nos envolvendo com biografias de figuras importantes para a história nacional e, vez ou outra, acontece uma adaptação da literatura nacional (como é o caso das freqüentes adaptações de peças e textos rodrigueanos) ou de eventos verídicos, como é o caso desse filme, que registra os acontecimentos de 6 de agosto de 2005, quando ocorreu o maior assalto a banco da história brasileira.

É preciso que nos atenhamos a esse pequeno detalhe: embora o filme tome como mote um acontecimento real, a sua história é fictícia. Os bandidos jamais foram capturados como o filme mostra nem se teve notícias precisas dos responsáveis pelo segundo maior crime do gênero. Vale lembrar que todo o processo do roubo levou cerca de três meses, tempo necessário para que o bando se reunisse e criasse uma fábrica de grama sintética de fachada numa determinada rua para escavar, a partir dessa empresa, um túnel que os levaria exatamente ao cofre do banco, de onde roubaram cerca de 164 milhões de reais, dos quais apenas 20 milhões foram efetivamente recuperados. 

 11 pessoas, 3 meses, 78 metros de túnel, 3,5 toneladas de notas e 164 milhões em notas de R$50.

Uma vez esclarecido isso, podemos partir para a análise do roteiro, que, a meu ver, só por mesclar de modo tão magnificente ficção e realidade, sem que uma perturbe a outra, já merece um imenso elogio. Primeiro somos apresentados ao Barão – o cabeça do bando – e à Carla, sua mulher, e uma das peças fundamentais na trama. Com extrema eficiência e rapidez, somos rapidamente apresentados à formação do grupo e vemos como cada um dos ajudantes é selecionado: um por ser companheiro de longa data do chefe, outro por ser especialista em túneis, um terceiro por ser engenheiro e precisar apontar o melhor caminho pelo qual devem percorrer e assim vai. Agilmente, logo nos primeiros vinte minutos já conhecemos praticamente todo mundo e já conhecemos suas funções e personalidades. Cabe aqui a informação de que o filme foca no drama do acontecimento, não nos problemas pessoais, assim conhecemos as personalidades e passados dos personagens à superfície, sem, porém, torná-los superficiais – e essa é uma característica fundamental pra trama, uma vez que roteiro e direção auxiliam os personagens e conseguem colocar os espectadores dos seus lados em vez de em oposição a eles.

Outro ponto fundamental da história é a agilidade do plano fragmentado de ação. Se o filme fosse totalmente linear, o espectador poderia ter interesse diminuído pelo fato de saber que os ladrões conseguiriam sair livres, já que, como o fato, a polícia federal não conseguiu prender os responsáveis pelo crime. Assim, a fragmentação da obra, colocando passado, presente e futuro em planos nivelados, faz com que o espectador atente não apenas à execução do plano do roubo, mas também no trabalho da polícia. Que o roubo aconteceu, já sabemos – isso é fato; que a polícia, na ficção do filme, prendeu os bandidos, também sabemos – vemos isso logo. A pergunta que fica é: onde é que eles erraram e onde a polícia acertou? Sabemos, ao concluir o filme, que bandidos e polícia tiveram acertos e erros e, embora para alguns tenha dado errado, para outros tudo sucedeu muito bem. A opção pela mistura dos tempos, colocando-os misturados na disposição do filme cria uma agilidade maior – é um quebra-cabeça que vai sendo montado pelas bordas, o que importa está bem no meio e a informação nucléica vem cada vez mais rápido. Claro que não podemos de modo algum nos esquecermos da edição, que é realmente essencial para o ritmo do filme tampouco devemos deixar de incluir elogios à eficiência do diretor Marcos Paulo, responsável, sobretudo, por grandes títulos da teledramaturgia nacional (foram dirigidas por ele as novelas Porto dos Milagres, A Indomada e O Beijo do Vampiro).

 Telma, uma das personagens deficientes do roteiro, e Amorim: os responsáveis pela captura dos bandidos.

Se a situação dos bandidos é bem defendida pelo roteiro e pelos atores, a situação da polícia parece meio bamba. É meio difícil entender o porquê de terem colocado a personagem de Giulia Gam como uma criatura tão descontextualizada ali – não pude compreender a necessidade da quase­-proposta de discussão sobre sua sexualidade bem como não dá pra entender as diversas falas sem sentido. Até mesmo que eu não tenho experiências práticas com análise de material em investigação sei que existem erros que não se cometem, como buscar um quando se pode pegar todos. Essa pequena deficiência – associada a alguns momentos de fraqueza na atuação da atriz – fazem o filme perder um pouco do seu fôlego. Em contrapartida, vemos um Lima Duarte feroz, vívido, muito mais interessante do que em muita novela que ele já fez. Ele realmente me convenceu de que é assim que delegados se portam, é exatamente daquele jeito que eu imagino os oficiais brasileiros agindo: naquela postura, naquele tom de voz. Hermila Guedes, Milhem Cortaz, Eriberto Leão, Gero Camilo e todos os outros atores que estão do “lado negro da força” defendem seus personagens com tanta eficiência que acabam por transcendê-los – inevitável não acreditar neles, são verdadeiramente bandidos dispostos a lutar pelo que querem – e querem muito dinheiro.

A junção das atuações, roteiro e direção resultam num filme potente e marcante. É mesmo uma obra singela do cinema nacional, mas verdadeiramente forte a ponto de se fazer lembrar. Adoro o modo como tudo vira crítica aqui, seja nas falas do engenheiro – que diz que no Brasil, chega um e faz merda, aí vem outro seis meses depois e faz merda em cima da merda –, no comportamento da polícia, que deveria servir e proteger, mas acaba até mesmo traindo os seus e roubando bandido em função de benefícios pessoais e da ineficiência das investigações, que, como se vê no filme, mesmo conseguindo algumas informações, realmente não chega à profundidade do problema. Tem aqui até mesmo espaço para um pouco de humor, uma participação simpática de Cássio Gabus Mendes e, ainda, uma bela cena de sexo ao som de “Fora de Ordem”, do Caetano Veloso. Acredito, claro, que falte nesse filme a pungência dramática de Fernanda Montenegro em “Central do Brasil” assim como a delicadeza e precisão técnica de “Cidade de Deus” – mas, mesmo assim, acredito ser essa uma das melhores obras nacionais realizadas e que vale a pena ser vista por todos.