30 de jul. de 2010

A Metamorfose

Die Verwandlung. República Tcheca, 1912, 94 páginas (Coleção Abril - Clássicos).
__________________________________________________________________

A primeira pessoa que me suscitou a vontade de ler esse trabalho de Kafka foi uma colega do cursinho, que comentou o quanto havia achado chato essa obra. Pela narrativa dela, eu realmente achei que pudesse mesmo ser uma obra de pouco valor literário e sem grande relevância, mas mesmo assim decidi lê-lo e formar minha própria opinião, com base em algo realmente concreto: o próprio texto.

Gregor Samsa é um caixeiro-viajante que, numa manhã, acorda transformado num imenso inseto. A partir de então sua vida muda completamente, já que ele não pode mais realizar suas atividades como antes e também tem que aprender a lidar com os seus familiares, que, embora o vejam ainda como membro da família, temem que ele lhes provoque algum mal.

Acho que a primeira grande característica da narrativa de Kafka é o modo simples como a obra foi concebida. Sem grandes figuras de linguagem, sem grandes floreios, a obra se apresenta clara e objetiva, indo diretamente ao ponto. Tanto é que na primeira página já somos apresentados à nova situação de Gregor: “ventre escurecido, acentuadamente curvo, com profundas saliências onduladas, (...) inumeráveis pernas, terrivelmente finas se comparadas ao volume do corpo, agitavam-se pateticamente diante de seus olhos” ¹. Sob seu novo corpo, completamente metamorfoseado, Gregor depara-se com uma série de dilemas, muito bem aproveitados no texto. A primeira grande preocupação do personagem é levantar-se, vestir-se e ir trabalhar. Mesmo diante da sua nova forma corporal, o seu primeiro pensa se volta para o bem-estar da família, já que a sua falta ao serviço implicaria numa potencial demissão – o que afetaria o rendimento salarial com que Gregor, o pai, a mãe e irmã vivem. Desse modo, o autor evidencia a vertente altruísta de seu personagem: Gregor é um homem que coloca o conforto dos outros a frente do seu próprio. E assim, para esse personagem, não importam quais situações surjam, sua família é sempre posta em primeiro lugar, já que ele tem para si o pensamento de que haja reciprocidade.

Interessante notar também o lado da família. No começo, todos se assustam com a criatura com a qual se deparam. Sabem que há um inseto gigante vivendo no quarto ao lado – e o pior é pensar que esse inseto seja da família. Aceitam-no, porém. Persistem no pensamento de que logo Gregor retornará à sua forma humana, mas, diante da sua duradoura e aparentemente permanente forma entômica, culpam-no pelo ocorrido. Vale ressaltar o lado antimoralista da família de Gregor. Quando ele é o irmão e quando está tudo bem, com ele trabalhando para sustentá-los, consideram-no um familiar; perante seu novo corpo, que o impossibilita qualquer coisa (até mesmo a comunicação, já que ninguém entende a sua linguagem), tomam-no como empecilho, creditando a ele os problemas pelos quais a família tem passado. Numa passagem muito forte, Grete, a irmã, diz ao pai: “diante desse monstro, não vou pronunciar o nome do meu irmão. E tem mais: precisamos nos livrar dele” ². Mais tarde, afirma categoricamente: “poderíamos continuar vivendo com o verdadeiro Gregor em nossa memória, para sempre. Mas esse animal nos persegue (...)” ³.

O outro grande acerto do livro é propor um questionamento sem explicitá-lo diretamente. É curioso quando analisamos a situação do personagem central dessa obra e conseguimos nos colocar na mesma posição que ele. Jamais acordamos na forma de um inseto de antenas, que sobe pelas paredes, se sente atraído por comidas estragadas. No entanto, muitas vezes nós nos tornamos diferentes daquilo que nossa família espera de nós e é justamente nesse momento que nós nos tornamos “Gregor”. A genialidade do autor está em deixar implícita a sua mensagem e obrigar o leitor a buscar na mente uma situação que possa ajustar a tão não-convencional situação de Gregor à realidade. É necessário certo conhecimento de mundo para que se saiba a quão metafórica a obra é. Desse modo, creio que seja perfeitamente possível dizer que a narrativa de Kafka aborda um tema real e corriqueiro, que é a quebra de expectativas existente entre um grupo de pessoas.

Considerando a obra toda, que é bem curta e que atinge o leitor de modo impactante, acredito que A Metamorfose seja um texto que merece ser lido. Não merece, porém, uma leitura rápida e desatenciosa, incapaz de perceber todas as alusões presentes no relato. Essa obra literária, que é simples mas não é simplória, detém um elemento que confirma a minha suposição: aquilo que vai além do natural é tratado com muita naturalidade, demonstrando que os personagens são capazes de reconhecer nessa nova forma de Gregor uma característica maior – ele se tornou asqueroso, e isso nada tem a ver com o fato de ele ter se transformado num inseto. Leiam o livro com uma visão ampliada, que tende a se ampliar ainda mais. E, só para constar: o autor não deixa claro em qual animal Gregor se transformou, logo não sei porque muitos adoram afirmar que ele virou uma barata.

Luís
_____________________________________

Notas:
1) Coleção Abril - Clássicos, página 11.
2) Coleção Abril - Clássicos, página 69.
3) Coleção Abril - Clássicos, página 71.

28 de jul. de 2010

Up - Altas Aventuras

Up. EUA, 2009, 96 minutos. Animação.
Vencedor de 2 Academy Awards: Melhor Filme de Animação e Melhor Trilha Sonora Original.
___________________________________________________________________________

O estúdio Pixar tem mostrado com suas animações que a Academia adora os roteiros dessas obras feitas para entreter singelamente e ainda mostrando um tema moralista. Ano passado, com Wall-E, fomos apresentados à destruição da terra, causados por nós mesmos; esse ano, conhecemos a importância de interagir bem com todos ao nosso redor. Curiosamente, tanto uma obra quanto a obra foram nomeadas na categoria Melhor Roteiro Original.


Carl Fredricksen é um velho rabugento, cuja vida quando moço fora repleta de felicidade ao lado de Ellie, sua esposa falecida há algum tempo. Juntos, planejaram levar a casa deles para o topo de uma montanha, de onde brota uma cachoeira. No entanto, nunca conseguiram isso e somente quando a prefeitura decide retirá-lo de sua casa para ceder o terreno para uma grande empresa que Carl põe em prática o seu plano: ir voando até aquele lugar em sua casa.

Gostei muito de como foi estruturado o começo do filme. Os jovens se conhecendo e tendo um momento de afinidade instantânea – o clubinho viraria um casamento muito feliz. Enquanto casados, ambos eram felizes. Com a morte dela, Carl se torna um homem fechado e antipático, provavelmente tendo essa mudança de comportamento por causa da solidão que sentia. Gostei do modo como esse personagem foi tratado, mas honestamente penso que ele seja redondo demais. Primeiro, é um homem feliz, quando velho se torna rabugento e, de novo, volta a ser feliz. E a sua mudança comportamental no final do filme realmente me deixou incomodado. Nem parecia a mesma pessoa de tão rápida que foi a sua transformação de cara mau em cara bom. Achei a criança um verdadeiro incômodo. Não entendo por que as crianças sempre têm que ser retratadas dessa maneira chata e inconveniente, sempre querendo fazer suas vontades. Eu sei que é assim, mas, como estamos lidando com ficção, poderiam representá-la de um modo mais ficcional, até porque num filme onde cachorros falam, cozinham e limpam a casa e onde uma casa voa, há espaço para qualquer elemento fora da realidade. Odiei aquele menininho gordo chato, odiei.

O roteiro é divertido, consegue reunir uma série curiosa de eventos, que inclui uma casa voando, um homem de provavelmente mais de 100 anos, uma ave exótica e conhecida apenas por três seres humanos, e cachorros sobrenaturais. A viagem de Carl e do gordo chato é bem engraçadinha e em nenhum momento eu me senti entediado ou cansado do que via. Curiosamente, estava até gostando. Ouso dizer que me entretive mais do que quando assisti Wall-E – a diferença é que enquanto Up tem problemas no roteiro e no desenvolvimento, Wall-E não os têm, tornando-se, então, uma obra mais recomendada. Talvez o defeito de Up seja o fato de que é uma obra criada com certa previsibilidade. Enquanto assistia, eu facilmente percebi que Carl e a criança encontrariam o animal que o aventureiro procurava e também tinha certeza de que o velho de repente se tornaria melhor amigo do garotinho. Por ser uma obra também voltada para o público infantil, decerto haveria essa mudança no velho, mas mesmo assim acho que isso poderia ter sido explorado de um modo menos superficial e previsível. E aquela batalha épica travada no final do filme me pareceu desnecessariamente longa e, evidentemente, previsível também.

Sabem o que me fez pensar que esse filme valesse a pena? Os quinze minutos iniciais. A forma sintética como foi mostrado o relacionamento de Ellie e Carl, desde que se conhecemos até a morte dela, me deixou tocado. Achei realmente bela aquela composição e isso me motivou a continuar vendo o filme, já que, como muitos devem saber, eu simplesmente não tenho paciência ou gosto por obras animadas. Embora eu tenha reclamado um pouco do roteiro, creio que tenha sido justa a indicação que o filme recebeu nessa categoria. Só não entendi bem o porquê de ter sido indicado como Melhor Filme, já que essa obra não tem estrutura para tal indicação.

Acho que Up é um filme interessante para se ver. Nenhuma obra-prima, mas ainda assim um filme muito divertido, que rende bons momentos e que, apesar de haver problemas, consegue manter a atenção de quem o confere. Acho que agora poderiam fazer um curta-metragem expandindo aqueles quinze minutos iniciais... eu assistia ao curta-metragem com gosto.

Luís

26 de jul. de 2010

Adaptação: Uma Casa no Fim do Mundo


Eu me lembro bem de que, há algum tempo, um leitor comentou no blog sugerindo que comentássemos o resultado das adaptações de livros, contos, HQs, para as telas do cinema. Como já comento sobre o quão fiel uma obra cinematográfica foi quando resenho um filme cuja origem provém de outro suporte artístico, decidi criar a sessão Adaptação, voltada exclusivamente para posts objetivos que visam expor as diferenças entre um livro e um filme. Estréio a sessão com uma análise comparativa entre Uma Casa no Fim do Mundo, livro de Michael Cunningham, e A Casa do Fim do Mundo, filme que surgiu um ano após a publicação do romance literário. Dividirei em blocos e comentarei individualmente cada aspecto, tanto no filme quando no livro.

Antes de começar efetivamente a analisar as duas produções, gostaria de ressaltar que é necessário não se ater à fidelidade para analisar o quanto uma obra foi bem adaptada. Ao modificar o plano de expressão – passamos da narrativa escrita (livros, por exemplo) para aquela primordialmente visual (como o cinema) –, perdemos, de certo modo, a fidelidade à obra original. Desse modo, é garantido que não haja adaptação totalmente fiel, uma vez que uma determinada característica física de um personagem no filme pode não corresponder àquela descrita no livro. E, mesmo que correspondam todos os elementos, a fidelidade absoluta jamais será obtida. Tomando esse princípio como base de minha análise, busco comparar o plano de conteúdo, ou seja, a essência das duas obras. As informações fundamentais presentes em uma devem estar presentes na outra, garantindo a transposição adequada do conteúdo. Vamos agora à análise das duas obras.

Sinopse: Jon e Bobby são crianças nos anos 60 e eles ainda não se conhecem. O primeiro vive o conforto de uma família que lhe conforta carinhosamente nos braços do pai e no metodismo inflexível da mãe; Bobby, por sua vez, é iniciado aos nove anos no uso da maconha pelo seu irmão e vê nele um verdadeiro herói. Tudo se modifica quando Carlton, irmão de Bobby, morre tragicamente num acidente doméstico e a família do garoto se desestrutura totalmente: a mãe morre depois por depressão e o pai se mantém alheio ao filho que lhe restou. Na adolescência, Bobby é um garoto solitário e Jon é tagarela, casualmente acabam se aproximando. Tornam-se bons amigos e, mais tarde, descobrem-se mais íntimos, enamoram-se. Depois de um tempo separados e já adultos, Bobby vai morar com Jon e Clare, mulher mais velha que divide o apartamento com o amigo. Aos poucos, os três descobrem-se numa tumultuada relação a três, que implica vários questionamentos e decisões difíceis.

1- Estrutura narrativa.
• No livro: a história nos é contada pelas vozes de quatro personagens: Jon, Bobby, Clare e Alice. Todos narram um pedaço da história, intercalando-se entre si e apresentado os seus respectivos pontos de vista acerca de cada acontecimento. A opção por narrar em primeira pessoa aproxima o leitor do personagem, que parece confidenciar algo. Vale ressaltar que narrativas estruturas desse modo não são totalmente confiáveis, já que temos que considerar a influência emocional pelo que o personagem passa ao narrar sua opinião; ele sempre contará de acordo com a sua visão de mundo. No livro, essa opção do autor provavelmente serve para que compreendamos o quão instável é o universo dos personagens. Pode-se dizer que, mesmo que seja uma obra linear, ela não se prende à linearidade, já que os narradores podem facilmente expor memórias e lembranças, retomando então algum evento acontecido, ocasionando um flashback. Narrando em primeira pessoa, eles se contradizem, apontam pensamentos divergentes, contrapõem argumentos. Inquestionavelmente, foi criada uma abordagem que nos permite enxergar os personagens e também os seus psicológicos.
• No filme: a história é narrada em terceira pessoa, ou seja, de modo imparcial e sem a liberdade do discurso direto que existe no livro. Sem a metalinguagem existente no livro, os personagens nos são mostrados conforme as suas atitudes, sem que saibamos quais pensamentos exatamente embasam suas ações. Embora o psicológico das quatro pessoas abordadas pelo roteiro pudesse ter sido explorado (ainda que diferentemente da obra original), o filme – provavelmente pela escolha da troca da estrutura narrativa e pela alta intensidade sintética – não mostra bem esse lado.
Quem ganha nesse quesito: o livro sobressai e ganha o primeiro ponto.

2 – Personagens e suas funções na história.
• No livro: os quatro personagens supracitados – Jon, Bobby, Clare e Alice – são personagens fundamentais e todos têm a função de personagens principais. Todos têm as suas características físicas descritas no romance, mas me apegarei às suas características mentais e psicológicas. Jon e Bobby apresentam-se de modo oposto: o primeiro é tagarela e explosivo, o outro é quieto e contido; eles basicamente se contrapõem de modo a se completar. Clare é uma mulher com muitas expectativas e dúvidas, principalmente no que diz respeito ao futuro ao lado de Jon e Bobby; pode-se dizer, então, que ela é a mente dos três, pensando sempre no modo pragmático de fazer a vida funcionar. Alice é uma mulher aberta às novas experiências, desde que isso não afete aquilo que ela crê ser inerente ao sistema; uma família, por exemplo, deve consistir numa mãe, num pai e em filhos – um segundo pai não está incluso na soma dela. Ela é contraditória e isso se deve às suas constantes tentativas de esquivar-se da vida que leva; quanto a isso, é liberal (chega a fumar maconha e a se relacionar com um homem mais novo depois da morte do marido), mas não abre mão de que o filho, Jon, não seja alvo de uma vida tortuosa.
• No filme: todo o filme é narrado tendo como personagem principal Bobby, interpretado por Colin Farrell. Ainda que as tentativas de manter as características dos personagens possam ser vistas, elas acabam não aparecendo totalmente. Isso se deve ao elenco, mal escalado – no caso de Farrell e Dallas Roberts – e mal aproveitado – no caso de Sissy Spacek e Robin Wright Penn. Assim, Bobby parece totalmente bobo, Jon parece uma bichinha chata e hipocondríaca, Clare parece ser uma escrota invejosa (por causa da sua cena final, meio mal elaborada, quando decide abandonar os rapazes e criar a sua filha sem nenhum pai) e Alice não tem função nenhuma na trama.
Quem ganha nesse quesito: o livro, de novo, que aborda muito melhor os personagens e as relações deles com o mundo e, sobretudo, consigo mesmos.

3 – Os eventos acerca dos personagens.
• No livro: Suas histórias nem sempre se cruzam, como é o caso de Alice, que durante a adolescência dos garotos se envolvem maternalmente de modo muito intenso com eles e, ao mesmo tempo, vê nesse envolvimento um escapismo para o seu casamento acomodado. Jon e Bobby narram, durante a adolescência, como se aproximaram e como se sentem em relação um ao outro. Clare entra somente a partir da metade do livro, quando os rapazes já têm por volta de 23 anos, e a partir de então, aborda também os seus sentimentos em relação aos dois. Creio que seja certo dizer que haja duas histórias sendo contadas – a dos três e a de Alice – e que essas histórias se relacionam, mas não necessariamente dependem uma da outra. A importância da família e os modos como a sociedade a enxerga é um tema comum a todos os personagens e todos tomam alguma atitude em relação a melhorar o modo como serão vistos.
• No filme: tudo o que acontece no livro – e que corresponde bem ao que se espera ver numa obra cinematográfica – acontece no filme. Creio que todos os eventos importantes tenham sido mantidos, com grande destaque para os diálogos e passagens que podem facilmente ser correlacionadas com a obra original. Como o roteirista é Michael Cunningham, o autor do livro, ele soube manter os momentos e acontecimentos mais inspirados do seu romance. O único defeito reside na completa exclusão de Alice – incluí-la talvez resultasse em acrescentar vinte e cinco minutos ao filme, totalizando então duas horas, que é um tempo bom e que não cansaria ninguém.
Quem ganha nesse quesito: devo dizer que não gostei do modo como os acontecimentos que dizem respeito a Alice foram tratados no filme, mas compreendo a necessidade de se reduzir o livro de modo a fazê-lo sucinto para caber no filme. Considerando isso, ganham um ponto tanto o livro quanto o filme.

4 – Desenvolvimento da história.
• No livro: ao pensarmos que um autor transforma quatro personagens em protagonistas e lhes dá espaço para narrarem sua própria história, logo se percebe que o desenvolvimento é lento e gradual, possibilitando a inclusão de elementos complicadores que dramatizam ainda mais a vida dos personagens e que então os conduzem ao clímax adequado. Assim, há o momento para a descoberta do romance, a descoberta por Alice de que seu filho e Bobby são mais que amigos, o envolvimento entre Jon, Bobby e Clare, o afastamento entre eles, a união de novo – na casa afastada de tudo, que dá título ao romance -, e, por fim, o final, que é muito bom. Tudo isso com o tempo necessário para o leitor absorver o máximo de informação.
• No filme: pela tentativa maluca de encaixar tudo em uma hora e meia, o filme não se ocupa muito em desenvolver nada e, por causa disso, até mesmo duas personagens – Clare e Alice – acabam praticamente suprimidas da história. O desenvolvimento é tão rápido que não temos tempo para acompanhá-lo e entendê-lo e assim o filme parece muito superficial, já que não consegue embasar suas cenas nos questionamentos relevantes que seriam vistos se houvesse mais tempo para a condução adequada da trama.
Quem ganha nesse quesito: inquestionavelmente, o livro.

5 – O efeito da obra no leitor / espectador.
• No livro: há muitas passagens que são realmente estarrecedoras, cito, por exemplo, a página 62 – quando os personagens Jon e Bobby trocam carícias pela primeira vez –, a página 98 – quando os dois são flagrados pela mãe enquanto masturbam um ao outro – e o final muito intenso, que propõe uma série de questionamentos. Vale ainda ressaltar que a paixão de Bobby por discos fazem com que o livro seja quase musical. Algumas vezes, o autor usa um tom correto, outras vezes nos deixa boquiabertos. Em nenhum momento, porém, nos sentimos entediados ou cansados de lê-lo.
• No filme: a maioria das passagens são insatisfatórias, tendo apenas algumas poucas que chegam a ser corretas. Por ser um filme dramático, ele é tratado com suavidade demais, o que destoa de sua própria proposta. A superficialidade coloca o espectador contra o próprio filme. Num momento qualquer, eu comecei a me distrair, retornando depois ao filme, na esperança de que ficasse mais interessante.
Quem ganha nesse quesito: adivinhem.

Conclusões.
Na transposição do livro para o filme, a história se perdeu de tal maneira que tudo nela parecia breve e superficial, como se não houvesse conflito entre os personagens e as situações que vivenciam e como se todos os sentimentos que lhes embasassem as ações fossem extremamente irrelevantes. Como usualmente acontece, a obra adaptada ficou aquém da obra original e, nesse caso, o grau de inferioridade é gritante.
A Casa do Fim do Mundo é uma boa adaptação? Não, o filme, como adaptação, é insatisfatório, e como obra independente também o é. Desse modo, recomendo que todos se atenham apenas à obra literária, que é realmente muitíssimo mais interessante.

Luís

24 de jul. de 2010

Direito de Amar

A Single Man. UK, 2009, 96 minutos. Drama. Dirigido por Tom Ford.
Indicado ao Oscar de Melhor Ator (Colin Firth).
________________________________________________________

Nunca pensei que pudesse ficar tão impressionado com um filme. Quando eu me deitei confortavelmente no sofá, muito bem coberto, para ver Direito de Amar, eu tinha pouquíssimas expectativas. O Renan já havia comentado comigo que esse é “um filme bonito” – ele se referia ao conjunto de elemento, mas eu apenas pensei que se tratasse da fotografia do filme. Estava enganado e agora admito: toda a beleza está nesse filme!

Achei que o acerto máximo do filme foi a sutileza. Tudo nele é sutil e delicado, mas ao mesmo tempo é envolvente e tenro. Podemos perceber que tudo foi concebido com muita ternura e isso atravessa a tela, chega ao espectador, que vibra com o desenvolvimento da história. Todos os personagens são muito bem elaborados e sabemos deles o que é necessário saber – tanto é que do começo ao fim do filme se passa apenas um dia, então, não há muito tempo para flashbacks longos e inconcisos. A história começa o amanhecer do dia para George, um professor ginasial que perdeu o seu companheiro de 16 anos num acidente de carro. George, já cansado da vida que leva como homem sozinho, decide que aquele será o seu último dia – ele vai se matar.

George é o homem perfeito: solidário, gentil, culto. O drama que o perturba reside no fato de que não há alguém com quem ele possa partilhar dessa sua personalidade como podia fazer com Jim, o seu companheiro. É possível perceber essa necessidade dele pelo modo atento como ele busca características boas nas pessoas ao seu redor – ele sente o cheiro delas, observa como elas se comportam, ele busca por aquilo que não está na superfície, numa clara tentativa de trazer essa pessoa para o seu mundo. Quando sente o cheiro da secretária, ele passa a vê-la diferentemente, pois reconhece nela algo que lhe é compatível; ele, no entanto, não se apaixona por mulheres, como ele mesmo diz numa cena. Depois, conversa brevemente com Kenny, um de seus alunos, e nele enxerga uma série de elementos que lhes permitem aproximar-se. Ao conversar com Carlos, o espanhol, George vê beleza e qualidade no rapaz, mas podemos perceber que eles são bem distantes um do outro – o que George busca é algo sólido, diferentemente da instabilidade da juventude impulsiva de Carlos. De novo, ao falar com Kenny, as cores voltam para a tela, numa clara demonstração que há entre os dois o entrosamento suficiente para que George seja feliz de novo.

As cores são muito bem exploradas ao longo do filme. Elas servem para que identifiquemos o que é presente, o que é o passado, e também serve para que definamos as sensações que o personagem principal sente. Toda vez que ele se sente atraído por alguma característica de alguém ou de alguma situação, as cores tornam-se vibrantes, como no momento em que ele conversa com Carlos e vê o rapaz soltando a fumaça do cigarro pela boca – a intensidade da cor aumenta: a boca do jovem fica bem vermelha, a pele fica com um tom mais vívido. As cores são importantes na vida do professor e elas estão presentes o tempo todo. Antes da morte de Jim, a vida de George tinha cores normais; após a morte do companheiro, sua vida tornou-se azulada e fria. Há também momentos em que há uma cena em preto e branco, para intensificar o drama do diálogo dos personagens – aquele é um momento para revelações importantes, o espectador deve se ater somente às falas dos personagens e não às cores do ambiente em que eles estão. É interessante notar que é feita uma relação sobre o passado de George e Charlotte, dita sob a perspectiva do personagem principal e muito provavelmente por isso que a cena foi concebida em preto e branco (para que nos atenhamos ao que ele diz apenas); mais tarde, ouvimos um diálogo semelhante, dito desta vez sob a perspectiva de Charlotte, e as cores da cena estão intensas. Isso representa o que o romance entre os dois representou na vida de cada um. As cores, nesse momento, podem representar também o sentimento de amor carnal – ele a ama como amiga (preto e branco), já ela o ama como homem também (portanto, o uso de cores intensas justificaria o sentimento dela).

É difícil comentar sobre os atores. Todos estão muito bem em seus personagens, mas evidentemente que os atores em destaque são Colin Firth e Julianne Moore. Ambos realizam performances difíceis e mesmo assim eles a compõem de modo muito complexo e completo, extasiando o espectador. Eles são bem opositivos – ele contido, ela expansiva. Confesso que Firth nunca foi um ator a quem dei muitos créditos, porque sempre o vi em comédias de pouco alcance artístico ou em filmes que me incomodaram, como Moça de Brinco de Pérola. Desta vez, não apenas o personagem é fantástico como é também fantástica a realização artística desse ator. Sua indicação foi totalmente válida, mas, como ainda não conferi o desempenho dos outros atores, não posso dizer se eu lhe daria o prêmio ou não. Agora, sejamos justos com Julianne Moore: chamá-la de boa atriz é um desrespeito. Ela é uma ótima atriz, concebe excelentes desempenhos e cada vez mais me convence de que a Academia é burra por tê-la indicado tanto sem premiá-la – e mais burra ainda por ignorar a magnífica interpretação que a atriz realizou. Ela está magnífica como Charlotte e eu senti tudo aquilo que a personagem dela sente – eu ri com ela, eu me senti mal com ela, ela me passou todas as emoções que sentia e isso é uma capacidade que poucas atrizes conseguem. A sua não-indicação me descontentou totalmente e acho que a categoria Melhor Atriz Coadjuvante desse ano saiu perdendo sem a presença de Moore. Indicaram Penélope Cruz, mas não a indicaram? Escolha curiosa... Ainda bem que o Globo de Ouro foi sensato e a colocou na lista das indicadas!

Direito de Amar – cujo título, embora não seja uma tradução, foi uma boa escolha – é uma obra densa, repleta de sentimentos e que eleva os pesares dos personagens a uma categoria ultrarromântica, sem deixar que isso fique piegas ou anacrônico. Este não é um filme com boas atuações, apenas. É uma película que reúne todas as boas categorias cinematográficas e que consegue colocar o espectador em êxtase. Vale ressaltar que não é uma obra sobre sexualidade – é um filme sobre amor e dor, sobre decisões importantes que são capazes de modificar totalmente uma vida. Confiram-no sem medo e com boas expectativas, duvido que não se arrepender.

Luís

22 de jul. de 2010

Leite Derramado

Brasil, 2009, 200 páginas. Editora: Companhia das Letras. Escrito por Chico Buarque.
______________________________________________________________

Não deve ser novidade para as pessoas que eu sou fã de Chico Buarque. Vejo nas suas obras grandes composições, que refletem o quão ele é bom ao escrever – sejam canções, sejam livros. Sua literatura é intensa e é muito bem trabalhada e até hoje eu não senti que houvesse um único em que seu empenho não tenha sido total.


Leite Derramado é a sua obra mais recente e ela aborda a história de cinco gerações, cujas vidas são retratadas conforme a educação de cada um e também de acordo com o seu momento histórico. O cenário é o Rio de Janeiro e nessa cidade são mostradas tanto a sua faceta elitista quanto a sua faceta mais popular, segundo as situações pelas quais cada personagem passa.

Quando comentei aqui o livro Cem Anos de Solidão, eu escrevi que me agradavam histórias que permitem uma visão panorâmica da vida familiar dos personagens centrais, mostrando uma cadeia de eventos, apresentando um começo, meio e fim – sendo que a linha temporal abranja muitos anos. E Leite Derramado se enquadra nesse grupo de livros, afinal, sua história começa com o avô de Eulálio, o personagem-narrador, e termina com o neto dele. É importante ressaltar que não há um “começo” e um “fim” definidos. Como o narrador é um homem velho e doente, e que está num hospital, ele narra as suas memórias conforme elas lhe vêm à cabeça e, como característica das pessoas idosas, suas memórias não se apresentam numa ordem correta, embora elas aparentem precisão. Outro grande acerto do escritor é ater-se ao personagem e à personalidade dele, não deixando que o leitor veja no personagem o escritor. O personagem é o personagem e o escritor, no caso Chico Buarque, é o responsável pela caracterização perfeita desse personagem.

A noção temporal composta por Chico Buarque é muito boa. Como cada personagem – avô, pai, narrador, filha e neto – pertencem a uma época e, obviamente, os costumes pertencentes a ela são bem representados pela narrativa eficiente do narrador, que primeiramente esteve na classe alta e foi decaindo, até chegar a um apartamento mal-iluminado num bairro pobre do Rio de Janeiro. Por intermédio das informações dadas pelo homem hospitalizado mostram a postura nobre e altiva dos seus avôs e pais, que viajavam pra fora do país e falavam francês e tomavam bebidas finas. Também por intermédio daquilo que ele diz, conhecemos a vida tumultuada de sua filha, que passou por um divórcio e pela falência, e também nos é exibida a vida de seu neto, típico garoto do Rio calor que provoca arrepio dragão tatuado no braço que passa a maior parte do tempo na surfando e que, por ter uma personalidade dúbia, envolve-se com problemas de todos os tipos, chegando ao ponto de roubar os últimos móveis da família falida pra sustentar seus vícios e necessidades.

Não resta dúvida de que devo recomendar Leite Derramado para vocês. É uma obra curta, mas não é superficial e é decerto uma narrativa de que vocês se lembrarão, mesmo que se passe um ano. Esse é mais um dos livros que ficam muito bem nas nossas estantes – é uma obra que merece ser lida!

Luís

20 de jul. de 2010

Bastardos Inglórios

Inglorious Basterds. EUA, 2009, 153 minutos. Drama / Guerra.
Indicado a 8 Academy Awards e vencedor na categoria Melhor Ator Coadjuvante (Christopher Waltz).
___________________________________________________________________________

Havia algum tempo que Tarantino não causava boatos. A Academia havia lhe reconhecido o excelente trabalho realizado em 1994, quando indicou Pulp Fiction a sete prêmios, incluindo Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro. Quinze anos depois, Tarantino consegue o êxito de tantas indicações novamente e das oito indicações conquistadas por Inglorious Bastards, creio que as mais significativas sejam a de direção e de roteiro – o que nos mostra que o diretor é bom tanto com a história quanto com a maneira como lida com os atores.

A história do filme brinca com a história de um dos episódios mais marcantes pelo qual a humanidade já passou: a ascensão nazista. Um grupo de soldados judeus decide se vingar de todos os nazistas e, liderado pelo tenente Aldo Raime, eles partem com o intuito de encontrar o coronel Hans Landa e, no caminho, pretendem matar o maior número de nazistas possível.

Eu gostei bastante do roteiro do filme, mas honestamente não pude relacioná-lo rapidamente a Tarantino. Somente quando o filme se aproximou de seus momentos finais é que eu então pude sobrepor a personalidade do diretor à personalidade daquele roteiro sadista. Provavelmente, os outros cinéfilos discordarão de mim, mas creio que Bastardos Inglórios, embora tenha uma vertente cômica, é o filme mais sério de Quentin Tarantino. E essa impressão que eu tive não ficou apenas registrada pelo modo como o diretor compôs o roteiro, mas também pelo modo como ele conduziu o seu filme – a câmera parecia convencional demais, quase instruída pelo método-padrão de cinema. Senti saudades daqueles ângulos legais visto em filmes como Kill Bill ou mesmo Pulp Fiction. Como todos os seus filmes, Bastardos Inglórios é bem extenso, com mais de duas horas e, pela primeira vez, eu tive a impressão de que o filme não se desenvolvia. Credito essa sensação à quantidade de personagens – todos são muito importantes e todos têm as suas histórias brevemente contadas, o que prolonga o filme desnecessariamente. Se vocês se lembram de Kill Bill, decerto entenderão o que eu digo: apenas uma personagem, a Noiva, tem sua vida mostrada, de modo que as informações que temos sobre os outros provém das cenas mostradas a partir da ótica da Noiva (com exceção da história de O-Ren Ishii). Acredito que teria me agradado mais saber apenas sobre um personagem – o tenente Raime ou Shoshana, por exemplo – a conhecer um pouco de cada pessoa que aparece em cena.

Embora muitos digam que o filme seja de Brad Pitt e Christoph Waltz, eu penso que a obra dá mais valor às personagens femininas, que, infelizmente, aparecem pouco. Shoshana, magnificamente interpretada por Mélanie Laurent, é uma mulher bastante forte e determinada – e isso somente se intensifica quando vemos as expressões firmes da atriz que a interpreta. Posso dizer o mesmo de Diane Kruger: magnífica. Sua personagem tem muita importância na trama, mas o espaço dedicado a ela é pequeno e mesmo assim a atriz me surpreendeu em sua atuação. Por elas, digo que esse é um filme no qual as personagens secundárias ganharam totalmente a minha simpatia. Christoph Waltz foi o grande destaque dos circuitos de premiação com a sua interpretação. Honestamente, não me identifiquei com ela e realmente não acho que o seu trabalho tenha sido maior que qualquer uma das atrizes que citei. Eu nem sequer sei se eu o indicaria! Sua interpretação, em minha opinião, é apenas correta. Mas como eu não sei como foi o desempenho de todos os atores que concorreram cm Waltz, ainda é cedo pra dizer que achei justa ou não a sua vitória. Brad Pitt e o seu sotaque arrastado me agradaram. Não achei nenhuma maravilha de atuação, mas confesso que gostei do que foi apresentado. Considerando todos os filmes de Tarantino, o elenco dessa produção é o que mais me pareceu desajustado para uma obra desse diretor, mas, de qualquer forma, o filme me parece desajustado e incompatível com o humor ácido dele.

Decerto devo recomendar Bastardos Inglórios: é uma boa obra, rende bons momentos e consegue entreter. Mas, como disse antes, não pude me identificar totalmente com ele, embora lhe reconheça todos os méritos – boa fotografia, trilha sonora envolvente, bem humorado, roteiro inteligente. Assistam-no e tirem as suas próprias conclusões.

Luís

18 de jul. de 2010

Se Houver Amanhã

If Tomorrow Comes, 1986, 402 páginas. Drama / Aventura.
__________________________________________

Quando postei aqui o livro Quem Tem Medo de Escuro?, eu disse que Sidney Sheldon era um dos meus autores preferidos e que era um mestre na arte de criar heroínas fantásticas. E em Se Houver Amanhã nós somos apresentados a Tracy Whitney, uma mulher cuja mãe se matou depois que um mafioso roubou a sua empresa, levou-a ao prejuízo. Numa tentativa frustrada de arrancar um confissão do mafioso, Tracy acaba sendo acusada de assalto a mão armada e roubo de um quadro no valor de meio milhão. Enganada pelo seu próprio advogado e julgada por um juiz corrupto, a bela jovem é mandada para a prisão, onde deverá ficar por 15 anos. Na prisão, sofre os abusos das outras presas, mas ao mesmo tempo começa a planejar a sua vingança contra todos que a puseram naquele lugar e todos aqueles que se negaram a ajudá-la, incluindo o ex-noivo. Após sair da prisão, Tracy tem que lidar com duas coisas importantes: sua vingança e recomeçar a sua vida. Sem dinheiro e em dificuldades, já que ninguém queria empregar um ex-presidiária, ela se sujeita a um roubo e logo se torna a ladra mais procurada do mundo, sendo perseguida inclusive pela Interpol.

Essa é uma obra de ficção, mas não pensamos em nenhum momento que não possa ser, ou que não tenha sido, uma história real. Da mesma forma que Eva Duarte, que viria a se tornar Eva Perón, saiu do nada e em apenas sete anos tornou-se primeira-dama argentina, líder espiritual e solidária à causa dos “descamisados”, Tracy Whitney fez o mesmo: a garota bonita foi pra prisão, permanecendo no anonimato, saiu de lá disposta a se vingar e meses depois já confrontava a polícia internacional com seus disfarces e técnicas de roubo. A única diferença entre elas é que a primeira realmente existiu. Apesar da atitude estúpida com a qual Tracy inicia o livro, não podemos deixar de ficar do seu lado e apoiá-la, e torcer por ela, e querer vê-la feliz. O que é realmente interessante nesse livro é a sua estrutura em relação à narrativa e à disposição dos personagens. Quanto a esses, são na maioria coadjuvantes; até mesmo Jeff Stevens, que virá a ter grande importância a partir do meio do livro, não aparece muito, embora haja alguns capítulos dedicados somente a ele. Personagens como Perry Pope, Juiz Lawrence, Tony Orsatti e Ernestine são figuras de extrema importância para a história, embora apareçam pouco também.

Quanto a estrutura do livro em relação à narrativa, o ponto mais acertado é o autor não focar todos os acontecimentos na vingança que Tracy planeja. Tanto é que antes da metade do livro, ela já se vingou de todos que queria se vingar e está preparada para a segunda coisa mais importante: recomeçar sua vida. E é a partir desse momento que Tracy tem que recorrer aos mais variados métodos para conseguir dinheiro, sendo quase sempre expulsa dos empregos pela seu passado. A única coisa que faz e que dá certo é cometer um roubo, que depois de quase sair errado, Tracy contorna o problema duas vezes e sai ilesa, causando nela a sensação de euforia que há muito não sentia. Percebe então um talento natural e começa a viajar o mundo cometendo crimes e quase sempre se deparando com Jeff Stevens, outro ladrão tão bom quanto ela. Rapidamente, surge entre os dois uma disputa que parece infindável, pois um precisa provar ao outro que é muito mais esperto em relação aos roubos que planejam. Os itens roubados não são os mais básicos; pelo contrário. Eles vão desde pequenas jóias de grande valor, são também diamantes bem protegidos e chegam a ser inclusiva quadros famosos nos museus mais bem preparados contra roubo. Em meio a tudo isso, temos a incansável perseguição de um detetive de aparência horrenda por Tracy Whitney. Ele está obsessivo por ela e se vê em pensamentos conflitantes, entre querer-lhe para o prazer e vê-la presa, o que também lhe causaria prazer.

Enfim, o livro é interessante do começo ao fim. Tracy é mais uma das fabulosas personagens que Sheldon escreveu e aposto que será lembrada sempre pelos leitores que são fãs das obras desse autor. A forma como ele a constrói impede que qualquer um que leia o livro se sinta pressionado a querer-lhe o mal, já que Tracy Whitney possa ser identificada em cada um de nós, como uma mulher que adora o desafio, é uma vítima do acaso e ainda assim dá a volta por cima, “corrigindo” alguns pequenos erros que há no mundo, unicamente em relação àqueles que têm muito e ainda assim querem mais. E apesar de já ser rica após alguns roubos, Tracy continua suas façanhas não pelo dinheiro, mas pelo prazer que cada momento em que ela tem que usar a inteligência proporciona a ela. Então, quem começa a ler Se Houver Amanhã só para quando o livro termina e ainda sente aquele gostinho de continuação (que infelizmente nunca virá) na boca. Eu sei que é patético e que a maioria das adaptações cinematográfica de obras acabam ficando aquém do esperado, mas esse é um livro que eu gostaria de ver nas telas do cinema. Até imagino a Jolie interpretando Tracy. Quanto ao ator que interpretaria Jeff Stevens, eu realmente não sei. Clive Owen, talvez. Mas, enfim, o livro é totalmente recomendável. Os personagens são adoráveis. As situações são as melhores. E o fim não deixa a desejar. O próprio título do livro, corretamente traduzido, é extremamente racional comparado a tudo que acontece no livro e a todo o perigo que os personagens se arriscam. Não há incoerências, o livro não perde o fôlego conforme chega ao final e é decididamente uma obra que vale a pena (e deve) ser lida.

Luís

16 de jul. de 2010

O Inverso do Cinema: Terra Rasa

Advertência: esse artigo possui várias revelações sobre o filme.
________________________________________________

Alguns filmes chamam a nossa atenção. Às vezes, não sabemos identificar exatamente o que nos causa aquela sensação de curiosidade. E acho que foi exatamente isso o que aconteceu quando eu decidi que gastaria dois reais e levaria esse filme para casa. Se as pessoas que trabalham na locadora já tivessem visto o filme antes, decerto teriam me recomendado, porque eles são treinados para me recomendar filmes ruins (e é por isso que eu não acredito mais neles quando me dizem que determinado filme é bom). Enfim, não precisei de muito tempo para perceber que Terra Rasa é um filme dispensável e que é ruim e não há apenas um motivo que faça com que esse seja um filme que incomoda o espectador. Abaixo, dividido em tópicos, explicarei o porquê de esse ser um filme que deve ser evitado.

SITUAÇÃO INICIAL:
Um garoto com o corpo coberto de sangue é visto andando numa floresta. Logo ele chega a uma estação policial, onde surpreende os policiais, que tentam identificar as circunstâncias daquela situação: o que aconteceu ao garoto?, quem é o garoto?, de onde ele vem?, são algumas das perguntas que são feitas. E, para intensificar, há o problema dos assassinatos que têm acontecido na floresta. Esse é o mote do filme e é a partir dessa cena que todo o roteiro começa a se desenvolver. Aliás, o roteiro nunca se desenvolve...

PERSONAGENS:
Logo no começo do filme, somos apresentados a três personagens que aparentemente têm função na história além do menino-menstruação, cuja função descobriremos que é ridícula. O herói, chamado Jack Sheppard (e isso infelizmente não é LOST), é um homem cuja esposa foi assassinada na floresta e que morreu em seus braços. Para lhe fazer companhia na estação policial, há uma policial que faz expressões de susto sem parar ao mesmo tempo que finge ser durona e um policial que não faz nada. O elenco secundário conta com a velha da foto ao lado e com a estudante de Biologia, também presente na imagem ao lado.
• Qual é o erro do filme nesse aspecto? Essa é uma resposta muito fácil de ser dada: os personagens não conquistam a nossa simpatia. E isso acontece porque eles parecem avulsos em cena, considerando que na maioria dos momentos eles não são vistos fazendo algo verdadeira útil. Eles correm, eles gritam, eles fazem suposições absurdas. Eles, no entanto, não mostram do que são capazes e por que estão ali. A superficilidade deles é tão intensa que nós nos tornamos totalmente indiferentes ao que acontece com eles - se vivem ou se morrem, tanto faz.

DIREÇÃO:
O grande erro do diretor, em pricípio, foi aceitar dirigir um filme com esse roteiro. Pensei inclusive que ele rodou o filme sem saber do que se tratava, porque o roteiro provavelmente não estava completo ainda - mas estava errado, ele sabia perfeitamente como era o roteiro. Depois do seu erro inicial, o diretor errou ao optar pelas cenas inconclusas, pensando, talvez, que ficar sem saber o que vem a seguir faria o espectador vibrar de alegria. Embora eu não a tenha citado no quesito "personagens", devo dizer que a floresta é uma figura importante, tanto é que o diretor fez questão de mostrar longas cenas do garoto-meleca caminhando a esmo por ela. Se no começo tudo é breve, no final, o diretor opta por sair do cenário florestal e ir para a cena fantástica do filme, que acontece numa estrada. Falarei dela no próximo quesito. Sheldon Wilson é o nome da criatura que dirigiu essa preciosidade do cinema. Se virem uma obra na qual esteja escrito no pôster "dirigido por Sheldon Wilson", ignorem-na. Não a aluguem, não gastem o seu dinheiro!

ROTEIRO:
O roteiro se ocupa em não mostrar nada no começo e, mais tarde, para compensar aquilo que não foi exibido antes, começamos a ver uma série de bobagens. Se leram o que escrevi sobre os personagens, devem saber que são superficiais. O roteirista, que é também o maravilhoso diretor (esse Sheldon Wilson é mesmo muito multifacetado, que beleza!), tentou mostrar um porquê de os personagens morrerrem, então, criou flashbacks que soam ridículos quando exibidos. Um dos policiais, por exemplo, morre num
determinado momento do filme e não há motivo para ele morrer a não ser a vontade do roteirista; para justificar o acontecimento, há um flashback que nos revela que ele era um policial que traficava, ou seja, era uma pessoa ruim. "Hã?", foi o que eu pensei. O garoto-escoador vira rios de sangue. Sabe a poça de sangue na imagem ao lado? Pois bem, é o menino do começo do filme. Calma, atentem: o sangue não é do menino; o sangue é o menino. E toda vez que ele encosta em alguém ele é capaz de fazer com que a pessoa tocada veja todo o seu passado. Num momento brilhante do filme, os policiais inteligentemente decidem descobrir de quem é o todo aquele sangue que está no corpo do garoto e descobrem que não é o sangue de uma pessoa, mas de muitas pessoas e que todas aquelas pessoas desapareceram na floresta. E aquela policial que não serve pra nada (só pra se assustar e parecer durona), ao observar 150 fotos de "missing people", é capaz de perceber que o rosto do garoto é uma junção dos rostos de todas as pessoas desaparecidas. "Oh, mas essa mulher é um gênio!", eu pensei. Ela conseguiu notar que o lóbulo direito do rapaz era idêntico a de uma pessoa enquanto a sua sobrancelha esquerda pertencia a outra pessoa! E a cena se torna ainda mais fantástica quando é mostrada a personagem montando um quebra-cabeça com as fotos, reproduzindo o rosto do garoto. Gostei especialmente da maneira como o assassino do filme "cuida" de suas vítimas: o assassino as pendura a dois metros de altura e as mutila, rasga-lhes a boca, abre-lhes a barriga e deixa-as sangrar ali, no desconforto daquela posição (e alguém estaria confortável com a barriga e a boca rasgadas?).

Agora que eu apresentei muitas informações sobre o porquê de esse filme ser um erro, quero apresentar o motivo que me levou a entrar em histeria e querer destruir a porcaria do disco de DVD. Apresento para você aquilo que é o maior erro de Terra Rasa: o assassino. Posso admitir que num filme não haja sentido nos eventos mostrados, posso admitir que o roteiro de um filme parta do nada e vá para lugar nenhum, aguento a superficilidade dos personagens e também suporto quando situações bestas são mostradas com o intuito de fazer com que conheçamos um pouco mais sobre os personagens, mesmo que isso acabe não acrescentando nada realmente significativo. O que não consigo admitir é que ofendam a minha inteligência! E minha capacidade mental e lógica foi cruelmente agredida quando o roteirista definiu que o assassino - aquele que pendura as pessoas a dois metros do chão e as mutila brutalmente - seja uma velha de 70 anos revoltada porque o marido morreu num acidente numa represa que nada tem a ver com a floresta ou com os policiais ou com qualquer uma de suas vítimas. O assassino é, só para constar, a velha que vocês podem vem na primeira imagem. E ela, não contente em matar as pessoas, ela ainda faz um espetáculo de marionetes na sala de jantar de sua casa: pendura com anzóis e linhas de nylon os corpos, fazendo com que eles pareçam estar em perfeita harmonia durante um delicios jantar (isto é, se desconsiderarmos quanto estão mutilados, o provável mal cheiro e todos os vermes que os rodeiam).
Vale notar que, embora ela mate suas vítimas com muita facilidade e consiga pendurá-las na árvore usando um esquema de cordas, ela não parece tão sobre-humana quando está lutando com o policial-mocinho cuja esposa foi morta pela velha. Pelas cenas, podemos perceber que a velha não é forte, não é rápida e não é inteligente. Como, então, ela foi capaz de realizar todos aqueles assassinatos audaciosos? Enfim, esse foi o acontecimento que mais me deixou aborrecido e irritado, principalmente porque qualquer pessoa tem consciência de que "assassinatos brutais" e "velhinhas de 70 anos" são fatores incoerentes se estiverem juntos e que só existem se não estiverem co-relacionados. Sheldon Wilson, no entanto, se divertiu criando uma velhinha sem artrite, sem artrose, sem osteoporose, extremamente saudável e forte como um touro! Uma pena que nós não nos divertimos vendo essa conclusão ridícula! Devo ainda dizer que o final nem sequer é conclusivo, uma vez que ele abre espaço para uma segunda parte - que, lamento dizer, já existe.

Pessoal, pensem em tudo o que eu escrevi e olhem a última imagem: uma senhora idosa que mata pessoas, que se entretém com rituais sádicos de mutilação e que gosta de transformar as suas vítimas em personagens de HQ, pode ser levada a sério?  Façamos um questionamento maior: podemos levar a sério a pessoa que deu origem a toda essa sucessão de erros? Não, não podemos. E é por isso que esse filme desse diretor e roteirista é um erro do cinema: ele inverte conceitos básicos, que incluem personagens densos, eventos coerentes, evolução  da história, clímax adequado. E é por isso que Terra Rara é um filme que devemos rejeitar!

Luís

14 de jul. de 2010

Estréia: O Inverso do Cinema

Esses dias, eu estava pensando que eu dedico os posts aos filmes diversos, apresentando apenas nas resenhas sobre o quanto acho um filme bom ou ruim. Num dos meses passados, escolhi importunamente filmes que eram verdadeiros horrores e que ofendiam não apenas ao próprio cinema como também os espectadores que buscavam algo de qualidade artística.

Pensando em como esses filmes têm pouco destaque aqui, decidi criar uma sessão somente para comentar aberrações das quais os cinéfilos - espectadores, de um modo geral – devem fugir. Partindo do princípio de que buscamos num filme certos aspectos, como bom roteiro, boas interpretações, fotografia agradável, trilha sonora interessante e, sobretudo, entretenimento, comecei a procurar alguns títulos que conseguem apresentar o inverso disso tudo: são coisas grotescas e absurdas, que ferem a nossa inteligência com propostas escrotas que tentam parecer totalmente verossímeis e que apenas servem para nos provar que acefalia não mata em todos os casos: algumas crianças nascem sem cérebro, crescem normalmente e, mais tarde, tornam-se produtores de filmes, roteiristas, diretores, atores.

Começo, então, a partir do próximo post, a apresentar pra vocês verdadeiras obras-primas da babaquice. Vocês evidentemente devem saber qual o gênero do qual mais vertem filmes ruins: horror. E vem dessa fonte o primeiro filme a ser analisado na nova sessão. Espero que vocês acompanhem e também dêem sugestões de filmes para ser analisados. Aproveito para lançar a pergunta: num filme, qual elemento é capaz de destruir totalmente qualquer seriedade que o filme tente mostrar? Um filme com roteiro bom e atores ruins é capaz de entreter? Um diretor desestruturado incomoda mais do que um roteiro incompreensível? Atores medíocres e um diretor eficiente, surge disso um bom resultado?


12 de jul. de 2010

Um Sonho Possível

The Blind Side - John Lee Hancock. EUA, 2009, 128 minutos.
Indicado ao Oscar na categoria Melhor Filme e vencedor de Melhor Atriz (Sandra Bullock).
___________________________________________________________________

Confesso que me deparei com uma situação que jamais imaginei: Sandra Bullock vencendo um Oscar. Acredito no talento da atriz e penso que ela seja uma artista plenamente capaz de realizar obras com qualidade; no entanto, sempre a vi em filmes medianos de comédia romântica que sempre serão lembrados pelos fãs de filmes light, mas que jamais seriam reconhecidos em grandes circuitos de premiação. Então, no final do ano passado li um artigo que falava sobre rumores de uma possível indicação ao Oscar e no começo desse ano eu pude vê-la na cerimônia, não apenas indicada, mas também premiada e a minha vontade por conferir The Blind Side apenas aumentou.

Baseado em fatos reais, o filme aborda a chegada de Michael Oher na família Tuohy. Leigh Anne, ao ver o jovem andando a esmo numa noite fria, decidiu acolhê-lo em sua casa por uma noite e essa “noite” se prolongou – Leigh Anne e seu marido aceitaram o jovem em sua casa, deram-lhe comida, alimentaram-no, tornaram-se seus representantes legais. Paralelamente ao aconchego familiar, o jovem sucedia nos esportes, parecendo deixar claro que era um potencial jogador de futebol americano.

Basicamente, essa é a premissa do filme. Sabemos que tudo aquilo que é “baseado em fatos reais” parece ter um charme a mais. Sempre fico pensando se as vidas das pessoas retratadas são mesmo tão dramáticas quanto mostradas nos filmes. É essa a sensação que me dá quando assisto a filmes como Johnny e June, O Último Rei da Escócia, Meninos Não Choram. Curiosamente, não tive esse pensamento em Um Sonho Possível. Isso se deve ao fato de que não há qualquer drama na vida pacata e cômoda da família Tuohy. Tudo parece bastante ajustado e perfeito no mundo deles e eu até fiquei com a impressão de que, exatamente pelo ajuste em excesso, tudo estava desajustado. Uma mulher traz um desconhecido pra casa e permite que ele durma lá numa noite: isso é aceitável. Fazer do abrigo temporário uma moradia fixa em pouquíssimo tempo sem que qualquer membro da família se oponha me parece bastante inverossímil. Mesmo se não houvesse oposição, eu esperava ao menos que houvesse um questionamento que os fizesse se perguntar se aquela atitude era sensata ou não. Isso não acontece em momento nenhum e tudo é realmente muito simples! É curioso também pensar que não haja qualquer amostra de preconceito. Um estudante negro numa escola onde só há brancos exige uma cena que mostre que ele sofre preconceito. Se todos fôssemos como a Leigh Anne do filme – tenho certeza de que a pessoa real passou por muito mais problemas para conseguir o que queria -, eu tenho certeza de que todas as pessoas carentes e desalojadas encontrariam em menos de uma semana um lar permanente.

Confesso que fiquei esperando pela cena-clímax; num filme de drama, essa cena usualmente apresenta conflitos de um personagem em relação a si mesmo ou em relação às outras pessoas e normalmente mostra o desempenho que faz com que acreditemos que se deve a ela a indicação do ator ou atriz à tão cobiçada estatueta. Sandra Bullock, no entanto, não teve esse seu momento de glória. Sua atuação é linear e a sua personagem é tão plana que tenho a impressão de que ela permaneceu rigidamente inalterada do começo ao fim. Não culpo a atriz, que realiza uma boa performance e está correta. Talvez tenha faltado ao roteirista um pouco mais de empenho ao escrever uma cena que exigisse um pouco mais da atriz ou talvez tenha faltado ao diretor um pouco mais de ousadia para pedir que ela chorasse de verdade na cena final. Talvez o maior erro seja do diretor, que simplesmente deixou Sandra Bullock alheia às reações normais das situações por que ela passa. Num acidente de carro envolvendo seus dois filhos, ela não chora, não se desespera; uma mãe provavelmente estaria tremendo de nervosismo. Ela não se exaspera diante dos comentários maldosos de suas amigas sobre o seu novo filho. Ela é boa demais, firme demais, controlada demais. Contraditoriamente, ela parece muito comum! Repito: não culpo a atriz, mas sim o diretor e o roteirista. Só para constar: não creio que essa atuação valeria a alguma atriz o prêmio máximo do cinema.

O filme se limita a Leigh Anne Tuohy e Sandra Bullock. Ou seja, todos os outros atores e personagens são apenas figuras que estão ali para dar suporte à linearidade assombrosa da protagonista. Nem mesmo o garoto, Michael Oher - que deveria ser protagonista da sua própria história -, tem importância na trama. Talvez se tivessem lhe dado mais destaque e tivessem nos mostrado a sua infância ou eventos anteriores à sua adoção, o filme seria mais dinâmico e teria mais emoção. Acho que o termo correto é: sem emoção. É exatamente isso que senti ao assistir Um Sonho Possível – que, vale ressaltar, é um péssimo título! Não é uma obra ruim, mas a sua falta de emoção e a comodidade da direção me fizeram considerá-la apenas “mais uma obra cinematográfica”. Acredito que daqui a um mês nem me lembraria do filme e, com sorte, me lembrarei um pouquinho da atuação de Bullock. Honestamente, prefiro-a em filmes de comédia romântica, como Enquanto Você Dormia; em filmes de romance, como A Casa do Lago, ou mesmo em um suspense, como Cálculo Mortal.

Luís

10 de jul. de 2010

Zuzu Angel

Brasil, 2006, 100 minutos. Drama.
Indicado ao Grande Prêmio Cinema Brasil em 5 categorias. Venceu por Melhor Figurino.
__________________________________________

Começar dizendo que o cinema nacional evoluiu em relação aos últimos trinta anos é clichê. As chanchadas deram lugar a obras mais sérias, com conteúdo dramático mais apurado. Com isso, surgiram grandes nomes e outros foram ressaltados. Atualmente, filmes brasileiros tem recebido grande destaque. Zuzu Angel é um desses filmes que atraem principalmente por dois motivos: tem nomes de peso (como Patrícia Pillar e Daniel de Oliveira) e sua temática nos remete a uma ferida recente na história do Brasil.

Acredito que não haja muitos que não saibam quem foi Zuzu Angel. Estilista renomada do Rio de Janeiro, foi casada com um estadunidense, com quem teve três filhos. Tornou-se uma figura extremamente reconhecida quando ousou enfrentar a ditatura militar a partir do ano de 1971, quando seu filho desapareceu e ela soube que ele poderia estar preso. Após um tempo, concluiu que ele estava morto e começou sua jornada em busca de justiça. Um dos eventos mais conhecidos foi o fato de ela ter ido gritar por justiça nos corredores da ONU.

Eu particularmente adoro esse perído histórico brasileiro. É um dos que mais gosto de ler sobre e pelo qual me interesso bastante. Como eu disse, é uma ferida recente, afinal, acabou faz apenas 24 anos e os resultados dos 21 anos durante os quais o sistema ditatorial funcionou ainda são muito comentados. Uma cinebiografia de uma personalidade tão forte como Zuzu Angel poderia ser um grande marco no cinema, uma vez que poderia aproveitar todos os elementos técnicos e artísticos e transformá-los numa apresentação fiel à situação que existiu entre os anos de 1964 e 1985 além de criar uma boa heroína do cinema nacional, afinal, Zuzu tinha tudo para ser relembrada por tudo que teve coragem de fazer.

O filme, porém, conta com alguns probleminhas que o tornam mediano. Quanto ao roteiro, não vou me ocupar em criticá-lo ou elogiá-lo, pois como se baseia em fatos reais fica meio difícil esperar que nele sejam acrescentados fatos mais dinâmicos que talvez não sejam reais. Não o achei monótono, nem cansativo. Em suma, gostei dos pontos que ele aborda, nos mostrando com certa eficiência o problema supremo que existia naquela época: impor-se contra um regime extremista e perigoso. Acho apenas que o fato de Zuzu ser passional demais estraga um pouco, porque ela parece mais submissa ao sistema do que corajosa a ponto de enfrentá-lo. Não sei exatamente como expor o que penso, pois acho que "submissa" não é palavra correta. Mas ela é muito pendente, quase sempre mais ocupada em choraminguar porque o filho morreu do que empenhada em buscar justiça. Porém, a partir do meio do filme, isso muda e ela finalmente se torna a mulher que eu gostaria de ter visto nos minutos iniciais. As pessoas que me conhecem - e conhecem minha opinião sobre certos elementos cinematográficos - sabem que eu detesto mistura de ficção com realidade, principalmente quando eles inserem fantasmas conversando con os vivos a fim de acrescentar o caráter dramático que, por si só, a cena não possui.

O problema com a caracterização de Zuzu também é do diretor, que em poucas cenas arranca tudo aquilo que Patrícia Pillar pode oferecer. Para ser sincero, me emocionei na cena em que ela diz o que pensa - de maneira seca e em bom tom - sobre a farsa que os militares armaram para julgar o seu filho já morto. Essa cena, porém, foi a única que senti todo o talento da atriz. Mas, de um modo geral, vale a pena ver o filme por causa de sua atuação. Algumas vezes tive a impressão de que não havia na personagem todo o desespero que uma mãe sentiria ao se referir a um filho cujo final ela desconhece, mas não direciono à atriz minha crítica. Acho que o erro foi mesmo de Sérgio Rezende, que não soube administrar bem o que ele queria de cada cena. Daniel de Oliveira, dois anos depois de viver Cazuza, continua interpretando o mesmo personagem. Esqueceram de dizer a ele que o filme era o outro e que a sua atuação, consequentemente, também deveria ser outra. Se ele é ou não um bom ator, eu não sei. Mas que ele consegue se repetir sempre e sempre, isso é fato. Todos os outros atores que aparecem no filme são coadjuvantes e apenas um interfere realmente na qualidade da obra; infelizmente sua interferência é extremamente negativa. Intéprete do sargento que fica contra o regime ao lado do qual esteve uma vez, a interpretação do sujeito (que eu nem sei o nome) é totalmente caricata e não caberia nem mesmo num filme que satiriza situações sérias.

Há várias cenas bonitas, muito bem construídas e interessantes, das quais o diretor soube captar bem o clima e ele as apresentou para nós de maneira poética. Um bom exemplo é a cena em que Zuzu recebe a carta que diz a ele que seu filho foi torturado e morto. A mistura das cenas de tortura com as cenas que mostra a personagem desesperada são bonitas - não são, porém, coerentes, afinal ninguém consegue ler uma carta como a personagem fez. Mas diante da beleza daquela cena, o fator coerência é (quase) esquecível.

Zuzu Angel é um filme mediano, porém deve ser visto, principalmente pelos fãs do cinema nacional. Não é uma obra grandiosa nem possui todos os elementos favoráveis à sua máxima qualidade como produção cinematográfica, mas é um filme interessante, que conta com a boa atuação de Patrícia Pillar e o excelente plano de fundo histórico sobre a ditadura militar.

Luís
___________________

8 de jul. de 2010

Quem Tem Medo de Escuro?

Are You Afraid of the Dark? - Sidney Sheldon, 2004, 375 páginas (Editora Record).
_________________________________________________________

Sidney Sheldon é um dos meus autores preferidos. A narrativa de sues livros me impressiona e faz com que eu seja um fã de suas obras, tendo inclusive lido quase todas as que foram publicadas. Em Quem Tem Medo de Escuro?, Sidney Sheldon nos apresenta quatro mortes misteriosas: uma mulher que se suicidou na banheira, um homem que pulou da Torre Eifel, um piloto cujo avião chocou-se contra uma montanha e outro homem que foi morto por mafiosos. Para Kelly Harris, mulher do homem que se jogou da Torre, e Diane Stevens, esposa do homem morto pela máfia, suas mortes são fatos muito estranhos, mas por sorte elas contam com a ajuda de Tanner Kingsley, dono da empresa para qual os seus maridos trabalhavam. Envolvidos num projeto secreto e altamente perigoso, as mortes pretendiam manter o silêncio, mas tudo muda quando Kelly e Diane descobrem que sabem mais do que deveriam.

Sidney Sheldon constrói mais duas grande heroínas para se juntar ao grande time de mulheres fortes, como Jennifer Parker, Tracy Whitney e Jill Castle. Não há dúvidas a respeito da sólida forma como as personagens Diane Stevens e Kelly Harris foram criadas; o leitor se apaixona por cada uma delas, seja pelo lado positivo ou pelo negativo, já que vemos que elas são quase opostos e ao mesmo tempo tão iguais. Uma é racional, fria e sarcástica, sempre muito lógica; a outra é mais sentimental, contagiante e mais preocupada com a situação, pendendo para um lado amoroso que se funde às suas crenças religiosas. Mas não há dúvidas de que as duas têm muita inteligência e são capazes de muitas coisas pelo instinto de sobrevivência. As páginas iniciais se preocupam em nos dar informações sobre as personagens para depois envolvê-las na ação; primeiro conhecemos a essência de cada uma, para depois vê-las como animais, fugindo de seringas hipodérmicas, explosões de carro, tiros, apartamentos-bomba entre outras coisas.

Li esse livro duas vezes. Na primeira achei meio estúpido o “projeto secreto”, [SPOILER] que consiste numa máquina superavançada capaz de controlar o clima em qualquer parte do mundo [FIM DO SPOILER]. Mas é claro que não há nada estúpido nisso, considerando o que os supercomputadores são capazes de fazer e a forma como as potências mundiais os usam. Numa segunda leitura, percebi que é bastante coerente a situação em relação a todo o inferno pelo qual fazem Diane e Kelly passarem. E todos os personagens, bons ou maus, são bem construídos. Mas esse aspecto positivo não se limita aos personagens. A história em si é muito boa, com vários momentos de ação e vários outros em que vemos a densidade moral e psicológica de cada personagem; cada trecho é coerente, cada momento é único e no final, percebemos que não há ponto sem nó, tudo foi muito bem conectado. Temos, portanto, começo, meio e fim completamente sólidos. É um livro de ação como poucos conseguem ser, pois lê-lo é como assistir filmes como O Procurado ou Controle Absoluto.

É óbvio que recomendo esse livro, pois Sidney Sheldon se mostra realmente hábil ao conduzir essa história eletrizante de duas mulheres que se unem por acaso e que juntas precisam sobreviver até poder revelar o que vem acontecendo. Não há como ler e não gostar da história! Recomendo que leiam esse livro e vários outros de Sidney Sheldon.

Luís

6 de jul. de 2010

O Último Rei da Escócia

The Last King of Scotland. Inglaterra, 2006, 121 minutos, Drama.
Vencedor do Academy Award na categoria Melhor Ator (Forest Whitaker).
_______________________________________________________

Nicholas Garrigan é um jovem recém-formado em medicina. Procurando diversão, ele decide ir para Uganda, onde também pode ajudar com suas habilidades médicas. Ao chegar lá, descobre que o país está passando por um golpe político e que Idi Amin acabou de tomar o poder através de um golpe militar. Ao ajudá-lo após um acidente, Nicholas acaba conquistando a simpatia do presidente, que, aos poucos, torna-se um dos mais severos ditadores da África.

Primeiro, devo dar o devido crédito à pessoa que me incentivou a assistir a esse filme. Pois bem, digo que, com seus comentários extremamente positivos acerca do filme, a Jéssica me fez ter interesse. A primeira coisa que constatei a respeito de O Último Rei da Escócia é que o seu ritmo é bem lento, o que seria um excelente motivo para nos colocar bem próximos dos eventos narrados, nos permitindo acompanhar, juntamente com o personagem de James McAvoy, a transformação ocorrida em Amin. O ritmo lento ainda influenciaria na percepção do espectador, que compreenderia facilmente o processo gradual que fez com que Amin se tornasse tão cruel, conforme vemos no final do filme. O meu principal argumento aqui é pensar que esse seja o tipo de filme que precisa de uma narrativa mais detalhada, com mais nuances, mostrando vários ângulos e perspectivas, nos exibindo várias vertentes da verdade, tornando-a, embora possivelmente real, bastante abaladora.

A lentidão, no entanto, em vez de enfatizar as circunstâncias importantes e criar o efeito desejado de continuidade prolongada, provoca profundo cansaço no espectador. O filme tem duas horas, mas eu me senti com se estivesse há quatros horas e meia em frente à TV. A lentidão virou lerdeza e isso me causou tédio. Não posso criticar o roteiro pela história que ele conta, uma vez que, sendo embasado em fatos reais, não podia acrescentar situações inexistentes à história do ditador e de Uganda. Penso que um dos problemas foi a direção, que não conseguiu tornar o filme dinâmico a ponto de entreter. Apenas cheguei ao fim dele porque achei que seria desrespeitoso maltratar as atuações de Whitaker e McAvoy desligando a TV. Kevin MacDonald usou a mostrar as várias facetas de Amin, exibindo inclusive duas cenas de extremo impacto: uma mulher com os membros costurados de maneira investira - os braços nos lugar das pernas e as pernas no lugar dos braços - e a sua demonstração do que acontece ao homens de sua vila quando ele saem com mulher dos outros. Percebi que a direção é firme, principalmente porque extrai o melhor dos atores; peca, no entanto, ao deixar que seu filme, que potencialmente resultaria numa excelente obra, se transformar numa lenga-lenga infindável e, consequentemente, cansativa.

Dentre os indicados ao Oscar naquele ano, apenas vi as atuações de Leonardo DiCaprio, em Diamante de Sangue, e Forest Whitaker. Embora sua composição seja realmente eficiente, eu não penso que ela poderia lhe render um Oscar. O ator está no máximo correto, sem exageros e sem qualquer aprofundamento que faça com que creiamos que ele merecia a estatueta. Muitos podem discordar de mim, mas penso realmente que o ator em papel principal seja James McAvoy; nos circuitos de prêmios, no entanto, ele chegou a ser indicado como Melhor Ator Coadjuvante. O personagem Amin foi muito bem interpretado, mas dar ao ator um prêmio por sua atuação é um pouco exagerado. Já McAvoy me surpreendeu. Havia visto duas atuações dele apenas e uma delas me agradou, embora O Procurado não seja assim um filme que exija grandes atuações. Aqui sua interpretação é bastante positiva, mas, assim como Whitaker, ele está apenas correto e por isso não vou me prolongar em cortejos para o ator.

Considerei-o um filme parcialmente bom: tem qualidade técnica, porém pouco entretém. Mas eu não vou dizer a vocês que não o vejam, porque acredito que é sempre bom dar uma conferida num filme assim, pois vocês podem realmente gostar dele. Infelizmente, não foi o que aconteceu comigo. E eu duvido que eu vá vê-lo uma segunda vez.

Luís
_________________

4 de jul. de 2010

Gran Torino

Gran Torino. EUA, 2008, 116 minutos. Drama.
_________________________________

Clint Eastwood na direção de duas obras lançadas esse ano. A primeira, A Troca, rendeu à atriz principal uma indicação ao Oscar, mas, contraditoriamente, dividiu os espectadores entre os que gostaram e os que não gostaram. Gran Torino é o segundo filme. E este fez com que a maioria apreciasse a condução de Eastwood, diretor que aprendi a admirar depois de conhecer um de seus trabalhos, que, ainda hoje, é um dos meus favoritos.

Walter Kowalski é um veterano da Guerra da Coreia extremamente preconceituoso, que vive em conflito com todos, inclusive seus filhos. Numa noite, surpreende um vizinho coreano tentando roubar seu carro Gran Torino e, com uma arma, ele o expulsa dali. Dias depois, uma gangue hmong (etnia coreana) promove uma bringa em frente à casa dos vizinhos de Walt, o que faz com que ele interfira e, mesmo sem querer, acabe protegendo o jovem que tentou roubar seu carro. Pouco depois, em outra oportunidade, ele ajuda mais uma vez outro membro da família, o que faz com que se aproxime dos coreanos. A partir desse momento, Walt se vê obrigado a rever suas concepções a respeito da amizade e companheirismo, tendo sua vida transformada por causa daquilo que passou a sentir.

Gran Torino tem como plano de fundo a aprendizagem. O principal fator dramático no filme é a transformação da repulsa em simpatia e a maneira como todos os personagens agem está embasada nos princípios da aceitação do próximo. A diversidade é um elemento importante na vida e o roteiro do filme a mostra de duas formas bem diferentes: mostra-a primeira sob a perspectiva do preconceito, na qual Walt vê apenas o que o difere de seus vizinhos; e depois a mostra sob a perspectiva da união, o que permite ao personagem principal respeitar os outros, independentemente de suas antigas experiências e conceitos anteriores. A mudança que o personagem sofre é banal, todos nós a conhecemos e, por isso, podemos nos aproximar ainda mais daquilo que sente Walt. Conhecemo-la porque é hábito da maioria ter maus pensamentos sobre uma pessoa até conhecê-la melhor e concluir que estava errado. É isso que acontece nesse filme e essa situação simples transforma-o em algo bem maior, bem denso. Todos aqueles que assistiram ao filme Menina de Ouro, também dirigido por Eastwood (e no qual também atua), decerto se identificarão com Gran Torino, uma vez que as passagens comportamentais são quase as mesmas, nos proporcionando momentos positivos de reflexão.

A direção, como costuma ser, é muito eficiente e Clint consegue pegar o que há de melhor em cada ator e em cada situação, sempre com ótimos ângulos de câmera, procurando nos colocar lado a lado com os personagens, aproximando-nos daquilo que vemos. Não somente como diretor, mas também atuando, Clint se mostra eficiente. Ao interpretar o difícil Walt, cujo temperamento é complicado, o diretor-ator realiza um trabalho competente, que mistura humor, drama e amor fraterno - no casod e Walt, praticamente paternal. Ahney Her e Bee Vang, intérpretes de Sue e Thao, foram bem dirigidos e nos mostram grandes momentos em parceira com Eastwood.

De certa maneira, achei-o bem parecido com Menina de Ouro: nos dois há transformação emocional, há primeira contraste para depois surgir a semelhança, há o comportamento fraterno e a busca pela felicidade alheia. Gran Torino, apesar das semelhanças, fica aquém do outro que citei, mas definitivamente é um filme bem interessante que merece ser visto por todos, afinal, é uma obra madura, com excelente direção e uma mensagem bem realista: nem todo bem é alcançado com bondade e, principalmente, isso não é obtido sem dor.

Luís
_____________________________