13 de fev. de 2012

O Artista

The Artist. França / Bélgica, 2011, 96 minutos, drama. Diretor: Michel Hazanavicius.
Um verdadeiro elogio ao cinema.


Não é surpresa que filmes mudos precederam os chamados “filmes sonoros” e, durante muito tempo, principalmente no seu início, o cinema trazia filmes sem som ao público: a sonoplastia se fazia pelo acompanhamento de uma orquestra que, também presente na sala de cinema, era responsável por produzir o som que acompanharia as cenas. De meados da década de 1910 até meados da década de 1930, era assim que o espectador assistia às produções lançadas: sentado numa poltrona numa sala, com músicos orquestrando uma sinfonia enquanto cartelas apareciam esporadicamente para ilustrar alguma fala dos personagens. Ainda que “O Cantor de Jazz”, de 1927, tenha modificado essa estrutura predominante no momento – a dos filmes não-falados –, as cores vieram algum tempo depois: o primeiro filme a ser produzido em cores, i.e., não mais em preto e branco, foi “Vaidade e Beleza”, datado de 1935. E assim o cinema foi “evoluindo”, acrescentando elementos que num primeiro momento não eram comportados em cena.

Não se trata esse texto de um panorama do cinema e a introdução acima tem um motivo: “O Artista”, datado de 2011, é um filme em preto e – caras de espanto –, sem falas! Isso quer dizer que a produção se assemelha àquelas que eram produzidas quando o cinema ainda engatinhava: a história de George Valentin, um grande astro do cinema mudo, nos é contada num filme que não apenas remete, mas também se adéqua a um período histórico bastante diferente do que vivemos agora. A obra em questão aborda já a carreira consolidada do artista do título: o protagonista é um ator talentoso cuja carreira dificilmente poderia ser melhor – ele é influente, vive cercado de atenção de atores iniciantes, diretores e produtores e os seus filmes chamam a atenção. No entanto, tudo se reverte, afinal, chega o ano de 1928 e produções faladas têm surgido, fazendo com que todos os intérpretes do “cinema mudo” se tornem velharias – o público agora quer ouvi-los em vez de vê-los fazendo momices. O casamento já não vai bem, o orgulho não lhe permite aceitar o novo gosto estético pelo som, a raiva lhe obriga a se afastar de Peppy Miller, garota que ele eventualmente ajudou há algum tempo, na época em que ele tinha influência e ela era apenas uma figurante – agora o grande nome dos estúdios e do público é o dela.

O encontro inusitado entre George e Peppy: a moça atravessa a barreira sem querer e acaba perto do seu astro preferido.

Existem filmes metalingüísticos que têm tudo para dar certo. Outros, embora tenham potencial, se arriscam demais caminhando num bosque perigoso. No primeiro caso, está “Nine” (2009), musical da Rob Marshall que deveria, no mínimo, considerando todo o elenco e o corpo técnico, ser um filme inigualável, já que a sua proposta é maravilhosa, mesmo que seu resultado seja, grosso e bem polido modo, insatisfatório. No segundo grupo se encontra The Artist, produção franco-belga, que ousou bastante ao trazer uma obra com tais características: em preto-e-branco e muda. Longe de mim dizer que filmes assim sejam ruins – tampouco quero sugerir que filmes antigos sejam inferiores aos atuais; mas considerando o status quo, é de imaginar que o filme possa arrecadar pouca renda, posto que as pessoas decerto o preterirão a uma obra que esteja dentro dos padrões de cinema já consolidados atualmente.

Lá na década de 1950, mais especificamente no ano de 1952, Gene Kelly, Debbie Reynolds e Donald O’Connor trouxeram as telas um dos filmes metalingüísticos que eu mais gosto (depois de “A Noite Americana” (1970), do Truffaut): o musical “Cantando na Chuva” é uma excelente alegoria da transição do cinema mudo para o cinema falado. Mas “O Artista” vai além: sua força expressiva é conquistada quando ele aborda o cinema falado sem usar falas; a pergunta que nos cabe é: como tão brilhantemente falar sobre a voz, a fala, sem usar ela própria – a voz? Analogicamente, é como um pintor abordar o poder das cores usando somente preto e branco. E o filme não se estende desnecessariamente, seja na sua narrativa, seja na impressão que causa ao espectador – estamos tão envolvidos que a história dos personagens acontece sem que nos cansemos, numa clara amostra de que, desde que estejamos abertos às características desse filme, podemos muito bem ter tanto entretenimento como se estivéssemos assistindo a um filme nos moldes atuais.

Peppy já com a carreira em alta, todos os olhos voltados para ela e para a inovação do cinema falado.

Não bastassem esses pontos positivos, ainda há dois atores extremamente eficientes em conduzir a história e nos envolver em seus dramas pessoas. Tanto Jean Dujardin quanto Bérénice Bejo nos provam que atuação, embora auxiliada pela voz, não depende exclusivamente dela – nem sequer depende dela: ambos trazem personagens densos em situações dramáticas maravilhosas e os defendem assombrosamente bem. Basta observar o carisma de George no sorriso de Jean – o ator sorri com alegria indubitável e, por conseguinte, também o espectador sorri. Já o eterno torpor de Peppy é transmitido extremamente puro a quem vê, provando que Bérénice não mediu esforços para que nós nos sentíssemos como ela, ou seja, sempre à procura da restauração daquilo que deu errado e que supostamente é sua culpa. E conforme o filme acontece e vemos as trajetórias opostas dos personagens – a ascensão de Peppy e a queda de George –, percebemos cada vez mais os atores intensificando a vida dos personagens, até chegar num ponto em que um sorriso e um olhar triste se tornam extremamente desesperadores de tão belo que são representados.

E para não dizer que não há som, afirmo que a trilha sonora que acompanha todo o filme é ótima, dando mais intensidade à trama e, devido a uma cena inicial na qual vemos a orquestra tocando e acompanhando o filme, temos ainda mais a impressão de estarmos mesmo ante um filme produzido na década de 1920. E pra não dizer que não há falas, só cartelas esporádicas, no final há uma surpresa que desestabiliza o espectador, tão genial que é. Decerto é uma das melhores produções recentes, um desses filmes que merecem toda a nossa atenção e que devem ser vistos, revistos e analisados com muita atenção, porque tudo nele, além de funcional e significativo no universo cinematográfico e também no universo da arte, é charmoso e divertido – inclusive o cão, que conquista nossa simpatia assim como George e Peppy.

2 opiniões:

Guilherme Z. disse...

Eu torço muito para que esse filme ganhe o Oscar. Acho que ultimamente a Academia de Cinema tem premiado filmes que são facilmente esquecíveis e muitos deles apenas para fezer média com algumas pessoas ou para corrigir erros do passado. "O Artista" só por sua proposta original em meio a era do 3D e afins já vale o título "o melhor filme de 2011". Sai da mesmice. Abraços!

Júlio Pereira disse...

Desde o primeiro trailer, me emocionei profundamente e, desde então, estou aguardando ele de forma ansiosa. Estou esperando, no entanto, que ele chegue nos cinemas de Goiânia, por isso não assisti ainda. Me parece mesmo uma obra singular e de respeito. Por enquanto, não posso opinar muito bem, mas quando ver, digo o que achei!