15 de nov. de 2012

Selo "Versatile Blog" + Indicações



Essa minha introdução pode parecer um momento baba-ovo, mas realmente preciso dizer que, mesmo que possa até mesmo ser, não há razões pelas quais não se justifiquem meus elogios ao Celo Silva. Conversamos não há muito, embora já visitasse seu blog, Espectador Voraz, e lesse seus textos anteriormente e, como natural de ser, nossa relação se estreitou depois que começamos a dividir um blog juntos, o E o Oscar foi para..., o qual já tem quase 4 meses. Agradeço pelo selo que recebi, acredito que ele me tenha dado mais por gostar do que eu escrevo do que apenas por termos um projeto em comum.

Além, claro, do compromisso de repassar o selo a outros blogs que me aprazem, devo também escrever sete coisas sobre mim. Não costumo escrever muito sobre mim aqui, porque, como já disse, apesar de se descobrir muito sobre mim pelos textos que escrevo, o que pode ser depreendido sempre se dá através dos meus textos, nunca através de relatos confessionais aqui apresentados. São em poucas as oportunidades que posso (ou quero) falar de mim, então, vou aproveitar essa para me expor um pouco mais. Vamos, então, às sete coisas que tenho a dizer sobre mim:

Stay awake up late
1. Contei nesse post sobre o que me motivou a gostar de filmes de terror, mas não contei uma das minhas experiências ruins com eles. Lembro que eu era pequeno, devia ter uns 4 ou 5 anos, provável que não mais do que isso, e estava assistindo filmes com a minha mãe na sala. Tratava-se de uma das sequências de “A Hora do Pesadelo” (1984) que estava sendo exibida pelo SBT. Num dos intervalos, queria ir ao banheiro, mas queria que minha mãe fosse junto, estava com medo tanto da chuva quanto do que via no filme (talvez já estivesse com sono, aí achei isso perigoso, vai que cochilasse no banheiro). Por fim, atravessei o corredor, passei pela cozinha e cheguei ao banheiro – então um trovão me fez percorrer todo o caminho de volta em um terço do tempo que gastei para ir e cheguei na sala chorando. Superado o choro, fui ao banheiro e retornei pra ver o filme.

Se tudo der errado, viro eletricista.
2. Eu já fiz inúmeras coisas inúteis e outras não tão inúteis na minha vida. Hoje faço Letras e penso que não poderia ter escolhido outro curso, seja porque gosto de estudar Literatura e Lingüística, seja porque pretendo mesmo seguir a carreira de docente. No entanto, já fiz muitas coisas que não têm nada a ver com isso: já fiz SENAI (Eletricista de Manutenção); já fiz escola técnica (Eletroeletrônica); já fiz aulas de teclado e quis ter aprendido piano, aí minha falta de talento me convenceu de que não valeria a pena; já fiz dança (balé e jazz, sobretudo; por cerca de 11 anos); já fiz curso de teatro, tendo apresentando belíssimas peças (numa peça, eu fui simplesmente o mal, na sua forma mais abstrata, nem tinha falas!); já fiz curso de montagem e manutenção de computadores. Disso tudo, hoje só sei dançar e, talvez, atuar, já que não sei mais nada de nenhuma dessas outras coisas – não sei nem trocar o resistor do chuveiro.

Exemplar do mau gosto.
3. Não gosto de ratos. Não falo de hamsters, mas daquelas criaturas terríveis que surgem esporadicamente e que nos assombram por um mês, porque, mesmo quando se pensa que foram erradicados, a atmosfera ruim trazida com eles permanece no lugar. Minha aversão é proporcional ao tamanho do animal e do seu rabo. Também tenho medo de altura. Ela e eu definitivamente não nos damos bem, embora eu não saiba nem sequer sugerir uma hipótese para esse meu medo. Nem falo de alturas impressionáveis; falo de dois metros mesmo, isso basta para me deixar apreensivo. Por fim, tenho verdadeiro temor de elevadores. Aí, claro, isso infelizmente está associado ao meu outro medo, já citado aqui: elevador e altura sempre vêm juntos, afinal. Esse talvez seja o maior deles – ainda que receoso, convivo com ratos, ainda que com desprazer, enfrento altura, mas acho desesperador estar num elevador, mesmo que haja alguém comigo. E são ainda piores aqueles que, por um motivo decorativo, possuem uma das paredes de vidro, te permitindo olhar para fora. E são também reprováveis, mesmo que em menor escala que os elevadores com paredes de vidro, os amigos que moram no 14º andar.

Gosto porque eles se pegam.
4. Gosto de filmes. Simples assim. Óbvio que há aqueles que eu adoro, óbvio que há aqueles diretores cujos filmes sempre são um deleite para mim e óbvio que há estéticas que mais me impressionam e das quais mais gosto. “A Malvada”, por exemplo, é uma obra que me agrada profundamente, ainda que já a tenha visto pelo menos 10 vezes. Kevin Smith é um diretor que sabe discutir aspectos sociais e ontológicos de modo interessantes, não é à toa que duas das melhores críticas à pessoa (“Procura-se Amy”, 1997) e à sociedade (“Seita Mortal”, 2011) foram dirigidas por ele. No entanto, reclamo o direito de poder simplesmente assistir aos filmes que quiser e de gostar daqueles que eu achar que sejam bons o suficiente para merecer minhas recomendações – isso significa que o meu “bom” pode englobar tanto o meu filme preferido quanto obras como “Segundas Intenções” (1999), que, se avaliado friamente, facilmente poderia ser classificado como um filme de adolescentes.

"Estou muito feliz por você!"
5. Já me disseram que eu sou inexpressivo. Também já ouvi que sou randômico (difícil é entender como isso se aplica à vida de alguém). Também já ouvi – aliás, da mesma pessoa que disse que eu sou uma pessoa “aleatória” – que sou blindado sentimentalmente, isso significa que eu não conseguiria ter um relacionamento. Discordo de tudo isso: sou muito expressivo e carismático, além de ter total controle das minhas ações, o que não me torna randômico nas situações da vida. E quanto aos relacionamentos, não os quero por enquanto, ainda que não descarte uns flirts e alguns rendez-vous.

Metáfora para a vida.
6. Acho que o mundo é uma fraude, em qualquer área que se queira analisá-lo. Vejamos a universidade: você não precisa saber nada de verdade para estar ali assim como não precisa saber para se formar e, por conseqüência, também não precisa saber para dar aulas (às vezes, na própria universidade) e assim promover essa maravilhosa retroalimentação do não-saber encorbertado pelo migué. O mesmo para qualquer outra coisa da vida: não preciso ver filmes para escrever sobre eles; não preciso conhecer de música para analisá-la. De tudo que sei, talvez o migué seja a aptidão que eu mais aprimoro e faço isso diariamente. Hoje mesmo dei migué em mim e me fiz acreditar que eu estaria bem ficando em casa, agora já até selecionei alguns filmes para assistir e vou ter uma noite maravilhosa como se fosse isso mesmo que eu realmente quisesse.

Só um braço? Será?
7. Gosto de escrever e sou bastante imaginativo, então isso casa bem. Normalmente escrevo contos, mas comecei algo que eu me fiz acreditar ser um romance, que, evidentemente, abandonei em algum momento do caminho. Hoje escrevo contos e gosto especialmente dos temas mais “difíceis” e o termo inclui várias coisas: desde o gosto pelo incesto e pelo estupro até o braço – sim, um dia eu decidi que eu precisava escrever (e tornar interessante) a descrição de um braço. E escrever implica não apenas o apreço pela ficção, mas também pela opinião, justamente por isso tenho esse meu blog e aquele citado no começo desse post.


Agora, finalmente, vamos aos blogs aos quais passarei esse selo. São eles A Mosca Branca, do colega cinéfilo Márcio Santos, e Parada Obrigatória, do colega Leonardo, o qual conheci ainda na época que tinha o blog alojado em outro servidor.

Abraço.

13 de nov. de 2012

Acampamento Sinistro


Sleepaway Camp. EUA, 1983, 88 minutos, terror. Diretor: Robert Hiltzik.

Um filme que mantém segredo quanto ao seu assassino, mas, ainda assim, surpreende - choca! - o espectador com a sua revelação final.

Ao escrever sobre esse filme, creio que seja necessário contextualizá-lo temporalmente antes de me aprofundar na sua estética fílmica. Lançado na década de 1980, o filme se encontra no subgênero slasher que, embora já fosse conhecido há algum tempo, não era tão popular quanto a partir de 1978, com o lançamento de “Halloween - A Noite do Terror”, de John Carpenter. Os anos seguintes viriam a popularizar bastante os slasher movies, que começaram a se produzidos em massa e então chegaram ao nosso conhecimento personagens como Jason Voorhees, de “Sexta-feira 13” (1980) e até mesmo Ângela, de “Acampamento Sinistro” (1983).

E devo dizer que achei o filme sinistro bom, dotado de uma peculiaridade singular. A história de Ângela Baker e dos acontecimentos no Acampamento Arawak é dotada de uma obviedade que intriga o espectador: tudo está tão óbvio, qual é a grande sacada do filme? Fazemos a nós mesmos essa pergunta ao longo de toda a produção, que nos narra a história de adolescentes que são mandados para um acampamento nas férias de verão, onde estranhos assassinatos começam a acontecer, especialmente depois da chegada de Ângela, uma garota de 13 anos cujo pai e irmão foram mortos acidentalmente quando ela era pequena, e seu primo Ricky, que se esforça o máximo possível para protegê-la, já que, como ele mesmo diz, ela é diferente das outras garotas, mais quieta, menos extrovertida.

 A tia totalmente teatral e parcialmente responsável pela surpresa da trama.

Recomendo, a partir de agora, que quem não viu o filme e se incomoda com spoilers, não siga em frente, porque eles inevitavelmente podem surgir, até porque, embora eu assuma óbvio o roteiro, não sei se para outros espectadores possa ter sido assim tão fácil enxergar o que havia ali para ser mostrado. Mas o fato é que somos guiados a dois pensamentos, sendo que ambos atiçam a nossa curiosidade e tiram a credibilidade do filme. As mortes se tornam notórias a partir da chegada de Ângela, uma garota que notadamente tem algum tipo de distúrbio, pois sua postura não é nem um pouco normal. Ela mal fala, se locomove estranhamente, vive afastada de todos os outros do acampamento, com exceção de seu primo, Ricky, e de Paul, melhor amigo de Ricky e admirador dela, que parece entendê-la e simpatizar totalmente com ela, a ponto, inclusive, de querer ficar com ela. Como podem notar, ela é odiada ou evitada pelos outros, que zombam dela e procuram meio de incomodá-la, jogando-lhe bexigas com água, obrigando-a a participar de atividades físicas das quais não gosta, fazendo insinuações de que ela seja homossexual (por “ter medo” de tomar banho com as outras garotas) ou, ainda, tentando molestá-la, como é o caso do cozinheiro, que estréia a lista bastante extensa de personagens mortos nesse longa-metragem.

Vamos lá ao primeiro daqueles dois pensamentos que citei: todos os mortos são personagens que, de algum modo, perturbaram Ângela. Não digo que eles a enfureceram, porque ela não é nenhuma Carrie e não dá pra perceber ódio em seu olhar; mas é sabido que houve alguma perturbação e o resultado disso é a morte dos personagens-problemas. Reafirmo: todos, sem exceção, que incomodaram a garota, morrem. Evidentemente somos levados ao pensamento de que tudo isso é obra de duas personagens: de Ricky, o primo protetor, ou da própria Ângela. Como o garoto se porta como qualquer criança normal, inclusive discutindo às vezes - o que é bastante comum -, nossas apostas recaem sobre a garota, uma vez que ela é muito estranha, provavelmente muito mais incomum do que qualquer outra personagens incomum já vista na década de 1980 no cinema. Não há como suspeitar de outro personagem: Paul parece ordinário demais, os monitores do acampamento não matariam uns aos outros, decerto nem vem à nossa mente a dúvida de que possa ser o pai ou o irmão mortos - que, como se poda esperar em filmes do gênero, podem não estar mortos - e também nem Mel, que, embora pareça proteger ferozmente seu acampamento, poderia ser o responsável pelos assassinatos por conseguir mais marketing. O segundo pensamento é o de que, no final, para fechar a produção, algum personagem aleatório, como a mãe de Ricky, uma mulher extremamente assombrosa, de atitudes teatrais e surreais, pudesse ser o assassino, dando ao filme uma conclusão que nos soasse incoerente, mas que não é assim tão estranho em filmes do gênero, que usualmente atribuem as mortes a algum personagem como se isso - a surpresa - fosse agradar a alguém. Mas até isso parece improvável, então a única coisa que fica martelando na mente é a sugestão de que Ângela seja a responsável por tudo isso. 

 Judy perturbando Angela e perpetuando a curiosidade do espectador em relação ao comportamento esquivo de Angela.

E é mesmo. Ignorando alguns aspectos básicos, como o de ela se locomover em ambientes abertos sem que ninguém a veja e, ainda, ter uma força que parece incomum até mesmo para um adulto, o roteiro nos mostra claramente que a Ângela é a responsável pelas mortes: primeiro a dos que a perturbaram, depois a de várias pessoas, indiscriminadamente. Mas ainda assim o final é surpreende é choca o espectador, que já vinha sendo trabalhado nisso desde o meio do filme. A cena introdutória nos serve para mostrar que a família foi supostamente morta e o porquê de a garota ter medo de água e, daí, as tantas recusas posteriores por não entrar na água. Depois, sabemos, por flashback, que o pai da garota e o amigo dele, que estavam pajeando as crianças quando o acidente aconteceu, eram na verdade amantes, e que as duas crianças - ela e o irmão - já os haviam visto fazendo sexo, o que nos permite concluir que a garota pode ter alguma relação diferente com a visão da homossexualidade, por isso o seu medo de tomar banho com as outras garotas. E também as recusas por deixar que Paul a toque, mesmo quando estão aos beijos e, aparentemente, prestes a ir além dos beijos. Na cena final, é levado ao conhecimento dos monitores que há muitos corpos de jovens assassinados - até aquele momentos, as outras três mortes já descobertas pareciam acidentes - e todos saem à procura das crianças, faltando encontrar após algum tempo apenas Ângela e Paul, que, pouco tempo depois, são encontrados juntos e nus na praia deserta. Então, a revelação máxima, que honestamente faz com que até o espectador mais polido arreganhe a boca, qual a personagem no filme: Ângela, na verdade, é Peter, que sobreviveu ao acidente que matou seu pai e sua irmã quando era pequeno. Tendo sido levado para ficar com a tia, mãe de Ricky, a mulher enlouquecida deu-lhe o nome Ângela e fê-lo passar-se por garota, já que o seu sonho sempre foi uma filha. 

 Angela é o inverso de um boy magia.

Os nossos queixos caídos desculpam a obviedade de todo o resto do filme, que consegue inclusive nos apresentar personagens que viram Ângela cometendo os assassinatos e, mesmo podendo falar, mesmo assim preferiram ficar quietos. Também desculpamos a personagem chata e escrota que Ângela é, porque, afinal, todos os anos vividos com aquela tia louca devem tê-la afetado bastante. E se o roteiro é bobo em seu desenvolvido principal, que é situação no acampamento, ele é excelente nos elementos de suporte à trama, não deixando fios perdidos, como é o caso da cena introdutória e a cena em que conhecemos a tia, que, embora apareça uns quatro minutos no filme, é perfeitamente capaz de nos chamar a atenção por causa de seu comportamento bastante duvidoso que, assumimos a princípio, parece um mau concebimento da personagem - quero dizer, num primeiro momento, parece que a atriz errou o tom e sua interpretação ficou ruim, mas depois entendemos que ela estata totalmente ajustada àquilo que se esperava dela.

Longe de ser uma grande obra, o filme conta com alguns bons momentos, um trabalho de maquiagem bastante exagerado, principalmente quando vemos os mortos por afogamento e por picada de abelhas “acidentais”, e isso me remeteu ao excelente “A Morte do Demônio” (1981), de Sam Raimi; mas também fui remetido a outro clássico do terror supracitado, “Sexta-feira 13” (1980), principalmente quando ocorre a morte de Mel, que é flechado assim como um personagem no filme do Jason. Há, ainda, alguma referências a outras histórias conhecidas, como “O Mágico de Oz”, quando Paul chama uma das monitoras de “a bruxa má do oeste” e também, talvez, uma referência a “De Volta ao Vale das Bonecas” (1970), já que nos dois filmes um travesti assassina seu amante arrancando-lhe a cabeça. Não nego a eficiência de Robert Hiltzik no roteiro - mesmo que não originalíssimo, consegue entreter o espectador na história e, ainda, arranca de nós um bom suspiro de contentamento quando a história se mostra, por fim, concluída.

11 de nov. de 2012

Aniversário Macabro

The Last House on the Left. EUA, 1972, 86 minutos, terror. Diretor: Wes Craven.
Atores toscos, situações estúpidas, efeitos cômicos em momentos inadequados, falta de verossimilhança - e ainda assim uma obra que registra o surgimento de um dos maiores nomes do cinema de terror da atualidade.

The Last House on the Left é o filme que deu a Wes Craven o status que ele tem hoje. Na verdade, o filme apenas o lançou como um dos nomes mais freqüentemente relacionados a filmes de terror. O seu debute foi no ano de 1972 e até hoje "Aniversário Macabro" é um filme bastante cultuado, ainda que seja meio tosco se comparado aos filmes atuais.

Eu mesmo escreveria um resumo desse filme em duas ou três linhas, mas prefiro usar um texto já pronto, que vem a seguir, que, advirto, contém spoilers. "Mari está completando 17 anos de idade e junto de sua amiga Phylis, as duas irão comemorar em um show de rock. Na busca delas por carona, acabam sendo abordadas por uma gangue que as seqüestram. Elas são levadas para um lugar não longe da casa de uma delas, as estupram e matam. A gangue, por engano, acaba procurando refúgio na casa de uma das garotas. Após seus pais descobrirem que eles acabaram de matar sua filha, decidem embebedá-los e matar um a um de forma incomum e dolorosa". (fonte – cineplayers.com)

 Momento do rapto e tortura das garotas.

É exatamente por ler o texto acima que eu confirmo o quão tosco "Aniversário Macabro" é. Por essa sinopse, embasada em algo que provavelmente não é o filme, temos a impressão de que estaremos diante de uma obra repleta de situações tensas e enervantes, nas quais tanto os personagens quanto os espectadores ficarão chocados e sem reação. Não nego que há no filmes momentos bastantes sádicos, nos quais Craven capta bem os eventos agonizantes pelos quais passam as mocinhas do filme, Mari e Phylis. No entanto, essa obra está bem longe de ser isso que a maioria das sinopses que circulam na Internet sugerem. A começar, não entendo a qual parte do filme esse trecho se refere: “[...] Na busca delas por carona, acabam sendo abordadas por uma gangue que as seqüestram”. Carona? Se eu não me engano, elas estão procurando maconha. E a parte final, que diz que os pais embebedaram e mataram de modo incomum e doloroso é igualmente fantasioso. Então, sugiro que, antes de tudo, você não se atenham às sinopses que circulam por aí, porque elas são escritas pelos fãs fervorosos que aumentam exponencialmente tudo que é mostrado no filme – aí, quando resumem, saem essas pérolas.

Deixando isso de lado, vamos ao que interessa: o filme. Não me surpreende que o filme tenha atingido a quantidade de fãs que tem hoje. O filme de tal modo tornou-se cult que é difícil desassociá-lo da cultura que aborda a filmografia do gênero terror. Hoje, é impossível falar sobre filmes de terror sem citar Wes Craven e o seu primeiro filme. Isso provavelmente porque o diretor juntou uma série de elementos na sua obra – fez com que ela fosse bastante sádica, bastante violenta, bastante inverossímil, parcialmente cômica – e, exatamente por isso, muito tosca – e ainda conseguiu juntar um elenco ridículo de atores que fracassam no seu intento de nos convencer de que as situações pelas quais passam sejam reais. Admito que o filme não perde o seu charme por causa disso, acho até que isso lhe confere um ar mais interessante, haja vista que é perceptível que Craven não poderia ter feito um filme assim por erro – ele decerto o fez assim porque o queria assim (e também por inexperiência, eu acredito).

 Outro momento de tortura.

É difícil dizer o que é sério e o que não é no roteiro. Por exemplo, a situação das garotas parece bastante séria, não parece tratar-se de uma brincadeira. Toda a seqüência na qual elas são seqüestradas, levadas para o mato e torturadas parece ter intenções sérias, tanto é que o diretor atribui a essas cenas um caráter dramático notável. Não quero dizer que, por causa disso, as cenas sejam boas – elas não são porque o elenco é muito ruim e, dentre os bandidos e as duas garotas, só a intérprete de Phylis, Lucy Grantham, parece minimamente verdadeira em cena – minimamente, ressaltando. O núcleo que aborda os pais de Mari e a preocupação deles também parece bastante sério, o que me faria caracterizar esse filme como terror com um pé no drama. Há, contudo, o núcleo dos policiais e eles são totalmente anticlímax, porque eles desconstituem qualquer tentativa de fazer com que esse seja um filme de terror. Eles são tão estúpidos e as cenas que os envolvem são tão imbecis – há uma na qual eles tentam viajar sobre um caminhão que transporta galinhas – que não podemos dar credibilidade nenhuma ao filme.

É claro que as cenas intermediárias não nos chamam tanto a atenção como a estupidez máxima do ato final do filme. A suposta vingança dos pais de Mari contra os assassinos de sua filha é simplesmente medonha – no bom sentido, é claro. Eu confesso que ri com o maravilhoso plano elaborado pelos pais da menina. Vale ressaltar que eles foram bastante originais no seu repertório de vingança, pois incluíram facadas, eletrocussão, moto-serra, canibalismo e luta-livre. E o roteiro ainda torna tudo mais inverossímil e improvável, fazendo com que o espectador fique observando atentamente todas aquelas babaquices durante 15 minutos sem parar. Sério, não dou credibilidade nenhuma àquela seqüência toda, afinal, ela é muito sem noção para que eu acredite que haja qualquer menção a uma possível realidade ali.

Não posso deixar de citar que o filme é supostamente baseado em fatos reais. Não procurei informações para saber se essa informação é verídica ou não, mas de uma coisa tenho certeza: ele é fortemente inspirado – na verdade, é uma recriação, de um filme de Ingmar Bergman, chamado “A Fonte da Donzela”, de 1960. E também não devo me esquecer de que em 2009 foi lançado “A Última Casa à Esquerda”, remake dessa obra de Wes Craven. Ainda não o conferi, mas acredito que não seja muito melhor do que a obra original. Aliás, é difícil não ser “melhor” do que esse filme. Mas será que o remake manteve o charme cômico absurdo desse filme da década de 70?

9 de nov. de 2012

Os Inocentes

The Innocents. EUA / UK, 1961, 95 minutos, terror. Diretor: Jack Clayton.
Uma obra extremamente válida, que impõe uma série de dúvidas ao espectador e faz com que ele fique pensando no filme muito depois de ele ter acabado. E, para somar, a melhor interpretação de Deborah Kerr - segundo ela mesma.

Todo mundo sabe o apelo que certos filmes conseguem e o nível de expectativa que alcançam, mesmo antes que nós os vejamos. Foi assim com "Os Inocentes", filme de 1961, com Deborah Kerr – eu simplesmente me senti extremamente motivado, tanto pela presença dessa atriz quanto pela sinopse, que de certa forma me remeteu a bons filmes de terror ou suspense, como "Os Outros" (2001) e "A Aldeia dos Amaldiçoados" (1960), mais tarde refilmado como "A Cidade dos Amaldiçoados" (1995).

 Deborah Kerr, numa das interpretações mais maravilhosas de sua carreira.

Deborah Kerr é uma jovem moça que é contratada por um homem para cuidar de seus sobrinhos, Miles e Flora, que vivem numa casa de campo. O homem impõe-lhe uma condição: não incomodá-lo com quaisquer problemas relacionados às duas crianças. Concede à governanta total liberdade e poder sobre os garotos. Morar naquela casa, tão isolada, tão grande e despovoada, faz com que Srta. Giddens comece a perceber que algo está errado: ela vê constantemente dois antigos habitantes da casa, que, segundo uma das empregadas, já são ambos mortos. Então, a governante começa a desconfiar que ambos estão aparentemente tentando usar as crianças para algum fim obscuro.

Acredito que a grandiosidade nesse filme reside nas atuações. Por mais que tudo no filme seja muito funcional, o grande destaque vai para as atuações, que são todas muito estáveis e elogiáveis. A própria Deborah Kerr admitiu ser essa a sua melhor performance como atriz – e eu dificilmente posso discordar dela. Intensa como Srta. Giddens, Kerr nos assusta mais do que o próprio filme, basta notarmos o seu desempenho em cena, basta ver o modo como os seus olhos se mexem rápidos, sempre à procura de algo, sempre afoitos por uma nova descoberta e, ao mesmo tempo, sempre desconfiados e temerosos de que algo pior possa acontecer. É claro que existem outros fatores que acentuam a sua atuação, tornando-a ainda maior, como por exemplo as boas escolhas de Jack Clayton, responsável pelo famosíssimo "Almas em Leilão" (1959), o qual lhe rendeu uma indicação ao Oscar como Melhor Diretor. Devo dizer que o diretor soube maravilhosamente como guiar o filme, adicionando-lhe efeitos muito sensatos, como o contraste sempre presente entre claro e escuro; seu maior mérito é o uso excessivo de muita luz, o que chega às vezes a instaurar ainda mais terror à sua obra. Vejam a cena em que Srta. Giddens no momento em que, com um candelabro, ela busca desesperadamente pelas vozes que ouve. Talvez o único defeito da direção de Clayton tenha sido a maneira rápida como ele focou a passagem do susto para a aceitação da personagem principal, ela me pareceu bastante racional numa situação tipicamente irracional, mesmo para uma pessoa cuja construção psicológica se dê, sobretudo, pela lógica e pela razão.

 Uma das tantas aparições que perturbaram a sanidade de Mrs. Giddens.

Vale lembrar que o filme proveio de uma obra literária, de nome “A Outra Volta do Parafuso” (1898), do autor Henry James. De certo modo, a história aborda com muita objetividade o tema, que é bastante subjetivo, e isso faz com que à narrativa seja atribuído um tom meio destoante. Ainda assim, o filme traz consigo uma história envolvente, que nos prende exatamente pela sua dubiedade. É difícil decidir se as crianças são mesmo tão inocentes quanto parecem ser ou se são malignas, como também parecem ser. Toda a estrutura narrativa se embasa nas sugestões, nada é tão claramente explícito. Honestamente, eu achei difícil concluir se a governanta realmente via aquelas coisas e acabou contaminada pelas crianças – como a sra. Grose fala num momento: “acha que ele pode corrompê-la?” , referindo-se ao pequeno Miles – ou se ela tinha algum grau de esquizofrenia, porque tudo parece incrível demais, mas ao mesmo tempo, o tom de realidade infligido à trama é deveras assustador.

 Flora e Mrs. Giddens, que vi a assombração do outro lado do lago.

Indubitavelmente, essa é uma trama sobre a perda da inocência. Todos os personagens parecem distante de sua inocência original, todos eles são corrompidos pelas suas dúvidas, pelos seus medos e por aquilo que esperam. Honestamente, acho inclusive possível analisar a obra pelo viés sexual, haja vista que a figura dos mortos pode também representar os desejos sexuais reprimidos – inevitável não pensar assim considerando a cena em que Miles beija Srta. Giddens na boca. Devo, aliás, dizer que essa é bastante ousada, considerando a polêmica que ela potencialmente causaria. Não me restam dúvidas de que seja uma obra muito boa, recomendo-o totalmente, principalmente pela excelente atuação de Deborah Kerr, que está belíssima e irrepreensível. Me surpreende a sua não-nomeação ao prêmio da Academia, haja vista que em 1962 Natalie Wood foi indicada por uma atuação notavelmente menor e desinteressante. O filme, na sua dialética acerca das diversas dicotomias que o constroem - bem x mal, loucura x sanidade, por exemplo - consegue manter o espectador preso à narrativa o tempo todo e o final não é, senão ótimo, um momento catártico digno de atenção dos cinéfilos.

7 de nov. de 2012

A Morte do Demônio

Evil Dead. EUA, 1981, 85 minutos, terror. Diretor: Sam Raimi.
Indubitavelmente, esse é um filme que faz jus à sua fama e que é facilmente um clássico do cinema trash – cada pequeno defeito é uma qualidade a mais e todos os seus erros constituem a sua perfeição!

Nem precisa chegar à cinefilia para conhecer a fama de Evil Dead. Trata-se de um filme do qual todos já ouviram falar, seja pelo seu título original, pelo seu título nacional ou, ainda, pelo seu protagonista, Ash, que é um dos líderes mais aclamados do cinema de terror. Essa produção B de Sam Raimi tornou-se memorável na história do cinema – poucos filmes são tão assustadoramente bons e conquistaram tantos fãs como esse, que gerou duas sequências – uma em 1987 e a outra em 1992 – e, de certo modo, se imortalizou.

Sam Raimi nos trouxe no início da década de 1980 um filme que chamaria atenção pela dose de violência e pelo impacto visual. É inegável que, antes mesmo de nos lembrarmos da história, nós nos lembramos dos personagens caracterizados como possuídos pelo demônio – ou demônios, na verdade, posto que cinco amigos que decidiram passar as férias numa cabana no meio da floresta os libertam ao ter acesso às páginas do Necronomicon, o Livro dos Mortos. O diretor Sam Raimi, que é também o roteirista, torna o seu filme – supostamente de terror – numa obra extremamente engraçada e é exatamente por isso que eu o considero uma obra “assustadoramente boa”, como disse acima. 
Ash, o herói do filme.

Primeiramente, eu gostaria de diferenciar os dois tipos de fãs e me posicionar em relação à minha postura diante deles. Acredito que haja aqueles que simplesmente gostam do filme porque tem medo dele e porque o consideram uma obra impecável, sem grandes defeitos. O outro grupo de fãs são aqueles que percebem os defeitos do filme e compreendem o seu uso como recurso de ironia e, analisando o filme todo, percebem que ele se constrói muito mais pelo hiperbólico do que pelo verossímil. Eu faço parte do segundo grupo de fãs e acho um absurdo o primeiro grupo: é impossível sentir medo dessa produção bem como é impossível não enxergar nela muitos erros – alguns dos quais muito grotescos – de modo a considerá-la uma das melhores filmagens do gênero terror. Até porque se enxergam essa obra com tal seriedade, seria difícil considerarmo-la como pertencente ao cinema trash.

Desde o início do filme percebemos o baixo orçamento. A qualidade da imagem é bastante precária, extremamente diferente de outros filmes produzidos na mesma época. Sam Raimi contava com pouco dinheiro e bastante criatividade e isso se evidencia no excesso de maquiagem (que também ocorreu por outros motivos, como, por exemplo, saída dos atores do filme, obrigando-o a disfarçar os dublês o máximo possível). De certo modo, penso que o filme seja capaz de provocar certa sensação de claustrofobia, mesmo que não se limite ao espaço físico da cabana. A exploração de áreas circunvizinhas é satisfatória para mostrar ao espectador que, embora eles tenham muito espaço, a sua área de atuação é mínima. Isso se evidencia no momento em que a primeira personagem é atacada – quase estuprada, pode-se dizer – na floresta e, curiosamente, pela própria floresta. Cada cena demonstra a precariedade do orçamento, por isso mesmo, até cenas simples, como algumas perseguições, são filmadas com notáveis defeitos.

 Olhem os olhos dela! Que será que aconteceu?

Eu realmente acredito que Sam Raimi escreveu seu roteiro visando criar – simultaneamente ao incômodo do gore – um efeito cômico, que provoca no espectador alguma descontração. Não penso que ele tenha querido de fato criar uma obra de terror; se quisesse, não teria, pois, teria exagerado em algumas cenas que enfatizam bastante o humor. Aproveito aqui para citar a primeira cena de possessão. Uma personagem, na frente de todos os outros, levita, profere ameaças com a voz absurdamente rouca, a sua pele se encontra putrefata, o seu corpo agitando-se numa posição muito incomum; logo depois, cai no chão, desmaiada. Ante o acontecimento, os personagens se questionam a respeito do que aconteceu ao olhos dela, que estavam revirados – como se achassem a levitação, por exemplo, bastante corriqueiro e como se não houvesse mais nada de assustador ou estranho na mulher possuída. É evidente que Raimi criou isso só como ironia, assim como inúmeros outros acontecimentos ao longo do filme, como distâncias incoerentes entre os personagens, aspectos físicos incomuns, entre outras coisas.

Confesso que eu ri demais ao rever Evil Dead. Eu havia me esquecido de como era bom estar diante de um filme tão precioso, tão bom apesar de sua baixa qualidade. Aliás, acredito que o adequado seria dizer “tão bom por causa da sua baixa qualidade”. A luta intensa de Ash por sobreviver é realmente interessante, principalmente porque ele vê todos os seus amigos e sua namorada morrerem no primeiro filme, permanece preso na mesma cabana (no dia seguinte) no segundo filme e, no terceiro, é enviado para a Idade Média, para combater os demônios que há muito tempo assolam a humanidade. Acredito que Ash é quase tão heróico quanto Sidney Prescott, da série cinematográfica Scream (1996-2011) – a diferença é que ela é mais interessante enquanto personagem psicológica e está numa série em que o nível de qualidade é mantido, em oposição à série Evil Dead, na qual percebemos uma crescente perda da qualidade, sendo o primeiro filme muito bom e o último filme sendo muito ruim (leiam: o primeiro diverte bastante enquanto o último é muito chato). Enfim, acredito que essa produção de Sam Raimi merece ser vista, ouso até dizer que ela merece ser apreciada em boa companhia, com uma boa cerveja e totalmente de mente aberta pro que tem de melhor em humor.

5 de nov. de 2012

Christine - o Carro Assassino


Christine. EUA, 1983, 110 minutos, terror. Diretor: John Carpenter.
Ainda que não seja verdadeiramente um exemplo de qualidade em filme de terror, “Christine, o Carro Assassino” consegue bastante entreter o espectador com os seus bons momentos.

John Carpenter é um nome referencial para filmes de terror contemporâneos, principalmente esse de alcances mais populares, como “Halloween: a Noite do Terror” (1978), “Enigma de Outro Mundo” (1982) e o remake “A Cidade dos Amaldiçoados” (1995), só para citar alguns títulos e mostrar o espaço temporal de atuação desse diretor, que esteve bastante ativo pelo menos nas décadas de 70, 80 e 90. A história do Plymouth Fury 1957 nomeado Christine adveio do romance escrito por Stephen King – outra referência quando o assunto é terror – no mesmo ano de lançamento do filme e Carpenter se aproveitou do eventual lançamento do livro para levá-lo às telas e torná-lo um sucesso de bilheteria, principalmente porque o autor já estava popularizado, uma vez que outros textos seus – “Carrie” (1974) e “O Iluminado” (1977) – haviam já sido apresentados ao público por Brian De Palma, em 1976, e Stanley Kubrik, em 1980, respectivamente.

Posterior aos dois títulos supracitados, portanto, localiza-se “Christine, o Carro Assassino” (1983), numa narrativa que se inicia não com o segundo protagonista, Arnie Cunningham, como se lê no livro, mas com a verdadeira personagem central: a própria Christine. O ano é 1958 e já na fábrica o carro dá evidências de não ser inanimado, de deter uma personalidade ferina e muito pessoal. À época sem nome, mas já com atitudes obsessivas, o carro chegou a um dono e, devido a inúmeros acontecimentos, termina, empobrecido e feio, num quintal de uma casa. É nesse cenário que Arnie, um garoto submisso e desajeitado, conhece o carro e decide adquiri-lo – inevitavelmente se entregando cada vez mais ao carro destruído que pouco a pouco reconstruiria, trazendo-lhe novo brilho. E o relacionamento dos dois implica perigos iminentes, que surgem à medida que todos vão se dando conta de que o carro tem vida.

 Christine demonstrando sua raiva e "atacando" Leigh, a namoradinha de Arnie.

É importante não ignorarmos um fator fundamental para a compreensão da história. O Plymouth Fury 58 não é apenas um carro. Ter um nome implica uma personificação do objeto e, mais tarde, perceberemos que o veículo não se limita a um comportamento personificado – vai além: ele é verdadeiramente, salvo sua forma, um ser humano, talvez até se possa considerar como um "transgênero". Trata-se de uma mulher com pensamentos e atitudes na forma difusa de uma máquina de transporte.  Vemo-la confiante, sempre se reciclando, se renovando, se remoçando – de algum modo, a relação de Christine e de Arnie inclusive me remete à letra (não à semântica) de “Olhos nos Olhos”, do Chico Buarque: Christine passou por um relacionamento traumático e ficou à espera de outro alguém, no caso Arnie, a quem pudesse ser devota novamente. E uma vez encontrada essa pessoa, o carro estava disposto a qualquer coisa para ser a única na vida do amado. E, apesar de os créditos serem do romance escrito, acho interessante a abordagem ontológica da obra, que mostra a relação da pessoa consigo mesmo: primeiro, inequivocadamente insegura e imprecisa, então confiante a partir do momento em que encontra alguém em que se “apoiar” e que pareça lhe dar algum sentido à existência. Essa é a forma como muitos vêem o amor – “uma pessoa só é completa quando encontra sua alma gêmea”. Arnie tornou-se inteiro ao amar Christine e ser correspondido. E é somente isso que explica o tempo que Christine ficou ao léu naquele quintal descuidado: não havia por quem ela se apresentar inteiriça e dedicada, uma vez que não havia, até Arnie, quem a amasse de verdade.

Se John Carpenter falha ao explicitar o amor de Arnie por Christine, ele realmente acerta ao mostrar que Christine é verdadeiramente uma personalidade forte e que se faz indiscutivelmente presente. Esteja o carro decrépito ou reluzindo, a figura de Christine em cena é muito mais forte do qualquer outro personagem, seja pelo tratamento dado pelo diretor ao veículo ou pela fraqueza interpretativa dos outros atores. O cuidado ao apresentar o carro ao público é o grande diferencial, justamente porque é isso que faz com que nós compreendamos toda a grandeza do veículo que, como vemos gradualmente, deixa de ser um veículo simples para tornar uma criatura de ações premeditadas. A trilha sonora do filme ajuda bastante a criar o ambiente de tensão crescente - a cena inicial, que mostra o "nascimento" de Christine é embalada maravilhosamente pela canção "Bad to the Bone", já indicando assim a natureza perigosa do carro. O carro (obviamente) se locomove, pensa, mata e também fala: não é à toa que antes de acontecer algum crime o carro liga seu rádio, com alguma música dos anos 50 sendo tocada. 

Christine, o carro, é um espetáculo à parte, por si só parece querer dizer muito mais do que o filme como um todo. Essa obra não é uma maravilha, decerto não se trata de um filme que eu recomendaria a alguém que me pedisse sugestão sobre um grande filme de terror, mas inegavelmente é uma obra que diverte o espectador e que conta, pelo menos, com boas características, como é o caso da trilha sonora, muito eficiente; do destaque dado à personagem principal do filme, no caso Christine; até a intepretação de Keith Gordon é bastante positiva, embora haja quês de exagero em alguns momentos, que acabam acentuados pela maquiagem pesada aplicada no ator em alguns momentos. Apesar de ter muito para ser um grande filme, penso que falte uma abordagem mais intimista na dupla central - Arnie e Christine -, sobretudo conectando-os de modo a estabelecer melhor a sua conexão. Dando espaço para os coadjuvantes Dennis e Leigh, respectivamente melhor amigo e namorada de Arnie, o filme parece se ampliar de modo que não se possa construir bem os personagens que se propõe a relatar. Equívocos, talvez, ou talvez seja apenas uma má interpretação minha. Mas, de qualquer maneira, não vejo grandes defeitos no filme e acho, aliás, que se trata de uma obra muito capaz de entreter e de divertir a quem o vê, ainda mais porque o filme não envelheceu mal. Para quem não procura muito ou para quem procura mais diversão do que objeto de análise artística e intelectual, "Christine - O Carro Assassino" (1983) funciona bem. Antes de fechar o texto, fica o meu descontentamento com o título - com um pôster tão chamativo, sombrio em sua arte, por que expor já desde o começo que Christine é um carro assassino? Por que não nos deixar descobrir isso por nós mesmos - já na primeira cena somos apresentados a algo sobrenatural, não há por que estragar o título com tamanho didatismo.

3 de nov. de 2012

Gênero terror: estética do divertimento



Esse texto foi publicado originalmente no blog Um Oscar por Mês, em 5 de março de 2012.
________________________________________________________________________________________  

O MEDO COMO ESTÉTICA DE DIVERSÃO: O GÊNERO TERROR.


O cinema, desde que surgiu e foi gradualmente agregando novas estéticas artísticas, inevitavelmente abriu espaço para as mais diversas emoções: desde o alívio quando o casal de um romance finalmente supera as adversidades e termina junto, como em An Affair to Remember (1957), até a tensão de observar inerte ao desespero de pessoas presas num local que decerto as levará à morte, como em The Towering Inferno (1974). Mas muito antes disso – de qualquer um dos filmes citados –, datado do começo do século XX, inúmeras outras sensações já haviam sido expostas nas películas e, ainda mais anteriormente, a literatura já as havia dado ao seu público, permitindo que eles rissem de uma situação histriônica, chorassem a morte de uma personagem, se encantassem com a atmosfera de alegria presente numa narrativa e, também, fez muitos leitores sentirem medo.

Há, primeiramente, que se ignorar o pressuposto de que o medo é um sentimento infantil e que a estética do horror seja, dado a sua natureza assombrosa, voltada para o público adulto. Precisamos nos lembrar de que o medo evoca a compreensão de que algo ou alguém pode nos atingir e nos afetar negativamente, mostrando assim que, mesmo que mais sobressalente em crianças, a capacidade de abstraí-lo e correlacioná-lo a algo concreto requer bastante maturidade. Depois, é necessário compreender o horror enquanto estética advém da verossimilhança, ou seja, da comparação com elementos reais, de modo que haja, na vida real, algo que se assemelhe àquilo que é visto em filmes e livros, independentemente do público para o qual sejam voltados. Como se vê nos contos de fadas, a benevolência e a maldade, o bom e o mau, o certo e o errado – todos advindos de padrões morais e éticos –, representam a máxima dicotomia da vida: ou dá certo ou não dá. Em seu livro Psicologia dos contos de fadas (1980), BETTELHEIM afirma que “nos contos de fadas, o mal é tão onipresente quanto a virtude” e acrescenta que “bem e mal são onipresentes na vida e as propensões para ambos estão presente em todo homem” (p. 15).

Assim, já eliminamos o pensamento de que sentir medo é uma característica infantil e acrescentamos a afirmação com base ontológica que o ser humano vive a dualidade de ser bom ou ser mal. E, aproveitando o ensejo, talvez Dr. Jekyll and Mr. Hyde (1931) seja um bom exemplo de ilustração para representar essa problemática proposta, ainda que represente essa bifurcação entre o correto e o errôneo de modo bastante alegórico, qual o faz The Picture of Dorian Gray (1945): ambas as obras discorrem acerca de homens que vivem dupla vida, uma enquanto figuras sociais representativas e modelares, outra enquanto criaturas sociopáticas e indesejáveis. Aproveitando os exemplos, cabe agora dizer que a estética do horror não faz uso de um elemento puro e uno, mas decerto busca provocar o terror em quem lê um conteúdo literário ou assiste a uma produção cinematográfica – assim, como todos os gêneros narrativos, pode-se dizer que o gênero terror é bastante híbrido, principalmente por causa do intercruzamento que tem havido entre os diversos gêneros cinematográficos. Ficção científica e o terror podem se unir numa trama como Alien (1979), na qual astronautas se vêem cercados numa nave por uma criatura alienígena que potencialmente os devorará; The Exorcist (1973) une o terror de uma possessão demoníaca ao drama de uma família incrédula que se vê destruída pelo que não consegue compreender. Num trabalho oralmente apresentada na Universidade Federal Fluminense no ano de 2001, o professor doutor Eurico de Lima Figueiredo afirmou que as classificações genéricas são apenas um método de enxugar do modo mais eficiente a atmosfera do filme e que a classificação “retém algo de artificial perante a complexidade da realidade que pretendem entender e nomear” – isto é: o horror pode estar presente em películas de quaisquer gêneros.

Ainda que não se proponha analisar diacronicamente o gênero, torna-se inevitável não apontar algumas estéticas fundamentais à consolidação do medo nem se podem ignorar títulos que percorreram a vida do cinema e que mostram que há público para assistir a essa estética fílmica. As doutrinas cinematográficas que embasam o gênero são praticamente tão velhas quanto ele próprio, uma vez que o terror se apropriou, além de suas próprias bases, da pintura e da literatura – a primeira visual, a segunda mentalmente imagética – para compor o filme, que é notadamente muito mais visual que qualquer uma das artes citadas. Que fique a ressalva, a tempo, de que a afirmação apenas se refere ao fato de que os filmes apresentam um número maior de imagens e que eles inevitavelmente “impõem” uma definição modelar ao espectador: aquele que lê Frankenstein (1818), de Mary Shelley, possui mais liberdade para imaginar o personagem à sua própria maneira do que aquele que assiste à obra cinematográfica, uma vez que o filme já lhe apresenta a figura pronta, cabendo ao espectador não imaginá-lo, mas acompanhar o desenvolver da trama.

Como já citado, o cinema de terror se apropriou de vanguardas para se fortalecer. Apenas a realidade, no seu máximo verossímil, não era suficiente para impor ao espectador a estranheza causada por um filme como Nosferatu, eine Symphonie des Grauens (1922), obra alemã que fez uso do expressionismo a fim de fazer “a arte ultrapassar os limites da realidade, tornando-se expressão pura da subjetividade psicológica e emocional” (MONTEIRO, 2007, s/p). Ainda discorrendo mais sobre a relação do real e do fantasioso, o autor afirma que a “deformação das figuras dos expressionistas mostra claramente os impulsos libertários do movimento que submeteu o real às leis da imaginação, com pinturas de atmosfera apocalíptica e anarquista” (idem). E transpondo o significado de “anarquismo” para a natureza das artes, fica evidente que o expressionismo buscava desestruturar, através do horror, o arquétipo de cinema que havia até então: o exaustivo retrato da vida real. 


Qual é o propósito, afinal, do gênero e como ele atinge o público? Decerto angustiar a platéia seja uma de suas finalidades. NOGUEIRA (2010) diz que, quanto ao gênero, “o seu apelo e o seu fascínio para o espectador, provêm, ironicamente, da incomodidade e do desconforto que provoca neste”. E importante que saibamos que não apenas o incômodo, tampouco o medo em si, mas inúmeras sensações e emoções são correlatas a essa vertente cinematográfica: o asco em Cannibal Holocaust (1980), a angústia em Rosemary’s Baby (1969), a claustrofobia em The Shining (1980), a desolação em Night of the Living Dead (1968) e, trazendo mais próximo de nossa época, a inércia em Dark Water (2005) e a incompreensão em Paranormal Activity (2009). Todos esses filmes inevitavelmente se encarregam de perturbar o espectador, colocando-o lado a lado com a possibilidade de que aquilo na tela possa, afinal, se aproximar dele de algum modo e assim o colocar na mesma situação que a do personagem a que ele assiste.

E todas essas sensações dependem de uma via bilateral: tanto o filme deve se mostrar capaz de levar sua mensagem ao espectador quanto o espectador deve estar aberto ao que virá. Uma produção composta por aspectos artísticos fortes é capaz de revirar o estômago do público: um bom trabalho de maquiagem que transforma um rosto angelical em algo diabólico; um bom trabalho de som que consiga condicionar o espectador a seguir a cadência de tensão do filme; direção perspicaz, capaz de truques para intensificar a tensão, como a opção por filmar de ângulos diversos, diminuindo ou aumentando o personagem em relação à visão do espectador. E cabe à platéia selecionar quais filmes quer ver: de nada adiante ir ao cinema assistir a uma película de terror sobre zumbis se o que lhe dá verdadeiramente medo são os fantasmas ou os extraterrestres.

Há quem torça o nariz para os filmes de terror: “não são tão bons quanto os dramas”, “só tem sangue nisso”, dentre inúmeras outras afirmações descabidas, principalmente porque é bobagem, no caso da primeira assertiva, ignorar o drama psicológico que circunvizinha os personagens, e, no caso da segunda, esperar que o filme em questão desrespeite a sua própria proposta (por exemplo, é injustificável fazer tal reclamação de uma obra como Nightmare on Elm Street, de 1984, cujo enfoque é justamente no seu caráter sanguinário). E, aproveitando o último filme citado, é improvável não admirar a produção dos filmes de horror, principalmente porque eles, quais os contos de fada, colocam no nosso imaginário inúmeras figuras que nos perseguirão por toda a vida – sempre nos lembraremos de Jason (Friday the 13th, 1980), o assassino mascarado do Lago Cristal e do seu persistente ciúme pelo acampamento; também traremos conosco o terror intrínseco à personagem de Anthony Hopkins em The Silence of the Lambs (1991) e, ao ver sua imagem, seremos sempre como Clarice Starling, a olhá-lo com olhos desafiadores e, ao mesmo tempo, apavorados; tampouco creio que haja quem possa se esquecer dos fantasmas que perseguiram Nicole Kidman em The Others (2001) e, muito antes dela, dos espíritos trevosos que perturbaram a vida de Deborah Kerr, em The Innocents (1963). E o mal, em sua forma mais dilaceradora, não se verifica apenas em assassinos seriais e casas mal assombradas – ele também se apossa de crianças – mesmo as mais dóceis – e as transforma no elixir do terror que vimos em Rhoda Pennmark, Damien, Henry Evans e Samara, respectivamente dos filmes The Bad Seed (1956), The Omen (1976), The Good Son (1993) e The Ring (2002).

Como todos os outros gêneros, o terror não se limita aos adultos tampouco faz com que os humanos sejam os protagonistas. Com caráter bastante democrático, o elemento a causar o terror pode ser uma pessoa (Sleepaway Camp, 1983), um sonho (The Cell, 2000), um fenômeno da natureza (The Fog, 1980), um veículo de transporte (Christine, 1983), um lugar (The Pet Semetary, 1989) ou, pasmem, até mesmo um objeto (The Refrigerator, 1991). E, como todo gênero, tem suas exemplares que merecem ser conferidos (REC, 2007) e aqueles dos quais devemos passar longe (5ive Girls, 2006). E, sobretudo, não podemos ignorar o fato de que, como qualquer outro gênero, o terror é fundamental para a análise não apenas do cinema enquanto objeto artístico e, conseqüentemente, sociológico (já que traz consigo o reflexo de uma sociedade), mas talvez do próprio homem, que viu na produção cinematográfica um instrumento para registrar aquilo que é presente em nossas vidas: o medo.


Referências bibliográficas:
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Tradução de Arlene aetano. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

FIGUEIREDO, Eurico de Lima. Cinema, terror e ideologia. In: < http://www.achegas.net/numero/um/eurico_f.htm>, acesso em 02 de março de 2012.

MONTEIRO, Pedro. O Expressionismo recriando conceitos e valores. In: < http://www.overmundo.com.br/overblog/o-expressionismo-recriando-conceitos-e-valores>, acesso em 02 de março de 2012.

MOURA, Edgar. 50 anos luz, câmera e ação. São Paulo: SENAC São Paulo, 2001.

NOGUEIRA, Luiz. Manuais de cinema II: os géneros cinematográficos. – s.n.t.

XAVIER, Ismael (org.). A experiência do cinema. Coleção arte e cultura, v. nº 5. Rio de Janeiro: Edições Graal: Embrafilme, 1983.