2 de fev. de 2012

Do Começo ao Fim

Brasil, 2009, 100 minutos, drama. Diretor: Aluisio Abranches.
Uma proposta interessante, mas um desenvolvimento de roteiro assombrosamente inverossímil.

“Eu te amo porque você precisa de amor”. – Francisco.

Não há como negar que o cinema nacional tem aumentado exponencialmente o seu empenho em produzir obras interessantes. Vários títulos têm surgido e os temas têm sido variados: alguns abordando personalidades famosas (Cazuza e Jean Charles, por exemplo), outros com temas convencionais (como Divã) - o mais interessante, no entanto, são as temáticas mais corajosas, como os recentes "Verônica" (2009), que aponta uma série de problemas relacionados ao ensino, à segurança, à sociedade, e "Do Começo ao Fim", do mesmo ano, que aborda um relacionamento homossexual incestuoso.

Antes de mais nada, quero explicitar algo em relação ao comentário que acabei de fazer. Por "temática corajosa", me refiro apenas ao mote do filme e não à maneira como ele foi concebida. Independentemente de acharem ou não o filme bom, não é concebível considerá-lo convencional, já que o seu tema é extremamente forte e, ainda que visível e "palpável" em nossa sociedade, tratado como inexistente. Devo também dizer que sou aberto a todo tipo de relação, desde que, evidentemente, ela seja consensual em relação a todas as partes envolvidas - por isso considero válido o envolvimento entre os irmãos de "Do Começo ao Fim" (mas não me agrada a situação proposta em "Cama de Gato" (2002), na qual três jovens estupram uma moça). Acho importante apresentar esse comentário, assim nenhum leitor pode interpretar a minha opinião em relação ao filme como preconceituosa - seja em relação à conduta homossexual ou à conduta incestuosa.

Como perceberam, o filme narra a trajetória de irmãos que se tornam amantes. O título faz alusão à vida deles, desde o momento em que eles se tinham apenas como irmãos e, partir de então, como eles foram evoluindo esse sentimento até constantarem que estavam apaixonados e que se queriam também numa vertente sexual e não apenas emocional - amam-se como um casal, não estando conectados apenas pelo laço fraterno. O "fim", não sei a que se refere, já que essa obra não se preocupa em mostrar o fim explicitamente - aliás, nem sequer é feita uma alusão a algum momento ou situação que possam definir o fim como "fim".

Devo dizer que eu gostei do roteiro por um motivo: praticamente metade da história é dedicada aos personagens enquanto crianças. É narrado, na primeira cena do filme, o modo como eles se "conhecem": Thomás, que ficara duas semanas de olhos fechados depois de ter nascido, viu o irmão tão logo que decidira abri-los. Nesse momento, há uma metáfora interessante, comentada pelo narrador, na qual é dito que Julieta, a mãe de Thomás e Francisco, não se preocupara quando o filho não abriu os olhos, pois sabia que ele o faria quando achasse certo. E, então, é dito de modo taxativo, mesmo que coberto por um tom muito amistoso, de que a Thomás fora concedido o livre-arbítrio. Essa é uma amostra clara de que os pais do garoto respeitariam as suas vontades e necessidades, aceitando-as mesmo que inesperadas e respeitando-as logo. Muitos reclamaram de que era desnecessário "desperdiçar" metade do filme para traçar essa trajetória; afinal, "ninguém está interessado neles como irmãos". Concordo no que diz respeito ao tempo gasto no detalhamento da relações das crianças - se houvesse uma redução, provavelmente haveria uma dinâmica maior no filme. E eu nem por um momento reclamei deles enquanto garotinhos - creio que seja necessário para o espectador primeiro conhecê-los como irmãos, para depois conhecê-los como amantes - mostrar como o amor fraternal se tornou amor matrimonial.

As falhas, porém, são como o título: do começo ao fim. Enquanto crianças, os garotos mantêm um envolvimento fraternal, apenas. Foi visível para mim que eles se amavam como um irmão ama o outro. Não há, em nenhum momento enquanto as filmagens mostram os atores-mirins, insinuações de quaisquer naturezas sexuais. Provavelmente isso se deve ao fato de que o diretor trabalhava com crianças, o que dificultaria uma cena de caráter mais ousado. Considerando o fato de que eles se comportam do mesmo modo o tempo todo, achei incoerente a cena em que Julieta, a mãe dos garotos, os olha e simplesmente descobre que eles são mais do que irmãos. É como se Julieta tivesse tido um insight e, naquele momento singular, tivesse decidido que os filhos eram gays. Infelizmente, o problema de trabalhar com criança e optar pela sutileza durante as filmagens fez com que isso destoasse da minha percepção de realidade.

Mais tarde, quando os garotos crescem e se tornam homens - e, portanto, têm a sua visão de mundo já bem estruturada -, o filme declara abertamente a relação homossexual e incestuosa dos dois. Isso é feito, porém, numa cena que está totalmente desencaixada do roteiro, uma cena feita exclusivamente para dar um tom poético à nudez dos atores em cena. Honestamente, eu a enxerguei sem qualquer propósito, considerei-a substituível, principalmente pelo momento no qual foi inserida. Voltando de um funeral, a câmera filma de cima, mostrando quatro personagens na sala. Rosa, a empregada, sai de cena; depois, o pai dos garotos também sai. Ficam os dois, que começam a tirar as roupas, num contexto claramente sexual. Como puderam colocar essa cena nesse trecho lacônico da obra? Muito questionável.

Esse, contudo, não é o grande problema. A segunda metade é simplesmente inverossímil; nela, não há nada em que seja realmente possível de se acreditar. Os personagens, que são irmãos, gays e mantêm uma relação entre si - repetindo: homossexuais e incestuosos -, não encontram quaisquer obstáculos para a consumação de seu envolvimento amoroso. Os pais simplesmente aceitam a relação; não a questionam, não se opõem. Não quero com isso dizer que a oposição e o questionamento deveriam provir da concepção de que a união deles seja errada; a reação primeiramente negativa dos pais deveria provir do fato de que eles estão inseridos numa sociedade que vê relações como a dos jovens como errôneas e, ainda, pecaminosas. Hoje é possível dizer que haja mais aceitação em relação aos homossexuais - o respeito, porém, ainda não existe majoritariamente -, mas é inquestionável que o incesto definitivamente não é bem visto. Numa entrevista, li que o diretor do filme não queria "levantar bandeiras, apenas contar uma história de amor". Isso, no entanto, acarretou uma série de inverossimilhanças, já que a leveza com a qual esse romance foi abordado toma como base uma sociedade extremamente utópica, na qual todos os relacionamentos são aceitos - se vocês vivem no mesmo mundo que eu, evidente que sabem que essa sociedade não é a nossa.

Quanto à vertente cinematográfica - principalmente no que diz respeito aos aspectos técnicos -, devo dizer que não achei a obra notável. No máximo, posso fazer um elogio à fotografia, a qual considerei boa e relevante, dando um charme a mais ao filme. A trilha sonora, cujo efeito é positivo em alguns poucos momentos, não se faz notar em muitos outros; trato-a, portanto, como insatisfatória quanto à sua intenção de causar efeito estético no espectador. A direção é turva e duvidosa, de mau gosto no que diz respeito à forma como a história dos personagens foi concebida pela alienação do diretor, que temeu ousar e mostrar algo realmente convincente. As atuações, lamento dizer, são instáveis e não me convenceram o tempo todo - Júlia Lemmertz é a que me parece melhor, mas, mesmo assim, está numa atuação muito mediana, beirando o insatisfatório. Fábio Assunção é um mero figurante, já que sua participação na película é mínima e quase irrelevante. Os estreantes, Rafael Cardoso e João Gabriel Vasconcellos, não fazem um trabalho maravilhoso, até porque não há muito que fazer, pois seus personagens não são desenvolvidos a ponto de permitir que os atores os trabalhem bem. Não culpo, porém, apenas os roteiros – acho ainda assim que os atores poderiam ter se empenhado mais. As crianças são muito espontâneas e elas me passaram a credibilidade do afeto que sentiam uma pela outra, mas isso não salva o filme no quesito atuação.

Eu sei que há os defensores do filme – há aqueles que digam que essa é uma história de amor e por isso é contada com essa suavidade. Não duvido de que seja uma história de amor; apenas não há verossimilhança em toda a narrativa. Uma professora minha uma vez comentou que “vidas em equilíbrio não dão história”, e o problema do filme consiste no fato de que tudo na vida dos personagens é excelente, de modo que não há qualquer conflito. Não o achei totalmente ruim, me entretive um pouco, mas definitivamente não achei uma obra válida, capaz de expressar com eficiência os dilemas do envolvimento dos personagens.

6 opiniões:

Eduardo Monteiro disse...

Luís, concordo com você na maioria dos aspectos. Na verdade, discordo apenas na questão das atuação, que gosto, de modo geral. Mas certamente, o filme se passa em um universo paralelo no qual preconceito não existe. Parece até que na infância, quando o romance não existia (ou não era assumido, ou consciente), havia algum tipo de preconceito, mas na fase adulta realmente inexiste.

Desse jeito, o roteiro acaba apelando mesmo para um conflito absolutamente insosso, que também não funcionaria em um filme "convencional" de romance. O modo como ele é resolvido, então, é tolice pura.

E a cena de nudez pós-funeral, tive a mesmíssima sensação! Ela definitivamente não se encaixa. Tentar conferir um caráter poético com a lentidão e a trilha foi a tentativa do diretor de torná-la menos absurda mas, ao meu ver, não funcionou.

Ótimo texto! Um abraço

Alan Raspante disse...

Mesmo que contenha falhas, eu verei ainda por esses dias. Estou tentando ver mais filmes nacionais. Enfim, não espero muita coisa desse filme. Desde o lançamento eu não fui com o jeitão da sinopse.

Enfim...

Anônimo disse...

Porque raios eu ainda não conferi esse filme?!

Rodrigo Mendes disse...

Eu achei o filme um comercial de manteiga, sabe? A falta de conflito que você apontou muito bem em seu texto. Não podemos apresentar nenhum problema e sorrir de manhã para as câmeras tomando aquele café gsotoso e passando no pão a melhor manteiga Doriana do mundo!

Não gostei, além de inverossímel é chato, muito chato.

Abraço.

Matheus Pannebecker disse...

Um filme covarde e fora da realidade. Sem falar que é mal filmado. Enfim, "Do Começo ao Fim" é implausível. Detestei.

Anônimo disse...

Alguem pode me dizer quem eh o autor do texto/poema do final do filme? achei-o muito lindo.
Obrigado
Marco
Saarbrücken, Alemanha