20 de mar. de 2012

Disque M para Matar

Dial M for Murder. EUA, 1954, 105 minutos, suspense. Diretor: Alfred Hitchcock.
Um filme que é capaz de deixar o espectador estarrecido com as situações vistas. Todo o conjunto - diretor, elenco, trilha sonora, fotografia - compõem um dos melhores filmes do século passado. Uma verdadeira preciosidade do cinema.

Eu já havia conferido anteriormente o filme Um Crime Perfeito, de 1998 e também baseado na obra teatral de Frederick Knott, e eu realmente tinha gostado da trama. Somente há pouco tempo conferi o obra dirigida por Alfred Hitchcock e facilmente constatei que o seu longa-metragem é, em todos os aspectos, superior à versão lançada 44 anos depois e dirigida por Andrew Davis.

Inquestionavelmente, Dial M for Murder possui um charme eterno. Passaram-se cinqüenta e sete anos desde o seu lançamento e o filme ainda respira juventude e exala o poder cativante de uma obra que jamais envelhecerá. E afirmo sem receios: poucos filmes conseguem sobreviver à ação do tempo e às constantes mudanças pelas quais o cinema passa. Essa obra de Hitchcock não somente manteve a sua aura de magnificência como também serve de referência para outros filmes que estão por vir. Conferi-lo, afinal, é uma lição cinematográfica.

 Grace Kelly, a verdadeira essência do filme.

Todo o suspense dessa produção se baseia numa única intenção: matar a esposa. É exatamente isso que planeja Tony Wendice, personagem de Ray Milland. A morte de seu cônjuge resultaria num quantia considerável de dinheiro, o qual garantiria a ele uma vida bastante tranqüila. Então, ele maquinalmente arquiteta o assassinato de Margot, brilhantemente interpretada por Grace Kelly. Tony chantageia um homem de cuja vida corrupta ele tem conhecimento, convence-o a cometer o crime por dinheiro. Eles, então, decidem dar início ao que consideram ser o crime perfeito.

E devo dizer que o plano de Tony realmente parece ser perfeito. É como se ele realmente conseguisse dominar a prática e enfiá-la na teoria, para depois exteriorizá-la novamente. Eu me senti convencido de que tudo o que ele havia planejado funcionaria, porque parece ser um plano sem falhas. Mas o personagem de Robert Cummings tem razão quando diz que “poderia escrever uma história de assassinato perfeito, mas aí não seria vida real”. Afirma, porém, que acredita no crime perfeito. E todos nós somos convencidos de que também acreditamos no crime brilhante, possível de ser executado sem qualquer margem de erro. O roteiro do filme consegue costurar magnificamente os seus dois atos: o primeiro, no qual conhecemos os personagens e suas vidas – conhecemos o relacionamento adúltero de Margot e as intenções de Tony – e o segundo, após o plano de Tony não ter sido consumado exatamente como ele queria. A história se retroalimenta e esse é o seu mérito maior: parece que sempre estamos diante de um evento novo que torna o evento anterior maior; é como um tornado, sempre girando, sempre maior, muito devastador.

 Momentos antes do crime quase perfeito.

Não cabe unicamente ao roteiro a façanha de ter tornado essa obra inesquecível. Não posso me esquecer de comentar sobre todos os outros aspectos – trilha sonora, fotografia, elenco e direção. Tudo isso forma um conjunto fantástico, que contribui para que o filme seja essa verdadeira conquista para o cinema. Alfred Hitchcock realiza uma performance maravilhosa por trás das câmeras. Ele capta os melhores ângulos do cenário e do elenco, ele arranca dos atores o melhor que eles podem oferecer. Basta olhar a atuação de Grace Kelly para perceber a influência do homem que a dirigia! Hitchcock ainda busca criar no espectador a sensação que têm os personagens e ele realmente consegue fazer isso. Observemos, por exemplo, a cena na qual Margot é atacada – ainda que a vejamos de frente para nós, e, portanto, vemos o seu potencial assassino de frente para nós, é como se estivéssemos na mesma situação que ela, mas conscientes de que corremos perigo. A sua ausência de reação após a tentativa de assassinato nos acomete – sentimo-nos também enrijecidos e sem resposta àquilo que aconteceu, no entanto, nossos corações batem acelerados – tal como acontece com Margot.

Esse efeito também é conquistado pelo jogo de luz que Hitchcock obtém: o contraste entre o claro e o escuro é fundamental para criar o clima de suspense que é necessário para que o filme se encaixe dentro desse gênero. E o diretor sabe bem com captar isso, aproveitando também o espaço em cena. Logo após cravar a tesoura nas costas de seu assassino (vou chamá-lo assim, ainda que o termo não seja adequado para a situação), Margot permanece parado ao lado do corpo inerte do homem. A câmera não se move, permanece focando os dois – a luz iluminando a mulher, o homem deitado na escuridão; ele representando o perigo, ela, a inocência. Não è à toa que a claridade incide nela e que a dualidade bem versus mal esteja representada em antagonismo evidente. Momentos depois, a câmera brevemente acompanha os movimentos de Margot e ela se afasta do homem morto – em nenhum momento, porém, um dos personagens saem de cena: ela, já bastante longe dele, continua iluminada pela luz enquanto ele permanece na escuridão. São exatamente nesses momentos, nos quais Hitchcock capta o cenário de modo teatral, abrangendo a sua amplitude máxima, que percebemos com maior ênfase o quanto a fotografia do filme é muito bonita e poderosa. Me surpreende que não tenham concedido a esse filme pelo menos indicações nas categorias de direção de arte, melhor montagem ou mesmo melhor fotografia – não posso, porém, me esquecer de que no mesmo ano em que Disque M para Matar poderia concorrer, outro filme de Hitchcock chamou a atenção das premiações: Janela Indiscreta.

 Momentos próximos do embate final.

Depois de assistir a esse filme, para sempre me lembrarei dos fantásticos olhos azuis de Grace Kelly. A sua postura em cena me diz que ele foi muito bem dirigida, mas o modo como o seu olhar penetra e revela suas emoções me garante que ela é uma ótima atriz. Não há como tirar os olhos dela e quando está acompanhada, acabamos não notando os outros atores em cena – nossa atenção está voltada exclusivamente para ela. Ray Milland também não deixa a desejar, sua personificação é bastante convincente e até assustadora – exatamente porque ele consegue demonstrar medo e autocontrole ao mesmo tempo. Os atores coadjuvantes Robert Cummings e Patrick Allen também dão o suporte de que o roteiro precisa para se firmar. Ambos os atores concebem boas interpretações, no tom certo, sem exagerar nem diminuir a entonação necessária para que sejam críveis em cena. Assim, sem muita hesitação, alego que o elenco é muito bom.

Hitchcock cria uma obra maravilhosa, na qual os defeitos – se existem – são imperceptíveis. O suspense criado ao longo do filme é realmente elogiável e a cada momento é apresentado algo novo, de modo que nossa atenção fica o tempo todo focada no conjunto de maravilhas que esse filme possui. Se quiserem ver uma obra realmente boa, vejam Disque M para Matar, decerto não se arrependerão, porque, como disse lá em cima, essa produção é uma lição de cinema.

6 opiniões:

Márcio Sallem disse...

Vou começar em breve alguma coisa do Hitchcock e vou revisitar este filme que eu gosto bastante.

Lembra que o Michael Douglas, a Gwyneth Paltrow e o Viggo Mortensen fizeram uma refilmagem em meados dos anos 2000?

Kamila disse...

Este é aquele tipo de filme perfeitamente orquestrado pelo grande maestro que era o Hitchcock. O roteiro é impecável na construção de sua história e da relação entre esses personagens e tudo neste filme está direcionado a ele, desde os cenários, a trilha sonora até chegarmos às atuações do elenco. É uma obra, como você bem disse, que não perde seu charme e continuará sendo atemporal, porque você assiste e sente, inevitavelmente, aquele frio na barriga.

Reinaldo Glioche disse...

É mesmo uma lição de cinema e vc mesmo provê a justificativa da pouca atenção que recebeu à época de seu lançamento. A concorrência com outro Hitchcock muito mais pop (Janela indiscreta).
Se naquele filme Hitch exercita melhor seus traquejos técnicos, aqui ele se sai melhor como artesão -como vc bem observou. Trata-se de um filme a frente de seu tempo e, ainda mais cativante do que a versão estrelada por Michael Douglas.
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Aproveitando para parabenizá-lo pelo blog que destaca filmes cujo interesse excedem o espaço-tempo cinematográfico.
Abs

cleber eldridge disse...

Que uô, já tive a chance de conferir esse filme várias vezes e nunca o fiz, porque? sei não, rs. mas irei fazer logo.

Rodrigo Mendes disse...

Ótimo texto rapaz!
Eu sou fã deste diretor em todos os sentidos!

Um dos melhores filmes baseado em peça teatral e como ele sabia exercer com maestria uma adaptação dos palcos para tela, tarefa só realizada com eficácia porteriormente por Mike Nichols.

Abs.

Júlio Pereira disse...

De fato, um dos melhores Hitchcocks já realizados. Me prendeu do começo ao fim, fiquei muito tenso. O tom teatral é mesmo fundamental para o funcionamento da obra. E não sabia que o Janela Indiscreta era do mesmo. Este é meu favorito do mestre. É mesmo uma aula de cinema (e das mais tensas)!