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Nesse post, tal como fiz anteriormente com o livro Uma Casa no Fim do Mundo, compararei as obras literária e cinematográfica que contam a vida de Dorian Gray, o famoso personagem do único romance de Oscar Wilde. Já comentei aqui o livro, a resenha vocês podem ver aqui; logo, comentarei sobre o filme, num post especial para comentar apenas sobre a produção feita para o cinema. Dorian Gray é uma figura tão interessante que vários filmes abordaram sua existência fictícia. Muitas adaptações do livro foram feitas; muitos filmes tiveram direta ou indiretamente Gray como personagem – só pra citar: A Liga Extraordinária e Pacto com o Diabo, produção canadense cujo título original é homônimo ao personagem central da obra de Wilde. Para a comparação, tomei como elementos o livro de Oscar Wilde e a obra cinematográfica dirigida por Albert Lewin, ou seja, a versão de 1945 dessa história.
Sinopse: Dorian Gray é um rapaz cuja beleza impressiona. O pintor Basil Hallward, impressionado com a imponente beleza do rapaz, o convida para ser seu modelo. Pinta num quadro a imagem do rapaz com todo o frescor de sua juventude. Dorian, ao conhecer Lord Henry, amigo de Basil, e ouvir dele que a felicidade se encontra na juventude, já que com o passar dos anos os homens se tornam medíocres diante dos olhos da sociedade e diante da própria vida. Influenciado pelas teorias de Lord Henry, Dorian pede diante de seu retrato que jamais envelheça e que o retrato passe a sofrer as ações do tempo; em troca disso, Dorian oferece sua alma.
1. Estrutura narrativa.
No livro: com narrador onisciente, os personagens são apresentados de modo imparcial – ou seja, o narrador, é também homodiegético (não participa da história) – e aos personagens são dados espaços para que eles se expressem. Posso dizer que, de um modo geral, o livro de Oscar Wilde é como a maioria dos livros quanto à sua estruturação funcional; sem muita pompa na engenharia da narrativa e dos eventos, a linearidade é notável e facilita a leitura.
No filme: bem semelhante à estrutura do livro, o filme possui um narrador que vai indicando alguns acontecimentos, tecendo comentários sobre alguns personagens, discorrendo a respeito da finalidade que os personagens têm na trama. O resto é como no livro, podemos dizer que a câmera é o narrador em terceira pessoa. Tal como no livro, a linearidade é perceptível e torna o filme fácil de ser compreendido, principalmente no que diz respeito a alguns eventos que não puderam ficar tão claros.
Quem ganha nesse quesito: creio que tanto o livro quanto o filme sejam eficientes nesse aspecto. O jeito como a história é narrada é relativamente fácil, condicionada para fazer com que a leitura e a compreensão sejam muito acessíveis. Ainda que eu não goste de vozes avulsas com a finalidade de explicar aquilo que o filme por si só não é capaz de explicar, não me incomodou o uso desse recurso na obra cinematográfica. Então, empate quanto à estrutura narrativa.
2. Personagens e suas funções na história.
No livro: todos os personagens são bem trabalhados e têm funções importantes. Não comentarei sobre todos, pois isso estenderia excessivamente o post. Comentarei, então, sobre aqueles que foram mais alterados. Basil Hallward, o pintor que criou o retrato de Dorian, é muito complexo no livro. Não me restam dúvidas de que Oscar Wilde o usou como forma de aludir a homossexualidade – Basil tem um envolvimento muito emocional com Dorian, ainda que esse não lhe retribua. Basil sente ciúmes e está envolvido tão amoroso com Dorian que não é capaz de aceitar o fato de que o rapaz é imoral e extremamente corrupto. As descrições de Wilde fazem questão de tornar possível essa leitura, embora acoberte o personagem com outras tantas descrições. O irmão de Sibyl Vane, responsável pelo temor constante que Dorian sente nos trechos finais, tem um espaço durante o meio da trama, no qual é narrada a sua busca por Sir Tristan (nome pelo qual Sibyl costumava chamar Dorian) e a descoberta de que Dorian Gray é um homem extremamente misterioso, cuja vida é cercada de segredos.
No filme: definitivamente não há qualquer menção à homossexualidade de Basil, que, aliás, é muito esquecido no filme, principalmente porque a sua finalidade no livro é promover um debate sobre as relações sentimentais entre pessoas do mesmo sexo; como no filme isso foi ignorado, não resta muito espaço ao personagem, que aparece muito esporadicamente – e nem se dignaram a matá-lo com o mesmo charme do livro. O irmão de Sibyl aqui é um completo estranho. Sua participação se limita a três cenas e eu nem sequer pude reconhecê-lo em uma delas. Sem a linearidade adequada em relação ao seu personagem, ele parece sem propósito – nem mesmo o narrador em off é capaz de lhe dar uma significação maior na trama. Também acho que o Dorian Gray do filme é bem diminuto em relação às descrições de Wilde: aqui ele é pomposo, menos em sua imoralidade gritante; ele é gentil e pouco perigoso, diferentemente do personagem literário.
Quem ganha nesse aspecto: o livro ganha, pois a sua abordagem é mais completa e definitivamente mais interessante.
3. Desenvolvimento da narrativa.
No livro: Oscar Wilde foi muito inteligente ao intercalar os eventos quanto à vida de Dorian Gray e as teorias influenciadoras de Lord Henry. Tudo na trama acontece com velocidade elogiável e temos a impressão de que o ritmo sempre aumenta – tanto é que vinte anos se passam muito rapidamente. Definitivamente, os acontecimentos na vida dos personagens são importantes para essa noção espaço-temporal. Acho importante ressaltar o quanto o envolvimento entre Sibyl e Dorian é descrito no livro; o primeiro encontro, as constantes idas ao teatro para vê-la, então o noivado e o convite que Dorian faz aos amigos Henry e Basil para vê-la atuando como Julieta, do conterrâneo de Wilde, Willian Shakespeare; por fim, a trágica separação. Tudo isso, embora ocupe um tempo considerável na trama, é narrado com agilidade, o que não dispersa o leitor.
No filme: tudo o que vemos basicamente é uma monótona vida de Dorian, que vai a tabernas e a pocilgas, sem ter em nenhum momento o mesmo conteúdo dramático do personagem literário. As divagações de Lord Henry são insistentemente colocadas próximas, como se Albert Lewin, o diretor, quisesse mantê-las juntas em blocos – quando o personagem começa a falar, fala por cinco minutos ininterruptos, o que cansa o espectador. O relacionamento entre Dorian e Sibyl é extremamente rápido e de atriz intérprete de Julieta, a garota se torna uma moçoila cantante. Honestamente penso que removeram uma das melhores passagens do livro, que é aquela na qual Dorian, ao vê-la atuando mal, lhe diz que não pode mais amá-la se ela não for capaz de proporcionar boa arte; ela, por sua vez, lhe diz que não pode mais falar coisas bonitas sobre amor, porque ela agora o sente em vez de decorá-lo das páginas dos livros.
Quem ganha nesse aspecto: mais uma vez, o livro ganha, pois ele não apenas é mais dinâmica, como também constrói momentos mais intensos para o leitor.
4. Impacto da obra sobre o leitor / espectador.
No livro: todo o romance nos proporciona uma série de questionamentos, principalmente no que diz respeito ao envolvimento de Dorian Gray com o tipo de vida que ele escolheu para si mesmo. É inevitável não nos perguntarmos o quão viável e produtivo é viver como o personagem vive; também nos questionamos a respeito da potencial existência de pessoas como o personagem desse livro, que são capazes de tudo pela oportunidade de viver mais ou viver mais intensamente, conceito usualmente mal compreendido – inclusive pelo próprio Dorian, que crê que enquanto estiver jovem poderá ter tudo o que quer.
No filme: criado por sutileza, o efeito em mim foi bem menor do que livro. Ao conferir a obra cinematográfica, não pude me estender em pensamentos questionadores, pois me senti meio cansado em alguns momentos, já que o filme não é tão dinâmico. Tanta singeleza impede um impacto maior; o que eu realmente me perguntei foi: o que Dorian Gray fez para que sua imagem ficasse tão destruída se, ao longo do filme, não vemos praticamente nada?
Quem ganha nesse aspecto: definitivamente, o livro.
5. Conclusões.
Tal como aconteceu quando eu analisei e comparei a adaptação de Uma Casa no Fim do Mundo, o livro sobrepôs ao filme em vários aspectos. A produção de Oscar Wilde é definitivamente melhor do que a produção deAlbert Lewin. Como usualmente acontece, o livro é mais completo em suas passagens e dá mais espaço para que todos os personagens e situaçãosejam desenvolvidos.
O Retrato de Dorian Gray foi bem adaptado? Devo admitir que achei a transposição das páginas para as telas satisfatória, o que me permite dizer que, como adaptação, o filme chega a ser interessante. Reparem que apenas me refiro ao ato de tirar das páginas e pôr nas telas – mesmo com algumas modificações, creio que seja uma das melhores adaptações que já vi. No entanto, o filme não mantém o glamour do livro e isso não tem a ver com a forma com a qual ocorreu a mudança do plano de expressão. O problema está na direção meio equivocada, que deixou o filme lento e cansativo. Desse modo, sem confundir o ato de adaptar a obra e o ato de conceber o filme, posso dizer que a adaptação é boa, mas o filme não é tão bom.
1 opiniões:
Revi esse filme não faz muito tempo e devo dizer que, embora concorde contigo quando conclui que é uma boa adaptação do livro, o achei lento demais. O grande charme do filme, para mim, reside na interpretação de George Sanders. O resto é muito chato, ao contrário do romance de Wilde que é um dos meus favoritos.
Abraço!
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