11 de mai. de 2011

Infâmia

The Children's Hour. EUA, 1961, 105 minutos. Drama. Dirigido por Willian Wyler.
Indicado a 5 Academy Awards, incluindo Melhor Atriz Coadjuvante (Fay Bainter).
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O ano de 1961 realmente foi grandioso para Audrey Hepburn: ela estreou dois filmes maravilhosos, que são Bonequinha de Luxo e este, Infâmia. Devo dizer que as duas obras são ótimas amostras de seu talento como atriz e este, em específico, nos mostra como uma direção impecável e um elenco magistral são capazes de criar uma obra colossal.

Karen Wright e Martha Dobie são duas amigas que dirigem a escola Wright-Dobie para meninas. As duas são grandes amigas, desde a época em que se conheceram, aos 17 anos. Mary, uma menina que adora conta mentiras para se livrar dos problemas, não gosta das professoras, porque alega que “elas a castigam demais, porque não gostam dela”. Um dia, como vingança pelo fato de ter sido castigada, a menina conta uma história maldosa: diz que Karen e Martha são mais que amigas, que mantêm um relacionamento “não natural”. Isso basta para que a avó de Mary propague a história da menina, que ela crê ser verdade. A vida das professoras, de repente, fica tumultuada e problemática.

Nem sei bem o que dizer dessa obra, só sei que ela é decerto aquela que mais me encantou esse ano. A sua composição é mesmo muito boa e está muito bem estruturado, nenhum elemento parece a mais e nada está em excesso. O que me encantou absurdamente foi a soma dos atores com a direção de Wyler, que, como sabemos, é um diretor fantástico (vale lembrar que são dele as seguintes obras: A Princesa e o Plebeu e Como Roubar Um Milhão de Dólares, ambos com Audrey Hepburn; Pérfida e A Carta, ambos com Bette Davis; além do clássico Ben-Hur, com Charlton Heston). Pouquíssimas vezes vi um elenco tão afiado quanto esse. Audrey Hepburn me parecia uma atriz de comédias românticas e quando eu vi aqui, como uma professora dócil cuja vida é destruída, eu a senti completa: ela é magnífica tanto comicamente quanto tragicamente. O seu desempenho é tão delicadamente trabalhado que suas expressões me marcaram profundamente – cada vez que ela aparecia, minha mente registrava o seu rosto: expressões alegres, expressões amargas, olhar de desespero. Tudo na sua composição artística está impecável e é por isso que eu creio que a Academia teve um grande problema ao escolher por qual filme a indicaria na cerimônia de 1962 (esse ou Breakfast at Tifanny’s). Sobre Shirley MacLaine, comento antes uma curiosidade: eu jamais pensei que as duas pudessem ter atuado juntas num filme. Sempre tive a impressão que Audrey é uma atriz muito clássica e me remete a um cinema do qual as atrizes atuais não participaram. Achei muito curioso quando as vi atuando juntas, porque, mesmo sabendo que muitas das atrizes de hoje são contemporâneas às atrizes “clássicas”, sempre as assimilo a períodos diferentes do cinema. Enfim, o trabalho de MacLaine é igualmente fantástico. Embora ela pareça mais precoce do que Hepburn – cuja carreira já estava bem estabilizada -, MacLaine não erra no tom que dá à Martha, sua personagem, e eu honestamente creio que ela merecia uma indicação. Poucas vezes vi atrizes principais num envolvimento tão bom. Talvez o último caso de que me lembre seja o da dupla Sarandon-Davis, em Thelma e Louise.

James Garner, intérprete de Joe, noivo de Karen, é o único ator que desaparece diante da atuação dos outros. Seu tom não está incorreto, mas talvez pela grandiosidade dos outros desempenhos, ele acaba sumindo, deixando vestígios de sua presença. Miriam Hopkins, que atua como Lily Mortar, tia de Martha, concebe uma performance muito boa, criando uma personagem realmente irritante. Bay Fainter, como Amélia Tilford, concebe uma atuação digna de indicação. Na verdade, quase todos no elenco mereciam uma indicação; ela apenas teve sorte de ser “a escolhida”. Ela é realmente muito talentosa e a sua maturidade como atriz serviu para auxiliá-la a criar a figura daquela mulher, tão devota à moralidade que age impulsivamente. Realmente brilhante. A outra grande atriz do filme é a jovem Karen Balkin, a criança responsável pelo estrago na vida das jovens professoras. O que pode dizer a vocês é o seguinte: vocês se lembrarão desse monstrinho por um longo tempo. E vocês a detestarão. Ela é o mal encarnado, é o demônio em vida. A criança realmente soube como personificar a audácia e a inconveniência – a abstração se tornou concreta na interpretação de Balkin.

A direção de Wyler é realmente muito boa. O diretor soube como captar cada melhor momento de cada ator. E desse modo nós somos surpreendidos pelos melhores ângulos, pelos melhores rostos, pelas expressões mais intensas – e assim que eu resumo o filme: intensidade. Gosto do aspecto teatral de algumas cenas. Vale ressaltar que a peça provém de uma montagem de teatro e conseguimos reconhecer esse aspecto na direção de Wyler. Na cena, por exemplo, em que Karen, Martha, Mary, Joe e Amélia conversam na sala da casa da última, podemos ver todos os atores em cena – tal como se estivéssemos num teatro. Gosto da câmera larga do diretor, que parece filmar tudo o que está em cena, ampliando tanto quanto possível a nossa visão.

O roteiro é impecável. Do começo ao fim, não vi um defeito. Gosto da linearidade e do tom gradual que é dado à história dessas duas mulheres. Gosto também do modo como a moralidade é trabalhada nessa obra: as personagens são todas mostradas embasadas numa moralidade particular, mesmo que haja uma cultura maior acima delas. Na década de 60, período em que vivem, o relacionamento homossexual não é bem visto (nesse momento, devo dizer que não pude deixar de traçar um paralelo com Brokeback Mountain, cuja história se passa em 1962). E com essa moralidade que a personagem Amélia se comporta, mas há nela também a moralidade religiosa de não causa mal ao próximo. Diante da certeza de estar certa, ela faz aquilo que convém: propaga a mentira da net, crendo que é verdade. Depois, tendo descoberto o engodo, tenta retratar-se, num ato de cessão cristã. Martha é inconsciente de seu amor até que todos o descobrem e assume-se culpada, não pelo amor que sente, mas pelo mal que “causou”. Karen, por sua vez, é liberal – ainda que não retribua o amor marital que Martha lhe concede, ela ama a amiga e está disposta a estar com ela, não importa o que prega a moral da época.

Devo dizer que esse filme me marcou muito. Não pude deixar de notar a semelhança com outro filme: Atonement. Tanto Mary quanto Briony contam uma mentira capaz de destruir irreversivelmente a vida das pessoas que foram alvos da calúnia. E, honestamente, adorei essa correlação que há entre as obras. Decerto Ian McEwan, autor de Atonement, o romance que deu origem ao filme, já havia visto esse filme e soube como reaproveitar o tema. O filme também me marcou por um dos finais mais tensos. Não que o final seja inimaginável, mas o enquadramento usado por Wyler me deixou tenso e a expressão de pavor e dor no rosto de Hepburn me desestabilizaram emocionalmente.

O título nacional é bem objetivo e bem mais interessante que o título original. Infâmia é um filme que não apenas merece ser visto, mas deve ser visto. É uma obra como poucas, na qual estão todos os grandes elementos para a composição de uma boa obra. E mesmo que não houvesse nada, há Audrey no elenco – e só isso já vale a pena!

Luís

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