8 de mar. de 2012

A Bela da Tarde

Belle de Jour. França, 1967, 101 minutos, drama. Diretor: Luis Buñuel.
Direção, roteiro e atriz principal perfeitos - isso faz com que "A Bela da Tarde" seja uma das obras francesas mais elogiáveis do século passado e decerto uma referência para o cinema.

O que motivou a assistir a esse filme foram basicamente três motivos: ele foi sugerido para mim pela Jacqueline; eu queria ver uma obra com Catherine Deneuve e Luis Buñuel; e recentemente li comentários interessantes sobre esse filme no livro The Secret Language of Film, do roteirista francês Jean-Claude Carrière, que é também o responsável pelo enredo de Belle de Jour.

Devo dizer que diante da primeira cena do filme, eu já me senti extasiado – Séverine é uma mulher casada que está acompanhando o marido a algum lugar. Por causa de sua atitude frígida, o marido pára a charrete e pede aos condutores que removam a esposa e lhe punam, situação da qual percebemos que ela gostou. Esse não é um resumo do filme, é apenas a descrição da primeira cena do filme, que registra uma fantasia sexual de Séverine, que busca experiências diferentes daquelas que já experimentou e que busca uma sensação nova, a qual não consegue encontrar nos braços do marido. É isso que a motiva a se tornar a “Bela da Tarde”, uma prostituta no bordel de Madame Anaïs. O seu epíteto provém do período em que trabalha, somente à tarde, das duas às cinco horas.

 Sévérine, com o noivo, momentos antes de um de seus constantes devaneios.

Os trabalhos de Carrière e Buñuel são mesmo fantásticos. Devo afirmar que poucas vezes vi um roteiro e uma direção que conseguem tão bem inserir o espectador no mundo perturbado do protagonista do filme. É exatamente isso que acontece quando acompanhamos a história de Séverine e as duas vidas que ela leva: uma como esposa delicada do médico Pierre, outra como a prostituta que trabalha numa casa atendendo a diversos clientes, sem nunca lhes dizer “não”. Gosto especialmente de duas características e atribuo a primeira ao roteirista e a segundo ao diretor. Séverine é uma mulher distinta das prostitutas que trabalham com ela sob a supervisão de Mme. Anaïs. Podemos perceber pela sua postura que ela não faz parte daquele lugar, que ela é uma intrusa e não pertence àquele nível. Basta olhar para a sua postura, para o modo como ela olha, pelas roupas que veste. Curiosamente, percebemo-la também como uma peça fundamental daquele quebra-cabeça – ela precisa estar ali. Aquele lugar parece só funcionar se ela estiver junto. Notemos como a personagem a princípio teme e depois cede; não cede apenas, cede com vontade de ceder. Um homem estrangeiro chega à casa, apresenta a uma garota uma caixa e a sua reação é espantar-se e negar. Séverine, mesmo diante do objeto que zumbe dentro da caixa, aceita a proposta do homem – proposta que nem sequer é esclarecida, haja vista que não há legendas nem insinuações maiores a respeito do que aquilo significa. Séverine possui, portanto, a ousadia que falta às outras moças, haja vista que a sua vida é um misto de lembranças estranhas do passado, desejos intensos que são constantemente visualizados em seus sonhos e uma vida que lhe parecia bastante monótona.

Quanto ao segundo elogio que tenho a fazer, esse vai a estrutura fílmica pela qual Buñuel optou. É interessante notar que a presença das fantasias é tão presente na vida de Séverine que ela, às vezes, nem sequer a diferencia da vida real. E isso acaba transparecendo para o espectador, por causa da opção de Buñuel em não demonstrar com ênfase a diferença entre o plano da realidade da personagem e o plano de sua imaginação. Eu mesmo me senti confuso algumas vezes, antes de enfim compreender se era verdade ou sonho. Como disse acima, esse filme sabe como inserir o espectador no universo dos personagens. Algo de que gosto muito nessa obra é o modo como o diretor soube ousar pela temática. Basta observar que a personagem é fria com o marido, pratica o adultério, se insinua para uma mulher (ela tenta beijar Mme. Anaïs num momento), relaciona-se afetivamente com um homem que é bandido, ou seja, ela não atém a nenhum princípio moral. A somar, Buñuel ousa nas cenas de nudez, que são mínimas, uma ou duas cenas, mas elas causam um impacto feroz – Séverine caminha nua, coberta por um véu negro e a visão da personagem de costas é interessante, porque vemos uma nudez parcialmente coberta, meio nebulosa, assim como a própria personagem. Aliás, me pergunto também o que seria da personagem se outra atriz a houvesse interpretado. Catherine Deneuve parece perfeita como Séverine e também como a Bela da Tarde – é perceptível a diferença em sua atuação, ora como frígida e distante, ora alegre e espontânea. Ela decerto compôs uma das personagens mais interessantes do cinema, uma mulher que registra classe e fineza e ao mesmo tempo uma excelente dose de sexualidade. Felizmente, a junção de roteiro, direção e atriz principal é simplesmente uma das melhores que eu conferi no cinema.

 A Bela da Tarde pouco antes de entrar em ação.

Acredito que, de certa forma, a personagem desse longa-metragem é capaz de nos proporcionar alguns questionamentos. Eu mesmo fiquei pensando no quão longe eu iria – será que eu faria tudo o que ela fez só para buscar uma satisfação sexual nunca encontrada anteriormente? Acredito mesmo que Belle de Jour seja uma obra muito positiva, que marcou o cinema e que garante entretenimento com qualidade e questionamentos densos. Assim, não posso deixar de sugerir essa obra que realmente me parece inesquecível – quem, afinal, esquecerá a cena na qual Séverine imagina estar presas enquanto lhe atiram barro no corpo? Ou então quem esquecerá as suas maravilhosas expressões de frieza e depois de desejo intenso? Aliás, quem esquecerá a cena final, extremamente simbólica, que pode querer dizer muitas coisas? Enfim: uma obra francesa realmente fantástica.

4 opiniões:

Jefferson Reis disse...

Fiquei realmente muito interessado nesse filme.

FOXX disse...

tb fiquei com vontade de ver... comofas?

Júlio Pereira disse...

Há tempos que estou ensaiando pra ver esse filme. Buñuel é um gênio absoluto. Já viu O Anjo Exterminador e O Fantasma da Liberdade? Ambos maravilhosos. Como já te disse, interessante que no Lumi7 será postado um texto sobre ele na terça, provavelmente - fique atento! Não só isso, como ambos nutrem semelhanças. E ambos me instigaram ainda mais. Correrei atrás de A bela da tarde!

O Narrador Subjectivo disse...

Um filme muito interessante, que continua moderno.