5 de nov. de 2012

Christine - o Carro Assassino


Christine. EUA, 1983, 110 minutos, terror. Diretor: John Carpenter.
Ainda que não seja verdadeiramente um exemplo de qualidade em filme de terror, “Christine, o Carro Assassino” consegue bastante entreter o espectador com os seus bons momentos.

John Carpenter é um nome referencial para filmes de terror contemporâneos, principalmente esse de alcances mais populares, como “Halloween: a Noite do Terror” (1978), “Enigma de Outro Mundo” (1982) e o remake “A Cidade dos Amaldiçoados” (1995), só para citar alguns títulos e mostrar o espaço temporal de atuação desse diretor, que esteve bastante ativo pelo menos nas décadas de 70, 80 e 90. A história do Plymouth Fury 1957 nomeado Christine adveio do romance escrito por Stephen King – outra referência quando o assunto é terror – no mesmo ano de lançamento do filme e Carpenter se aproveitou do eventual lançamento do livro para levá-lo às telas e torná-lo um sucesso de bilheteria, principalmente porque o autor já estava popularizado, uma vez que outros textos seus – “Carrie” (1974) e “O Iluminado” (1977) – haviam já sido apresentados ao público por Brian De Palma, em 1976, e Stanley Kubrik, em 1980, respectivamente.

Posterior aos dois títulos supracitados, portanto, localiza-se “Christine, o Carro Assassino” (1983), numa narrativa que se inicia não com o segundo protagonista, Arnie Cunningham, como se lê no livro, mas com a verdadeira personagem central: a própria Christine. O ano é 1958 e já na fábrica o carro dá evidências de não ser inanimado, de deter uma personalidade ferina e muito pessoal. À época sem nome, mas já com atitudes obsessivas, o carro chegou a um dono e, devido a inúmeros acontecimentos, termina, empobrecido e feio, num quintal de uma casa. É nesse cenário que Arnie, um garoto submisso e desajeitado, conhece o carro e decide adquiri-lo – inevitavelmente se entregando cada vez mais ao carro destruído que pouco a pouco reconstruiria, trazendo-lhe novo brilho. E o relacionamento dos dois implica perigos iminentes, que surgem à medida que todos vão se dando conta de que o carro tem vida.

 Christine demonstrando sua raiva e "atacando" Leigh, a namoradinha de Arnie.

É importante não ignorarmos um fator fundamental para a compreensão da história. O Plymouth Fury 58 não é apenas um carro. Ter um nome implica uma personificação do objeto e, mais tarde, perceberemos que o veículo não se limita a um comportamento personificado – vai além: ele é verdadeiramente, salvo sua forma, um ser humano, talvez até se possa considerar como um "transgênero". Trata-se de uma mulher com pensamentos e atitudes na forma difusa de uma máquina de transporte.  Vemo-la confiante, sempre se reciclando, se renovando, se remoçando – de algum modo, a relação de Christine e de Arnie inclusive me remete à letra (não à semântica) de “Olhos nos Olhos”, do Chico Buarque: Christine passou por um relacionamento traumático e ficou à espera de outro alguém, no caso Arnie, a quem pudesse ser devota novamente. E uma vez encontrada essa pessoa, o carro estava disposto a qualquer coisa para ser a única na vida do amado. E, apesar de os créditos serem do romance escrito, acho interessante a abordagem ontológica da obra, que mostra a relação da pessoa consigo mesmo: primeiro, inequivocadamente insegura e imprecisa, então confiante a partir do momento em que encontra alguém em que se “apoiar” e que pareça lhe dar algum sentido à existência. Essa é a forma como muitos vêem o amor – “uma pessoa só é completa quando encontra sua alma gêmea”. Arnie tornou-se inteiro ao amar Christine e ser correspondido. E é somente isso que explica o tempo que Christine ficou ao léu naquele quintal descuidado: não havia por quem ela se apresentar inteiriça e dedicada, uma vez que não havia, até Arnie, quem a amasse de verdade.

Se John Carpenter falha ao explicitar o amor de Arnie por Christine, ele realmente acerta ao mostrar que Christine é verdadeiramente uma personalidade forte e que se faz indiscutivelmente presente. Esteja o carro decrépito ou reluzindo, a figura de Christine em cena é muito mais forte do qualquer outro personagem, seja pelo tratamento dado pelo diretor ao veículo ou pela fraqueza interpretativa dos outros atores. O cuidado ao apresentar o carro ao público é o grande diferencial, justamente porque é isso que faz com que nós compreendamos toda a grandeza do veículo que, como vemos gradualmente, deixa de ser um veículo simples para tornar uma criatura de ações premeditadas. A trilha sonora do filme ajuda bastante a criar o ambiente de tensão crescente - a cena inicial, que mostra o "nascimento" de Christine é embalada maravilhosamente pela canção "Bad to the Bone", já indicando assim a natureza perigosa do carro. O carro (obviamente) se locomove, pensa, mata e também fala: não é à toa que antes de acontecer algum crime o carro liga seu rádio, com alguma música dos anos 50 sendo tocada. 

Christine, o carro, é um espetáculo à parte, por si só parece querer dizer muito mais do que o filme como um todo. Essa obra não é uma maravilha, decerto não se trata de um filme que eu recomendaria a alguém que me pedisse sugestão sobre um grande filme de terror, mas inegavelmente é uma obra que diverte o espectador e que conta, pelo menos, com boas características, como é o caso da trilha sonora, muito eficiente; do destaque dado à personagem principal do filme, no caso Christine; até a intepretação de Keith Gordon é bastante positiva, embora haja quês de exagero em alguns momentos, que acabam acentuados pela maquiagem pesada aplicada no ator em alguns momentos. Apesar de ter muito para ser um grande filme, penso que falte uma abordagem mais intimista na dupla central - Arnie e Christine -, sobretudo conectando-os de modo a estabelecer melhor a sua conexão. Dando espaço para os coadjuvantes Dennis e Leigh, respectivamente melhor amigo e namorada de Arnie, o filme parece se ampliar de modo que não se possa construir bem os personagens que se propõe a relatar. Equívocos, talvez, ou talvez seja apenas uma má interpretação minha. Mas, de qualquer maneira, não vejo grandes defeitos no filme e acho, aliás, que se trata de uma obra muito capaz de entreter e de divertir a quem o vê, ainda mais porque o filme não envelheceu mal. Para quem não procura muito ou para quem procura mais diversão do que objeto de análise artística e intelectual, "Christine - O Carro Assassino" (1983) funciona bem. Antes de fechar o texto, fica o meu descontentamento com o título - com um pôster tão chamativo, sombrio em sua arte, por que expor já desde o começo que Christine é um carro assassino? Por que não nos deixar descobrir isso por nós mesmos - já na primeira cena somos apresentados a algo sobrenatural, não há por que estragar o título com tamanho didatismo.

3 de nov. de 2012

Gênero terror: estética do divertimento



Esse texto foi publicado originalmente no blog Um Oscar por Mês, em 5 de março de 2012.
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O MEDO COMO ESTÉTICA DE DIVERSÃO: O GÊNERO TERROR.


O cinema, desde que surgiu e foi gradualmente agregando novas estéticas artísticas, inevitavelmente abriu espaço para as mais diversas emoções: desde o alívio quando o casal de um romance finalmente supera as adversidades e termina junto, como em An Affair to Remember (1957), até a tensão de observar inerte ao desespero de pessoas presas num local que decerto as levará à morte, como em The Towering Inferno (1974). Mas muito antes disso – de qualquer um dos filmes citados –, datado do começo do século XX, inúmeras outras sensações já haviam sido expostas nas películas e, ainda mais anteriormente, a literatura já as havia dado ao seu público, permitindo que eles rissem de uma situação histriônica, chorassem a morte de uma personagem, se encantassem com a atmosfera de alegria presente numa narrativa e, também, fez muitos leitores sentirem medo.

Há, primeiramente, que se ignorar o pressuposto de que o medo é um sentimento infantil e que a estética do horror seja, dado a sua natureza assombrosa, voltada para o público adulto. Precisamos nos lembrar de que o medo evoca a compreensão de que algo ou alguém pode nos atingir e nos afetar negativamente, mostrando assim que, mesmo que mais sobressalente em crianças, a capacidade de abstraí-lo e correlacioná-lo a algo concreto requer bastante maturidade. Depois, é necessário compreender o horror enquanto estética advém da verossimilhança, ou seja, da comparação com elementos reais, de modo que haja, na vida real, algo que se assemelhe àquilo que é visto em filmes e livros, independentemente do público para o qual sejam voltados. Como se vê nos contos de fadas, a benevolência e a maldade, o bom e o mau, o certo e o errado – todos advindos de padrões morais e éticos –, representam a máxima dicotomia da vida: ou dá certo ou não dá. Em seu livro Psicologia dos contos de fadas (1980), BETTELHEIM afirma que “nos contos de fadas, o mal é tão onipresente quanto a virtude” e acrescenta que “bem e mal são onipresentes na vida e as propensões para ambos estão presente em todo homem” (p. 15).

Assim, já eliminamos o pensamento de que sentir medo é uma característica infantil e acrescentamos a afirmação com base ontológica que o ser humano vive a dualidade de ser bom ou ser mal. E, aproveitando o ensejo, talvez Dr. Jekyll and Mr. Hyde (1931) seja um bom exemplo de ilustração para representar essa problemática proposta, ainda que represente essa bifurcação entre o correto e o errôneo de modo bastante alegórico, qual o faz The Picture of Dorian Gray (1945): ambas as obras discorrem acerca de homens que vivem dupla vida, uma enquanto figuras sociais representativas e modelares, outra enquanto criaturas sociopáticas e indesejáveis. Aproveitando os exemplos, cabe agora dizer que a estética do horror não faz uso de um elemento puro e uno, mas decerto busca provocar o terror em quem lê um conteúdo literário ou assiste a uma produção cinematográfica – assim, como todos os gêneros narrativos, pode-se dizer que o gênero terror é bastante híbrido, principalmente por causa do intercruzamento que tem havido entre os diversos gêneros cinematográficos. Ficção científica e o terror podem se unir numa trama como Alien (1979), na qual astronautas se vêem cercados numa nave por uma criatura alienígena que potencialmente os devorará; The Exorcist (1973) une o terror de uma possessão demoníaca ao drama de uma família incrédula que se vê destruída pelo que não consegue compreender. Num trabalho oralmente apresentada na Universidade Federal Fluminense no ano de 2001, o professor doutor Eurico de Lima Figueiredo afirmou que as classificações genéricas são apenas um método de enxugar do modo mais eficiente a atmosfera do filme e que a classificação “retém algo de artificial perante a complexidade da realidade que pretendem entender e nomear” – isto é: o horror pode estar presente em películas de quaisquer gêneros.

Ainda que não se proponha analisar diacronicamente o gênero, torna-se inevitável não apontar algumas estéticas fundamentais à consolidação do medo nem se podem ignorar títulos que percorreram a vida do cinema e que mostram que há público para assistir a essa estética fílmica. As doutrinas cinematográficas que embasam o gênero são praticamente tão velhas quanto ele próprio, uma vez que o terror se apropriou, além de suas próprias bases, da pintura e da literatura – a primeira visual, a segunda mentalmente imagética – para compor o filme, que é notadamente muito mais visual que qualquer uma das artes citadas. Que fique a ressalva, a tempo, de que a afirmação apenas se refere ao fato de que os filmes apresentam um número maior de imagens e que eles inevitavelmente “impõem” uma definição modelar ao espectador: aquele que lê Frankenstein (1818), de Mary Shelley, possui mais liberdade para imaginar o personagem à sua própria maneira do que aquele que assiste à obra cinematográfica, uma vez que o filme já lhe apresenta a figura pronta, cabendo ao espectador não imaginá-lo, mas acompanhar o desenvolver da trama.

Como já citado, o cinema de terror se apropriou de vanguardas para se fortalecer. Apenas a realidade, no seu máximo verossímil, não era suficiente para impor ao espectador a estranheza causada por um filme como Nosferatu, eine Symphonie des Grauens (1922), obra alemã que fez uso do expressionismo a fim de fazer “a arte ultrapassar os limites da realidade, tornando-se expressão pura da subjetividade psicológica e emocional” (MONTEIRO, 2007, s/p). Ainda discorrendo mais sobre a relação do real e do fantasioso, o autor afirma que a “deformação das figuras dos expressionistas mostra claramente os impulsos libertários do movimento que submeteu o real às leis da imaginação, com pinturas de atmosfera apocalíptica e anarquista” (idem). E transpondo o significado de “anarquismo” para a natureza das artes, fica evidente que o expressionismo buscava desestruturar, através do horror, o arquétipo de cinema que havia até então: o exaustivo retrato da vida real. 


Qual é o propósito, afinal, do gênero e como ele atinge o público? Decerto angustiar a platéia seja uma de suas finalidades. NOGUEIRA (2010) diz que, quanto ao gênero, “o seu apelo e o seu fascínio para o espectador, provêm, ironicamente, da incomodidade e do desconforto que provoca neste”. E importante que saibamos que não apenas o incômodo, tampouco o medo em si, mas inúmeras sensações e emoções são correlatas a essa vertente cinematográfica: o asco em Cannibal Holocaust (1980), a angústia em Rosemary’s Baby (1969), a claustrofobia em The Shining (1980), a desolação em Night of the Living Dead (1968) e, trazendo mais próximo de nossa época, a inércia em Dark Water (2005) e a incompreensão em Paranormal Activity (2009). Todos esses filmes inevitavelmente se encarregam de perturbar o espectador, colocando-o lado a lado com a possibilidade de que aquilo na tela possa, afinal, se aproximar dele de algum modo e assim o colocar na mesma situação que a do personagem a que ele assiste.

E todas essas sensações dependem de uma via bilateral: tanto o filme deve se mostrar capaz de levar sua mensagem ao espectador quanto o espectador deve estar aberto ao que virá. Uma produção composta por aspectos artísticos fortes é capaz de revirar o estômago do público: um bom trabalho de maquiagem que transforma um rosto angelical em algo diabólico; um bom trabalho de som que consiga condicionar o espectador a seguir a cadência de tensão do filme; direção perspicaz, capaz de truques para intensificar a tensão, como a opção por filmar de ângulos diversos, diminuindo ou aumentando o personagem em relação à visão do espectador. E cabe à platéia selecionar quais filmes quer ver: de nada adiante ir ao cinema assistir a uma película de terror sobre zumbis se o que lhe dá verdadeiramente medo são os fantasmas ou os extraterrestres.

Há quem torça o nariz para os filmes de terror: “não são tão bons quanto os dramas”, “só tem sangue nisso”, dentre inúmeras outras afirmações descabidas, principalmente porque é bobagem, no caso da primeira assertiva, ignorar o drama psicológico que circunvizinha os personagens, e, no caso da segunda, esperar que o filme em questão desrespeite a sua própria proposta (por exemplo, é injustificável fazer tal reclamação de uma obra como Nightmare on Elm Street, de 1984, cujo enfoque é justamente no seu caráter sanguinário). E, aproveitando o último filme citado, é improvável não admirar a produção dos filmes de horror, principalmente porque eles, quais os contos de fada, colocam no nosso imaginário inúmeras figuras que nos perseguirão por toda a vida – sempre nos lembraremos de Jason (Friday the 13th, 1980), o assassino mascarado do Lago Cristal e do seu persistente ciúme pelo acampamento; também traremos conosco o terror intrínseco à personagem de Anthony Hopkins em The Silence of the Lambs (1991) e, ao ver sua imagem, seremos sempre como Clarice Starling, a olhá-lo com olhos desafiadores e, ao mesmo tempo, apavorados; tampouco creio que haja quem possa se esquecer dos fantasmas que perseguiram Nicole Kidman em The Others (2001) e, muito antes dela, dos espíritos trevosos que perturbaram a vida de Deborah Kerr, em The Innocents (1963). E o mal, em sua forma mais dilaceradora, não se verifica apenas em assassinos seriais e casas mal assombradas – ele também se apossa de crianças – mesmo as mais dóceis – e as transforma no elixir do terror que vimos em Rhoda Pennmark, Damien, Henry Evans e Samara, respectivamente dos filmes The Bad Seed (1956), The Omen (1976), The Good Son (1993) e The Ring (2002).

Como todos os outros gêneros, o terror não se limita aos adultos tampouco faz com que os humanos sejam os protagonistas. Com caráter bastante democrático, o elemento a causar o terror pode ser uma pessoa (Sleepaway Camp, 1983), um sonho (The Cell, 2000), um fenômeno da natureza (The Fog, 1980), um veículo de transporte (Christine, 1983), um lugar (The Pet Semetary, 1989) ou, pasmem, até mesmo um objeto (The Refrigerator, 1991). E, como todo gênero, tem suas exemplares que merecem ser conferidos (REC, 2007) e aqueles dos quais devemos passar longe (5ive Girls, 2006). E, sobretudo, não podemos ignorar o fato de que, como qualquer outro gênero, o terror é fundamental para a análise não apenas do cinema enquanto objeto artístico e, conseqüentemente, sociológico (já que traz consigo o reflexo de uma sociedade), mas talvez do próprio homem, que viu na produção cinematográfica um instrumento para registrar aquilo que é presente em nossas vidas: o medo.


Referências bibliográficas:
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Tradução de Arlene aetano. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

FIGUEIREDO, Eurico de Lima. Cinema, terror e ideologia. In: < http://www.achegas.net/numero/um/eurico_f.htm>, acesso em 02 de março de 2012.

MONTEIRO, Pedro. O Expressionismo recriando conceitos e valores. In: < http://www.overmundo.com.br/overblog/o-expressionismo-recriando-conceitos-e-valores>, acesso em 02 de março de 2012.

MOURA, Edgar. 50 anos luz, câmera e ação. São Paulo: SENAC São Paulo, 2001.

NOGUEIRA, Luiz. Manuais de cinema II: os géneros cinematográficos. – s.n.t.

XAVIER, Ismael (org.). A experiência do cinema. Coleção arte e cultura, v. nº 5. Rio de Janeiro: Edições Graal: Embrafilme, 1983.

1 de nov. de 2012

Maratona: Filmes de Terror



Precisei de um tempo sem postar para poder me reorganizar quanto àquilo que eu gostaria de apresentar. Além disso, precisava também de um tempo para mim, que se eu continuasse naquele ritmo de publicações considerando todos os meus outros deveres acadêmicos, não apenas se perceberia queda considerável na qualidade dos textos, como eu provavelmente acabaria irritado com o blog a ponto de querer abandoná-lo de vez, como já aconteceu tantas vezes em que fiquei sobrecarregado. Mais sossegado agora, retomo as postagens com um assunto em “época tardia” – depois que todos os cinéfilos já comentaram sobre o cinema de terror por causa da proximidade com o Halloween, eu começo só a partir dessa data a investir no gênero, comentando alguns filmes – uns bons, outros ruins – que se encontram sob a estética do horror e que estão já fixados no imaginário popular ou, ainda, que são de certo modo desconhecidos pelo grande público.

 Meio mocinha, meio vilã: Julie, a protagonista de "O Retorno dos Mortos-Vivos" (1993), filme que mistura terror, romance e erotismo no seu enredo meio porco e desestruturado.

As pessoas que me lêem, fora as que me conhecem, conhecem pouco de mim, justamente porque aqui enfoco minhas opiniões sobre os filmes a que assisto e sobre os livros que leio. Apesar, óbvio, de minha escrita indicar parte da minha personalidade e meus gostos, não apresenta verdadeiramente muito sobre a minha história, então aproveito agora pra comentar sobre o porquê – sobre o que eu acredito ser o porquê – de minha paixão pelos filmes de terror. Lembro-me bem de quanto era pequeno e tinha aquela idolatria pelo meu pai, sempre esperava que ele voltasse do trabalho para conversarmos, e, enquanto ele não vinha, ficávamos minha mãe e eu assistindo filmes na sala. Lembro-me do tapete do qual tinha alergia, dos sofás de cor vinho, da TV meio antiga na qual um dia eu coloquei um ímã sem querer e ficou para sempre com uma mancha arroxeada na tela. E tenho a impressão de que, mesmo que não fosse exatamente como penso que tenha sido, minha mente se responsabilizou por preencher as informações que faltava acrescentando imagens que podem ou não ter sido reais – só pra constar, a época a que me refiro data de uns 17 anos atrás, quando eu era ainda bem pequeno. E, nessa espera pelo meu pai chegar, víamos filmes de terror normalmente: vi com minha mãe inúmeros títulos, desde os mais comportados pra criança, com um ou outro fantasminha, até aqueles mais pesados, com direito a criaturas disformes de faces desfiguradas e muito sangue.

Deve ter sido aí que começou o meu gosto pelo cinema de terror – apesar de estar sempre com medo do que veria, me sentia sempre interessado no que veria a seguir. Até me lembro do quanto não entendia uma situação a que assisti no filme “A Volta dos Mortos-Vivos 3” (1993), obra a que evidentemente não assisti à época do seu lançamento (porque tinha dois anos de idade), mas que vi eventualmente mais tarde, junto com meu pai. Já no começo do filme, se eu não me engano, a namorada de um rapaz sofre um acidente de moto que resulta na morte dela, e o rapaz, sabendo do envolvimento de seu pai numa tecnologia bioquímica de caráter militar secreto que implica reanimação de corpos, leva sua namorada para o laboratório, trazendo-a de novo à vida, mas, evidentemente, sem que ela tenha o seu garbo de antes – aliás, volta às avessas, toda diferente e quase irreconhecível. No final do filme, incapaz de se separar dela e incapaz de fazê-la ser humana, os dois acabam mortos, numa cena que me chocou bastante, porque isso deve ter me mostrado que, mesmo no gênero terror, não era apenas o medo que existia, apesar de predominar – havia também espaço para outros sentimentos e outras sensações. Era essa situação que não entendia: como, afinal, era terror e tinha aquele romance ali no meio? 


Enfim, encerrando essa coisa toda, toda essa minha digressão sobre meu passado, queria dizer, ainda que não o fizesse de modo resumido, que o gênero terror é um dos que mais me agradam, ainda que, como hábito, seja um dos que menos me apresentam coisas boas. Antes de eu me aventurar em outros gêneros – sim, por muitos anos eu apenas assistia aos filmes de terror! –, conheci incontáveis filmes ruins, mesmo muito antes de eu conhecer um pouco mais de cinema. Escolhi fazer um especial sobre o gênero justamente para poder apresentar alguns títulos dos quais eu gosto, outros que não me animam e poder, talvez, sugerir algo novo a alguém que não conheça muitas obras desse gênero. Assim, selecionei alguns títulos aleatoriamente, tomando o cuidado para não me focar muito nas produções de um único país ou de uma única década. Então, ao longo de novembro, vamos discutir os seguintes filmes:

  1. Acampamento Sinistro (Sleepaway Camp, 1983)
  2. Aniversário Macabro (The Last House on the Left, 1972)
  3. O Bebê de Rosemary (Rosemary’s Baby, 1968)
  4. Christine – O Carro Assassino (Christine, 1983)
  5. A Espinha do Diabo (El Espinazo del Diablo, 2001)
  6. Os Inocentes (The Innocents, 1961)
  7. Lâmina Assassina (Lo Strano Vizio della Signora Wardh, 1971)
  8. Mangue Negro (idem, 2008)
  9. Medo (Janghwa, Hongryeon, 2003)
  10. A Morte do Demônio (Evil Dead, 1981)
  11. Prelúdio para Matar (Profondo Rosso, 1975)
  12. O Segredo da Cabana (The Cabin in the Woods, 2011)

Ao longo de novembro teremos, como disse, alguns filmes bons, outros médios, mas, de certo modo, todos guardam algo que faça com quem sejam válidos de serem vistos. Sem uma ordem definida, os filmes serão publicados aleatoriamente. Espero que vocês se divirtam tanto lendo meus textos e discutindo suas opiniões comigo quanto eu me diverti assistindo a todos esses filmes e escrevendo sobre eles.

26 de ago. de 2012

A Estirpe dos Malditos


Children of the Damned. R.U., 1964, 88 minutos, terror. Diretor: Anton Leader.

A adaptação britânica do romance de John Wyndham é bastante inferior à versão de 1995 de John Carpenter - e olha que essa versão já não é muito boa.

Confesso que somente assisti a esse filme porque me enganei e acabei por baixá-lo em vez de baixar a produção estadunidense de 1960, que é a que eu gostaria de assistir. Mas, como já tinha baixado o filme, acabei assistindo - vai que se tratasse de uma obra de terror excepcional que me fizesse ter medo, como há bastante tempo não acontece. Pois bem, isso não aconteceu ao longo da hora e meia em que assistia á história de seis crianças que têm capacidades extraordinárias de raciocínios além de poder se comunicar umas com as outras, mesmo estando em partes diferentes do mundo.

 As crianças de diversos lugares do mundo e uma refém.

Logo no começo do filme, nos seus minutos iniciais, percebemos que a figura do jovem Paul é bastante sinistra: a criança é extremamente silente, de olhares fixos, e, embora seja um garoto bastante bonito, há algo nele que refreia o nosso pensamento de que ele seja angelical. Não demora a que descubramos outras duas coisas: ele é extremamente inteligente e consegue influenciar as pessoas a fazer aquilo que ele quer que a pessoa faça - incluindo se matar. É justamente isso que acontece com sua mãe, a quem ele odeia e que, em retribuição, também o odeia. O geneticista Tom Llewellyn e o psicólogo David Neville, ao comporem e aplicarem um teste de QI em todo o mundo a fim de descobrirem as crianças mais dotadas, descobrem outras cinco crianças que têm exatamente as mesmas características de Paul. Achando o fato curioso, eles reúnem as crianças para examiná-las sem evidentemente saber que elas realmente queriam estar juntas.

Confesso que as cenas introdutórias são realmente interessantes e não deixam a desejar. Todo o clima criado favorece a atmosfera do horror, principalmente quando vemos o jovem garoto induzindo sua mãe a vagar pelas ruas, indo em direção a uma morte potencial. Ainda vemos as figuras do geneticista e do psicólogo discutindo e propondo inúmeras possibilidades em relação aos dotes extraordinários do garoto, o que aumenta ainda mais a suspeita do espectador em relação àquilo que há por vir. Infelizmente, esse ambiente de medo se perde gradualmente e não consegue se sustentar nem mesmo quando as crianças estão cometendo assassinatos, quando evidentemente deveríamos estar extasiados e amedrontados. Um pouquinho do clima ressurge nas cenas finais, quando o clímax se torna crescente - mas, misteriosamente, ele é interrompido bruscamente, numa amostra da má execução do filme.

 O desespero do psicólogo (aliás, ele não parece uma versão mais velha do Ryan Reynolds?) para manter as crianças protegidas das ameaças governamentais.

A partir de um determinado momento, o filme perde sua característica dinâmica e fica lento, mas não escorrendo a ponto de o espectador não conseguir vê-lo. Mas definitivamente lhe falta algum ritmo que o torne mais próximo de um filme de terror - nem mesmo Rosemary’s Baby, que 136 minutos, - quase duas horas a mais que esse filme - consegue ser tão antimelódico, apesar de sua longa duração. A parte boa é que as crianças conseguem, por si sós, manter um aspecto sombrio, mas acho que essa é uma coisa mais minha do que do filme: sempre que vejo crianças em filmes de terror - “Os Outros”, “O Sexto Sentido”, “O Cemitério Maldito” ou mesmo “A Profecia” -, tenho a impressão de ver nelas algo muito mais monstruoso do que elas realmente são. Se as crianças são um ponto positivo, incluindo aqui alguns truques de câmera para torná-las ainda mais medonhas, os atores não condizem exatamente com o nível de medo sob o qual eles parecem estar. Falta aqui o desespero de Deborak Kerr em “Os Inocentes”, produção também britânica de quatro anos antes que é, a meu ver, muito mais ousada do que essa.

Decerto não é uma obra que incomode, longe disso! Mas realmente não faz jus ao suspense que esperamos sentir. Admito que haja um ou outro momento bom na história, mas, de um modo geral, é um filme morno, que não empolga, mas que também não prejudica o espectador por ser ofensivo em sua execução. Porém, eu realmente escolheria outro filme caso quisesse indicar uma boa produção de suspense e/ou terror às pessoas, incluindo todos os outros títulos que citei aqui. Aliás, eu fico me perguntando que pessoa desejaria assistir a um filme cujo nome é “A Estirpe dos Malditos” - acho que esse é um caso interessante de obra que merece ser analisada com cuidado num artigo do tipo “Que títulos não dar a um filme a fim de não afastar o público”, por que, convenhamos, “estirpe”? Que ousa usar essa palavra? Enfim, vale uma conferida se não tiver mais nada que ver...

24 de ago. de 2012

O Retrato de Dorian Gray

The Picture of Dorian Gray. EUA, 1945, 110 minutos, drama. Dirigido por Albert Lewin.
O filme definitivamente não consegue impressionar o espectador, ficando a impressão de que a história não foi bem transportada para as telas.

“Não há boa influência. Todo influência é imoral”. – Lord Henry Wotton.

Como usualmente acontece com todos os bons livros lançados no mercado literário, eles são adaptados para o cinema e transformados em eventuais bons filmes. A lista de obras que podemos citar é imensa e "O Retrato de Dorian Gray" (1890), escrito por Oscar Wilde no final do século XIX, é uma dessas obras. Tenho a impressão de que o personagem criado por Wilde é de conhecimento universal – todos que já estiveram numa sala de aula, que conhecem uma biblioteca ou que gostam de ler ou ver filme conhecem a figura que Dorian é.

Dorian Gray é a fiel representação do homem que não quer ser consumido pelo tempo. Se se lembram da mitologia greco-romana, aquela na qual Cronos é descrito como um feroz devorador de seus filhos, rapidamente teremos consciência de que Dorian é o filho que não será atingido pela força desse deus – Cronos, ou o tempo, não será capaz de destruí-lo. Dorian é ainda um homem mascarado. Nunca escondera o rosto, é verdade; no entanto, sua face bela e jovem está sempre escondendo as cicatrizes de sua alma corrompida pelo orgulho, egoísmo e pela indiferença com os outros. Decerto é um dos personagens mais interessantes da literatura inglesa – e talvez da literatura mundial – e sua influência na área literária é tão grande que chega até mesmo a ultrapassá-la: aposto que homens invejam a “sorte” de Dorian; os produtores e roteiristas acham a narrativa de Wilde tão original que repetidamente a usam como elemento implícito em seus roteiros.

É inegável para mim que o livro continua sendo notadamente melhor do que o filme, mesmo que essa produção de 1945 seja potencialmente uma das melhores adaptações que eu já vi. A transposição das páginas para as telas da história do homem que vendeu sua alma pela eterna juventude e beleza é realmente elogiável – Albert Lewin, o roteirista, cuidou para manter os aspectos mais interessantes da obra de Wilde: manteve os momentos mais importantes, não desrespeitou as noções temporais, fez permanecer a linearidade da destruição moral de Dorian – enfim, ainda que tivessem sido feitas algumas poucas modificações, o resultado final da adaptação ficou satisfatório. O que achei mais curioso em relação à escalação do elenco é o modo como as personagens femininas, quanto à beleza principalmente, tiveram mais destaque do que o elenco masculino. Sibyl Vane e Gladys Hallward conquistaram meus olhos e meu carisma – as intérpretes, respectivamente Angela Lansbury e Donna Reed, mostraram-se tão talentosas em suas interpretações que penso que as duas sejam ainda mais interessantes do que o respeito que Lewin teve pela história de Wilde. Hurd Hatfield é bonito, mas nem de longe se parece com o Dorian Gray que eu imaginava – essa é a parte boa dos livros: nós sempre podemos acentuar ainda mais as características dos personagens, o que se torna dificílimo quando temos como base uma figura já pronta no físico de um ator. Quanto aos atores que eu já citei, posso garantir que o efeito mais positivo de suas interpretações é sutileza; todos estão bastante concisos e simples, em atuações lineares. George Sanders também está bem, mas devo dizer que, tal como Dorian de Hurd Hatfield, eu não imaginava Lord Henry como aquele que foi composto por Sanders. Na verdade, ele até me irritou um pouco: efusivo demais, falando sem parar, tom de voz muito alto. Não gostei muito do que vi em relação ao ator, mas não o credito pela minha recusa em gostar desse personagem – talvez Lord Henry seja exatamente assim mesmo e eu o tenha imaginado um pouco mais sutil.

Teci elogios sobre a adaptação, sobre o roteiro de Lewin e discorri brevemente sobre os atores – como perceberam, não tive reclamações notáveis até aqui, o que pode lhes fazer pensar que eu adorei o filme. Afirmo que não: não gostei do filme como um todo. A obra tem suas qualidades, mas creio que algo se perdeu na mudança do plano de expressão. O filme me parece pequeno demais comparado ao livro, o filme parece sem brilho, muito apagado, simplório demais. Talvez tenha faltado mais força nos diálogos e mais firmeza no desenrolar da trama. Falta também um pouco de dinamismo, para acelerar o ritmo, tornando assim o filme mais interessante para quem o vê. Ainda que seja uma adaptação elogiável, o filme não o é – para mim, é uma obra que pode facilmente passar despercebida pela vida cinéfila de alguém que é fã de filmes. O que quero dizer é: não penso que O Retrato de Dorian Gray seja uma obra cinematográfica capaz de deixar uma marca no espectador, que provavelmente se esquecerá dos belos rostos de Lansbury e Reed pouco depois de conferir a obra. Penso que a versão feita em 2010 seja inferior a essa... tão logo que a vir, vou comentá-la aqui também, resenhando o filme e, num post especial, comparando as versão de 1945 e a versão do ano passado.