9 de jan. de 2011

A Hora da Estrela

1977, Editora Nova Fronteira, 98 páginas (9ª edição). Autora: Clarice Lispector.
Uma das melhores obras da literatura nacional, que contém metalinguagem, crítica social e um estilo muito peculiar dentre as obras de Clarice Lispector.

Em agosto do ano passado, eu comentei aqui no blogue o livro A Paixão Segundo G.H., da escritora brasileira (por naturalização, ela nasceu na verdade na Ucrânia) Clarice Lispector. Quem leu a minha resenha percebeu que eu me opus totalmente àquela obra, a qual considero monótona, dispersa e sobrevalorizada. A Hora da Estrela, por sua vez, é uma obra que eu considero muito válida para a nossa literatura e consiste numa das melhores obras da autora.

Sendo esse o penúltimo romance escrito por Clarice, ela faz questão de nos proporcionar uma análise crítica sobre a realidade cultural do nosso país e ainda proporciona uma excelente composição metalingüística, o que faz de seu livro um dos mais requeridos da literatura nacional. Analisá-lo não é fácil, devido as características muito bem elaboradas da escrita de Clarice Lispector. A sua obra conta com série de qualidades elogiáveis e até considero invejáveis, pois poucos autores conseguem – e poucos conseguiram – realizar uma obra com toda a grandiosidade desse seu livro, que foi o último a ser publicado enquanto a autora ainda estava viva.

Devido à fantástica metalinguagem do livro, somos confrontados com a história de uma alagoana chamada Macabéa, uma jovem datilógrafa “que às vezes sorri para os outros na rua”, mas “ninguém lhe responde ao sorriso porque nem ao menos a olham” (p. 22). A história dessa nordestina nos é narrada por Rodrigo S.M., narrador que se tortura por causa do relato que nos quer fazer, haja vista que a existência dessa jovem, sobre quem ele afirma conhecer pouco, lhe ofende e lhe perturba, pois ela, como ele mesmo descreve, “somente vive, inspirando e expirando, inspirando e expirando. Na verdade – pra que mais do que isso? O seu viver é ralo” (p. 30).

Vale ressaltar que a grandiosidade da narrativa, em primeiro lugar, se encontra do afastamento do autor e do narrador. Ainda que quem escreva seja Clarice, há um segundo autor-narrador, que é também um personagem de Clarice. Pode-se dizer que o narrador, ainda que não participe efetivamente da história, é também personagem dela, já que é também uma criação, com emoções, sentimentos e personalidade. Depois, temos a relação entre o narrador-autor Rodrigo e a sua personagem, Macabéa. Não podemos afirmar precisamente que a personagem existe no plano da realidade do narrador, pois ele mesmo garante não saber exatamente tudo o que acontece e, ao mesmo tempo, sente-se mal por nos contar uma história tão simples, sem muitos atrativos. Ainda há o fator de que Macabéa lhe veio por outra inspiração – o narrador viu alguém na rua e essa pessoa lhe remeteu à nordestina sem rosto e sem vida que é Macabéa.

Há uma aproximação interessante entre o narrador e Macabéa e é exatamente essa aproximação que cria um paradoxo interessante nesse romance: ainda que ele lhe tenha afeto, eles pertencem a classes sociais muito diferentes e possuem estilos de vida diferentes, sendo ela um ardor na vida do narrador, pois a história dela, quanto mais perto dela ele se sente, mais culpado ele se sente. Ao narrar sua vida, o narrador apresenta uma série de falhas no sistema social. A personagem alagoana praticamente subsiste porque não tem informações suficientes para poder se questionar. Sem se perguntar, ela simplesmente acredita que sua vida tem que ser daquele jeito porque tem que ser assim – sem mais. A tia, que lhe aplicava cascudos sem motivos razoáveis, criou em Macabéa uma noção eterna de submissão e é assim que ela se sente – submissa a tudo: ao seu trabalho, ao seu namorado, à sua amiga Glória, à sua própria situação. Viver num quarto com outras quatro garotas não lhe incomoda, desde que tenha um rádio e possa ouvir informações que não entende, mas que julga importante conhecer. Isso mostra que a personagem foi condicionada ao não-discernimento: “[...] ‘Arrepende-te em Cristo e Ele te dará felicidade’. Então ela se arrependera. Como não sabia bem do que, arrependia-se toda e de tudo. O pastor também falava que a vingança é coisa infernal. Então ela não se vingava” (p. 45). Para Macabéa, basta crer, acreditar é o suficiente.

A obra de Clarice narra um Rio de Janeiro não muito bonito – nele vivem pessoas esteticamente feias, que não chama a atenção, que estão à margem da sociedade e que não sofrem porque não têm consciência do que é sofrer, haja vista que existem iludidas pelas mentiras sociais contadas a todo o momento. Chega a ser difícil compreender se o narrador se diferencia tanto dos personagens que ele narra, afinal, os personagens são ele também. Nos momentos finais, com o desfecho criado para Macabéa, ele assume que o mesmo que aconteceu a ela aconteceu a ele também – assume, portanto, que eles estão muito mais próximos do que realmente parece.

Assim, é difícil assegurar quem é real e quem não é nessa obra. Os personagens misturam-se às vezes e completam-se, somam-se em alguns momentos. Clarice cuidou para que sua obra se mostrasse como uma crítica, não apenas à sociedade, mas também à pessoa – o ser individual é criticado, principalmente quando ele necessita de outro para firmar-se como ser superior. De certo modo, é isso que acontece com Rodrigo, ao mesmo tempo em que ele narra e descreve Macabéa como algo por quem ele tem carinho e que, simultaneamente, lhe causa incômodo. A Hora da Estrela possui então vários elementos que apenas constituem uma obra elogiável e que merece ser lida. Aprecio o desenvolvimento filosófico-questionador desse romance e recomendo as pessoas que desejam ler uma obra intimista, na qual se conhecem bem todos os personagens – tanto é que a história da nordestina se inicia já no meio do livro, depois que o narrador demonstrou como é a sua personalidade. Considerando todos os aspectos da obra e a sua relevância literária, não deixo de admitir: A Hora da Estrela é um dos melhores livros nacionais.

3 opiniões:

Cristiano Contreiras disse...

Eu gosto muito de frases e certas passagens de "A Hora da Estrela", mas é o livro mais fraco de Lispector - pelo menos, não me senti ligado a ele, de maneira alguma.

Ao contrário de "A Paixão Segundo GH" que é sublime, intenso e reflexivo...uma pena, até me espanta, que você não tenha gostado.

Releia daqui a dois anos! rs

abraço

Jose Ramon Santana Vazquez disse...

DESDE MIS HORAS ROTAS
LLENAS DE LUZ ILUSION
Y CINE POR COMPARTIR
UN FUERTE ABRAZO LUIS
CON TODO MI AFECTO :




J.R.S.

Jefferson Reis disse...

Morro de preguiça de ler este livro. Não sei o motivo, mas não vou com a "cara" dele.