16 de jul. de 2012

Perfume de Mulher


Profumo di Donna. Itália, 1974, 103 minutos, comédia. Diretor: Dino Risi.
Uma obra subvalorizada, mas com extremas qualidades.

Quando falamos o título “Perfume de Mulher”, inevitavelmente somos remetidos à produção de 1992 estrelando Al Pacino no papel principal e que contém a famosa cena de tango. Não penso que seja recorrente pensar no título italiano de 1974 que é a primeira adaptação cinematográfica do romance literário Il buio e Il miele (1969), do autor Giovanni Arpino, que narra a história de dois personagens, um jovem rapaz e um ex-capitão, agora cego, que quer viajar a Roma para visitar um amigo e resolver alguns problemas.

Não demora e a trama se inicia. Uma senhora cumprimenta um jovem rapaz pela sua pontualidade, o que já nos começa a nos aproximar de um dos protagonistas. Ela, ao recebê-lo em sua casa, introduz um novo personagem: um homem maduro, já passado dos cinqüenta anos, cego devido à guerra. A função do jovem é cuidar do senhor – acerca do qual ela adverte: sempre chamá-lo de signor, nunca de capitão ­– e guiá-lo na viagem que ele fará a Roma, passando por algumas outras cidades no caminho.

O título do filme é extremamente apropriado ao filme e, mais ainda, ao personagem Fausto, que é o homem cego. A cegueira, como se sabe, acentuou-lhe outros sentidos, tornando-o extremamente esperto quanto aos barulhos que ouve e, sobretudo, quando aos cheiros que sente. E o perfume das mulheres na rua o inebria, deixando-o guiar-se pelo odor das mulheres por quem ele tem desejos sexuais. Aliás, a construção dessa personagem é interessantíssima, especialmente porque ele, apesar de rabugento, é bastante carismático, e penso que seu carisma se dê também pela sua sagacidade em relação àquilo que o cerca. O tempo todo, o personagem lança comentários irônicos e fica expondo ao jovem Giovanni, que ele insistentemente chama de Ciccio, aquilo em que ele acredita que o menino está pensando – e, para desgosto do jovem, na maior parte das vezes, ele tem razão.


A primeira imagem de Fausto decerto é incômoda, ainda que a cena que o apresenta traga consigo bastante humor: o homem já se mostra exaurido daquela vivência rotineira e não hesita em mostra para o garoto o quão pouco disposto está em tornar o convívio mais fácil. Ao passear pelo cômodo de sua casa, quase tropeçando em seu gato, afirma com veemência que o único intuito do animal é odiá-lo e tentar fazê-lo tropeçar, o que nunca conseguirá. Depois, ignorando a apresentação do menino, lhe diz com clareza que não o chamará pelo nome, mas sim pelo nome que ele prefere – Ciccio –, pois sempre chamara assim todos os seus acompanhantes anteriores. A autossuficiência do personagem se dá pelo uso de sua bengala, dos seus ouvidos e do seu nariz – este, aliás, um verdadeiro órgão farejador. Toda a franqueza – às vezes, quase rudimentar – do homem se opõe à timidez do rapaz que o acompanha, sempre envergonhado e sem saber como agir ante alguns acontecimentos e sempre curioso acerca das manias do seu patrão.

O primeiro episódio marcante é a tentativa de Ciccio de descrever uma mulher a Fausto. O homem lhe pergunta como são os cabelos, os quadris, a altura, até o tamanho do pé – o curioso é que ele, cego, é capaz perfeitamente de identificar um travesti pelas descrições do garoto, que, inocente, pensa tratar-se mesmo de uma mulher. Num beco cheio de prostitutas, o homem se perde num orgasmo olfativo, até sentir o cheiro daquela que ele quer levar pra cama – por uma boa quantia, que justifique a completa abstenção da mulher com quem se deitar em relação às suas condições físicas (o ex-capitão não tem uma ao também). A partir de então, a viagem dos dois se dá mais por desventuras do que por coisas boas, ocorrendo sempre pequenos atritos entre o garoto e ele, principalmente por causa do comportamento do patrão, que não lhe chama pelo nome, lhe perturba com perguntas acerca de sua sexualidade e relacionamentos, e, ainda, num dado momento, ofende a namorada do rapaz, dizendo que ele é inocente em acreditar que ela é ingênua, que ela se trata, na verdade, de uma puttana


Penso que grande parte da qualidade da obra se deva à excelente atuação de Vittorio Gassman, que magnificamente personifica uma personagem que tem tudo para conquistar nossa antipatia, mas que, contraditoriamente, somente nos conquista a cada nova cena. A interpretação é tão contundente que lamento sua não-nominação nas cerimônias do Oscar de 1976, ano no qual o filme conquistou duas vagas entre os indicados, nas categorias de Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Filme Estrangeiro. E de modo algum a interpretação de Alessandro Momo, intérprete de Ciccio, é ineficiente, tornando-o igualmente um destaque nessa obra. Dino Risi consegue recolher o melhor de cada ator e consegue apresentar humor mesmo sem ser exagerado – fica aqui a ressalva a respeito de uma ou outra cena, mas o filme como um todo é muito linear e satisfatório, intercalando bons momentos cômicos ao longo de toda sua primeira metade e bons momentos dramáticos do meio para frente.

Acredito que nós cinéfilos devamos olhar para essa obra, analisá-la, pois decerto há algum grande problema nesse foco bastante crítico na obra de Martin Brest, estrelada por Al Pacino e Chris O’Donnel, enquanto essa produção italiana carece de olhares mais cautos e mais interessados em descobrir mais de suas qualidades. Assim como “Duas Mulheres” (1960), de Vittorio De Sica, esse filme da década de 1970 tem muito a oferecer, sendo, portanto, totalmente recomendável. Não creio que os cinéfilos devam ficar sem conferir o filme – nem tanto pelo filme em si, mas principalmente pela atuação dos atores principais, que são verdadeiramente interessantíssimas.

5 opiniões:

Hugo disse...

Ainda não tive chance de assistir, vi apenas a interessante versão com Al Pacino.

Abraço

André Procópio disse...

Parece que você mergulhou fundo no cinema italiano, sempre tão importante, ótimo e infelizmente muitas vezes esuecido. Não sabia que havia uma versão italiana, e ao que tudo indica a estadunidense seria um remake, eu estou enganado? Estamos muito habituados e familiarizados com o cinema de hollywood, que já não traz nada de novo há muiiiito tempo mesmo. Creio que olhar para outras escolas possa trazer algo de produtivo.
Só há um filme de Gassman que eu conheço, brancaleone, é um filme bem barato, mas muito legal. Adoro cinema italiano.

abs!

Kamila disse...

Não sabia que "Perfume de Mulher", com Al Pacino, é uma refilmagem desse filme. Que curioso! De todo jeito, não sou uma das maiores fãs do longa de Martin Brest. Mas, deve ser interessante assistir a este filme original italiano justamente pra ter um confronto das versões.

Thiago Silva disse...

Confesso nunca ter conferido essa obra específica. Como sou fã do filme estrelado por Al Pacino, procurarei seguir a dica e analisar este com toda a calma necessária. Interessante escolha.

Abraços!

Anônimo disse...

Uia, assim como muita gente ao ler seu post, eu também não sabia que o filme com Al Pacino era, na verdade, uma refilmagem.

Uma crítica tão curiosa quanto informativa.

Poses e Neuroses