15 de ago. de 2012

Hamlet


Idem. Inglaterra, 1601, tragédia. Autor: William Shakespeare.
Uma peça que vale a pena ser lida, sobretudo para conhecer mais sobre a escrita desse escritor tão cultuado, mas verdadeiramente pouco lido.

Quando pensamos em William Shakespeare, rapidamente nos vêm à mente várias frases marcantes, vários nomes famosos de personagens, além de uma nítida sensação de que estamos falando de uma criatura de cuja qualidade não se pode duvidar – grosso modo, Shakespeare tem um status tão celebrado quanto o de Clarice Lispector, salvo que ela é notadamente mais popular. A imagem mais associada à peça Hamlet com certeza é aquela na qual vemos um homem segurando uma caveira e fazendo a já batida indagação: ser ou não ser, eis a questão.

A história do conflito no reino da Dinamarca é de conhecimento público, sobretudo pelas várias vezes em que a peça foi apresentada em inúmeras adaptações, seja para o teatro ou para o cinema, que, aliás, vê no autor uma fonte interessante para realizações. Se vale como curiosidade, 66 filmes foram feitos tomando como base 22 peças de Shakespeare até meados dos anos 1950 – definitivamente, o escritor inglês nascido em Stratford-upon-Avon no século XVI é uma boa fonte para realizações cinematográficas, seja em títulos que adaptam suas obras, como é o caso de “Hamlet” (1948), dirigido por Laurence Olivier, seja em títulos que adaptam sua própria vida, como é o caso de “Shakespeare Apaixonado” (1998), de John Madden. Mas, como disse, apesar de o escritor render um bocado ao cinema, sua popularidade não é das melhores.

O que se sabe a respeito de Hamlet é, definitivamente, a cena supracitada. Não sabem em que contexto ela acontece, não sabe a que se deve esse questionamento – mas é assim que a peça foi imortalizada. Hamlet é um príncipe descontente – seu pai morreu recentemente e, mal se realizou o luto, já ascendeu ao trono o irmão Cláudio, tendo esse desposado a rainha. O Príncipe Hamlet, antes um jovem bastante comum – inclusive de paixão secreta com Ofélia, filha de um ajudante real –, se torna obcecado em descobrir quem é a figura misteriosa que perambula pelo castelo à noite fingindo ser seu falecido pai. Uma vez descoberto ser aquele o fantasma de seu pai, Hamlet se ocupa em provar a todos a história por trás da morte do antigo rei.

Se há algo de que gosto bastante nessa obra – lembrando-os: li-a traduzida – é o modo como o personagem principal se entrega totalmente à busca pela verdade acerca de todos os mistérios do reino. O personagem não se limita a um conflito interno, cheio de questionamentos sem atitudes que lhe dêem mais força – toda a trama é embasada por ações fogosas de Hamlet, que se atreve às mais diversas ousadias para chegar às respostas que tanto quer. Não esconde, também, sua opinião acerca do matrimônio de sua mãe com o seu tio, ao qual ele várias vezes chama de incestuoso e criminoso. Num diálogo que se faz entre ele e Horácio, um amigo seu, expressam-se as opiniões:

HAMLET
              Economia, Horácio! A carne assada
              Do enterro serviu fria para as bodas.
Encontrasse eu no céu meu inimigo
Antes que ter vivido aquele dia!
(SHAKESPEARE, 2010, p. 50)

As tramas shakespearianas são conhecidas pelo modo como todo desenlace – antes de acontecer, quase sempre muito trágico – necessita antes de um evento que seja extremamente complicador, que seja de tal modo danoso aos personagens que eles tenham poucas chances de lidar com quais situações que à frente possam parecer redentoras. Para Shakespeare – Freud talvez explicasse bem – todo bom desfecho implica cortar o mal pela raiz, mesmo que isso signifique a extração da vida de todos os personagens cuja participação na trama pudesse afetá-la de algum modo. E, logicamente, como todos os personagens tem função, logo um bom resultado é a morte de todos.

Interessante acompanhar o desenvolvimento da trama, já que toda ela é capaz de envolver os personagens completamente, mesmo que sua participação na trama seja minúscula – mas, como disse, não estão ali sem razão: mesmo Rosencrantz e Guildenstern, amigos de Hamlet, cuja participação é realmente pequena, tornam-se figuras fundamentais para a narrativa, já que eles terão sua parte no grande embaraço que se dará em meados da peça, quando os personagens estarão voltados uns contra os outros num verdadeiro mal-entendido resultante da intenção do Rei Cláudio de matar Hamlet, uma vez que seu grande segredo fora descoberto e Hamlet soube como expô-lo em público. Laertes, filho de Polônio, que por engano foi assassinado por Hamlet, é induzido a acreditar que o rapaz o assassinou por ódio – assim, Laertes cria inimizade com Hamlet, cena essa fundamental para os momentos finais, quando o ódio de Laertes terá crescido devido àquilo que acontece a Ofélia, irmã de Lartes, também filha de Polônia, que, devido à morte desse, eventualmente perdeu seus juízos. Num certo momento, Laertes a adverte:

[...] Talvez ele te ame
Agora, e não há mácula ou embuste
Que manche o seu desejo, mas, cuidado:
Ele é um nobre, e assim sua vontade
Não lhe pertence, mas à sua estirpe.
Ele não pode, qual os sem valia,
Escolher seu destino [...]
Teme-o, Ofélia, teme-o, irmã querida;
Conserva o teu tesouro de pureza
Longe do alcance e risco do desejo. [...]
Virtude não escapa da calúnia;
(idem, 2010, p. 56)

Mais tarde, tendo acontecido o assassínio culposo de Polônio, não custa a Laertes acreditar que é Hamlet o mal de todo o reino da Dinamarca e que é ele o mais culpado em Elsinore, devendo, portanto, ser extinto. Shakespeare nos mostra como é extremamente fácil que um mal entendido se transforme num grande problema, resultando num final tão medonho que somente poderia ser de uma peça escrita por ele – trágica até não poder mais. Só acho verdadeiramente difícil acompanhar os personagens e sentir simpatia por todos eles, já que apenas Hamlet capta nossa atenção. Mas gosto muito dessa peça pelo seu caráter crítico: todos os personagens mais oportunos – Hamlet, Laertes, Polônio, por exemplo – apresentam bastantes informações e críticas acerca das situações vividas por eles. Basta a leitura dos dois trechos que citei para perceber: num Hamlet critica o casamento às pressas e a intolerância com o tempo – mal o pai morreu, casaram-se a mãe e o tio; na outra passagem, Laertes deixa clara a situação a que estão submetidos: sendo Hamlet nobre – e não apenas nobre, mas também herdeiro do trono –, Ofélia deve atentar para não se entregar acreditando no amor e nas promessas que o rapaz talvez não lhe possa oferecer.

Não me furtarei o prazer de terminar o texto com a famosa passagem (sem imagem de homem segurança a caveira, porém):

Ser ou não ser, essa é que é a questão:
Será mais nobre suportar na mente
As flechadas da trágica fortuna;
Ou tomar armas contra um mar de escolhos
E, enfrentando-os, vencer? Morrer – dormir
[...] Quem suportara os golpes do destino,
Os erros do opressor,             o escárnio alheio,
A ingratidão no amor, a lei tardia,
O orgulho dos que andam, o desprezo
Que a paciência atura dos indignos,
Quando podiam procurar repouso
Na ponta de um punhal? [...]
(idem, 2010, p. 118)

Evidentemente recomendo essa leitura, sobretudo, porque é interessante conhecer mais desse autor, cujas obras acabam evocadas mesmo em textos posteriores, como os escritos de Virginia Woolf e James Joyce, autores que compuseram quatro séculos depois de Shakespeare. Talvez possa não haver uma forte identificação com a trama – ou, ainda, não haja facilidade na leitura dessa peça –, mas de qualquer forma vale a leitura, como enriquecimento pessoal.

Referência:
SHAKESPEARE, William. Hamlet, Rei Lear, MacBeth. Tradução de Barbara Heliodora. São Paulo: Abril, 2010, 608 páginas.

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