24 de nov. de 2011

Um Filme Sérvio - Terror sem Limites

Srpski Film. Sérvia, 2011, 104 minutos, terror. Diretor: Srdjan Spasojevic.

Um filme que poderia juntar cenas chocantes e crítica ao sensacionalismo fílmico de exploitation, mas que acabou limitado a uma película monótona só com cenas pseudochocantes.

Existem filmes cuja fama precede o lançamento dele próprio. E é exatamente isso que acontece com essa produção sérvia lançada esse ano. Somente o seu trailer já fazia com que o espectador ficasse tenso com a brutalidade da qual estaria diante e, a somar, os diversos comentários acerca dos momentos de incesto, estupro, pedofilia e tortura, somente faziam com que esperássemos uma obra espetacular.

Quando digo espetacular, me refiro ao sentido literal da palavra: espetáculo. Evidentemente que nem a sua sinopse poderia salvar o filme da arte de impressionar a visão ao mesmo tempo em que trabalha a compreensão – desse modo, eu esperava que a história do ator pornô Milos – que se põe em extremo perigo ao aceitar um novo emprego – fosse primeiramente – primordialmente, talvez – de revirar o estômago e depois, dependendo do argumento do roteiro, uma obra crítica ou artística.

Mas devo tomar cuidado com os termos ao abordar esse filme. Só porque revira o estômago não é artístico? Vale lembrar que a arte é desautomatizadora, acima de qualquer outra característica sua. Pode-se abordar qualquer assunto: sexo, escatologia, miséria, deficiências físicas – ainda assim ser extremamente artístico, exatamente pela capacidade de conseguir expressar um ponto de vista além do senso comum. E é isso que falta a Srpski Film – falta essa vertente menos literal, mais abstrata: o filme é chocante num sentido limitado, pelo menos quanto às cenas que nos são mostradas.

Percebi uma dose bastante grande de realidade em algumas cenas – basta que observemos a cena final para concluir isso –, e é justamente isso que soa desagradável, já que o seu roteiro explicita a idéia de uma crítica ferrenha ao sensacionalismo do cinema. Pode-se perceber que toda a ousadia do enredo e das possibilidades de filmagem se perde em duas direções: aquela na qual, em oposição ao anticonvencionalismo apregoado, vemos cenas parcamente realizadas no que diz respeito à exposição (vê-se, por exemplo, um pênis aveludado, de pelúcia ou algo assim em vez de um real); e aquela na qual a crítica simplesmente some, dando lugar a desenvolvimento falho da trama.

Vamos à análise do primeiro elemento supracitado. Não se pode negar que a obra chama a atenção primeiramente por causa de sua proposta não-convencional de expor um enredo todo “distorcido” no que diz respeito ao senso-comum: fala-se no filme de um ator pornô que se envolve num trabalho obscuro, do qual nem ele sabe muito, a fim de conseguir tirar a família dos problemas financeiros pelos quais estão passando; nesse seu trabalho, um filme pornô – um filme dentro do filme, e aqui se vê a metalinguagem cinematográfica –, ele acaba confrontado com uma série de coisas pelas quais não esperava passar. Curioso notar que um filme com essa abordagem simplesmente caia em erros grotescos como o medo da exposição: se é mostrado estupro e tortura, por que não mostrar um pênis ereto? Por que uma cena de estupro a um recém-nascido se, ao focar o bebê explicitamente, percebemos com visibilidade bruta que se trata de um boneco? São dois exemplos de situações que prejudicam a credibilidade do filme enquanto obra artística desautomatizadora.

O segundo item, para mim, talvez o pior deles, porque a sua deficiência faz com que nossos olhos se voltem com mais atenção para o item citado no parágrafo anterior. O enredo parece se limitar apenas às cenas chocantes , já que ao longo de todo o filme percebemos que há só um derramamento das outras cenas, como o desconforto de Milos com o trabalho no qual se envolveu e também a sua busca frenética por respostas e por lembranças do que aconteceu depois que o drogam quando ele, impaciente e chocado, resolve abandonar as filmagens. Fora das cenas fortes do filme, todas as outras são lentas e monótonas, como se fosse exatamente para o espectador aguardar ansioso que virá a seguir, o próximo momento de violência. Seria um elemento interessantíssimo – e já explico o porquê – se soasse mais como intenção do que como falha da direção.

Pensemos nas características espetaculares do filme e na crítica que ele propõe ao mostrar a devastação promovida por uma espécie de modernismo cinematográfico, na qual, como o diretor do filme pornô diz, reside a “arte pela arte”, ou seja, arte ensimesmada, na qual todo elemento pode ser convertido em arte – até mesmo a vida (e isso já foi excelentemente explorado no filme The Truman Show). Se preocupados exclusivamente, sem atentar para como ela afeta a vida, não resta dúvida de que o perigo é eminente e pode-se entender que isso seja usado no filme, num uso interessante da metalinguagem: voltar a atenção do espectador para as cenas chocantes, mesmo quando há muito mais que se ver, é, afinal, um modo de mostrar o quão alienador é a exploração do grotesco sem preocupação crítica. Isso está presente no filme, inegável – mas repito: parece que é por falha na direção, que realmente intensifica as cenas sexuais e violentas com dinâmica enquanto cabe a quaisquer outras cenas um profundo desinteresse, mesmo por parte da câmera que as filma.

Trata-se de uma obra com algum valor, evidentemente, mas, ao meu ver, está meio longe de se firmar como bom cinema, no que diz respeito aos diversos elementos que estão presentes numa boa produção fílmica – não vi atuações satisfatórias, nem um roteiro que se desenvolve completamente, ou aquele sutil charme que é capaz de fazer com que o espectador se envolva. E nem fala de beleza, porque, por exemplo, Irreversible é um filme muito cru e, ainda assim, extremamente charmoso criticamente. Esse filme sérvio parece beber da fonte da novidade, mas não devolve algo novo a quem vê o filme, infelizmente.

1 opiniões:

Alan Raspante disse...

Talvez eu veja por curiosidade.

Não sei ainda.