26 de nov. de 2010

Longe do Paraíso

Far From Heaven. EUA, 2002, 111 minutos. Drama.
Indicado a 4 Academy Awards: Melhor Atriz, Melhor Roteiro Original, Melhor Fotografia e Melhor Trilha Sonora.
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Primeiro: o que me levou a assistir a esse filme foi o tema dela e a indicação de Julianne Moore ao Oscar. O filme fala sobre uma mulher casada e com dois filhos cujo tempo se divide entre atender as necessidades do marido e dos filhos, promover festas e eventos sociais, dar entrevista a revistas locais sobre comportamento, etc. Um dia, ao levar o jantar para o marido, ela o encontra aos beijos com outro homem e descobre a partir daquele momento que sua vida não era tão boa como ela imaginava que fosse.

O sexo é um assunto bastante debatido hoje em dia, mas é inevitável não chocar as pessoas quando a abordagem é a homossexualidade. Assim, achei interessante ver esse filme porque ele não foca exatamente um relacionamento homossexual, mas na transformação causada pela descoberta de que alguém próximo tenha essa preferência. Longe do Paraíso contextualiza bem essa situação: a personagem de Julianne Moore segue uma vida exemplar e se enquadra no modelo-padrão de dama da high society. Como agir frente à revelação de que seu marido seja gay? Temos ainda que considerar que essa discussão torna-se ainda mais perigosa quando pensamos no ano em que os personagens estão inseridos. Se hoje já é difícil conversar abertamente sobre sexualidade e seus derivados, imagine como devia ser na década de 1950. A discussão que o filme propõe não pára por aí. A somar, há o pequeno "problema" na relação gentil entre Cathleen e Raymond, o seu jardineiro: ele é negro. Numa sociedade na qual os negros devem estar num patamar inferior, como manter-se fora do alvo das fofocas se se relaciona bem com um empregado que é negro? Numa época em que a segregação é clara, tratar-se com carinho é sinônimo de ser consdescendente, de modo a enteder que o negro - por ser negro - desrespeita a alguma norma da sociedade.

O filme é eficiente ao mostrar bem todos os aspectos pelos quais Cathleen, a personagem de Julianne Moore, passa.  Primeiro, o choque em relação à descoberta que fez sobre o marido; depois o relacionamento conturbado com o jardineiro. Inquestionavelmente, ela se choca ao saber do marido, mas permanece ao seu lado devido à crença de que, sendo doente e precisando de ajuda, eles podem voltar a ser felizes. Vale ressaltar que até 1986, homossexualidade era considerada patologia nos registros médicos. Dessa maneira, no ano de 1958, ser homossexual consistia em ser portador de um desvio de saúde. Dado o fato, cabia à boa esposa acompanhar o marido em seu processo de recuperação, mesmo ele percebendo que se tratava de um tratamento inútil. De tal maneira fonte de vergonha, era necessário manter tudo em segredo. Envolve-se amigavelmente com o jardineiro, tornando-se sua amiga, sobretudo. Nele encontra a fuga necessária para os seus problemas e, uma vez com ele, não se lembra de todos os problemas que encontra em casa. Pouco a pouco, percebe uma inversão de valores: as aparências enganam e a verdade se esconde. Não somente a homossexualidade e o preconceito estão expostos no filme, mas ele também aborda a fraqueza da sociedade. A pessoa ideal é aquela que presta caridade, ajuda as pessoas, convive bem com os outros - desde que esses "outros" sejam brancos. Temos ainda inserido no contexto do filme a grave hipocrisia das pessoas, que cada vez mais ampliam a diferença que se faz entre negros e brancos - desconsiderando, obviamente, que são todos iguais.

O destaque especial vai para a atuação de Julianne Moore, que em 2002 estava num dos melhores anos de sua carreira. Grande destaque para ela no filme As Horas e Longe do Paraíso. Tanto é que recebeu dupla indicação ao Oscar, por este como lead actress e por aquele como supporting actress. Eu confesso que sua interpretação realmente não me tocou como sua ótima personificação de Laura Brown, de As Horas, mas vê-la tão simpática e meiga em meio a um tumulto de sentimentos realmente valeu o tempo que dediquei a ver o filme. Sua performance é simples, bastante correta. Eu realmente não vi grandes cenas que favorecessem uma atuação mais densa, mas, ainda assim, Julianne Moore fez um trabalho notável. Já Dennis Quaid e Dennis Haysbert tornam-se pequenas figuras na trama - o segundo tem maior destaque, principalmente nas cenas em que o foco é Cathleen. Pode parecer estranho, mas é isso: nas cenas com ela, ele se destaca. Devo acrescentar também que o título é de extrema importância e é supercontextualizado: sua vida era perfeita até que ela descobriu não ser feliz e, como se não bastasse, virar alvo dos comentários das pessoas e chegar ao ponto de ver sua melhor amiga se afastar. Assim, ela estava realmente longe do paraíso em que pensava viver. Acredito que devido a direção simplória, o filme não atingiu o seu ápice. O tema debatido é tratado com muita suavidade, como se não houvesse consequências. Minha interpretação tornou-se mais potente do que aquilo que o filme mostra e, ao terminar de vê-lo, contentei-me mais com o que discorri do que com vi.

Acho que Longe do Paraíso seja um filme mediano. Ele tinha forças e elementos que o tornariam grandioso, mas se limitou as divagações emocionais da personagem principal e não abordou bem os vários outros elementos, que estão presentes, porém em intensidade menor do que poderia estar. Ainda assim, ele permite uma boa discussão e é por isso que eu o recomendo. Também vale a pena por ver Julianne Moore tão bela, tão simpática... Curioso que as duas indicações que a atriz recebeu foi por interpretar personagens com problemas familiares, que vivem mais ou menos na mesma época...

2 opiniões:

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Olá!

Sou o Luiz do Cinebulição.

Fico feliz que tenha gostado do blog e adicionado aos favoritos. Fiz o mesmo no meu blog com "Literatura e Cinema". E também já os estou seguindo.

Abraço. E vida longa à parceria...

Renan disse...

Gosto bastante de Julianne Moore. não sei, algo nela me dá a impressão que, mesmo interpretando personagens problemáticas, ela é sempre simpática.

Particularmente, acho que filmes desse tipo deveriam abordar apenas um tema polêmico para se focarem mais nesse tema e extrais o máximo possível dele. Quando há mais de um foco pra se tratar, acho que, com a direção errada, o filme pode desandar.

Mesmo assim fiquei curioso.