7 de jun. de 2012

Kramer vs. Kramer


Idem. EUA, 1979, 105 minutos, drama. Diretor: Robert Benton.
Uma obra bastante sensível que é eficiente ao mostrar uma família disfuncional e as conseqüências dela. Grande destaque: Meryl Streep.

Famílias disfuncionais existem e sabemos que elas se manifestam sob várias formas. Conhecemos a pressão imposta pelo pai em “O Despertar da Adolescência” (2003), conhecemos o afastamento da mãe em “Gente como a Gente” (1980), a disfuncionalidade da família como um todo em “Preciosa – Uma História de Esperança” (2009). Nessa obra de Robert Benton, porém, conhecemos uma família que pode ser considerada, num olhar mais superficial e convencional, uma família perfeita: o pai trabalha, a mãe se dedica ao lar e à criança e todos levam uma vida conforme as expectativas do senso comum. O problema reside justamente nas dimensões do cotidiano, já que a dedicação do pai, Ted Kramer, ao trabalho o impede de ficar mais em casa, e cuidar da casa e do filho faz com que a mãe, Joana Kramer, se sinta sufocada.

A história tem seu ponto de arranque logo no começo, quando Joana, descontente com a situação, decide abandonar Ted, deixando-o com o filho de quem ele gosta muito, mas com quem evidentemente não sabe lidar, já que nunca esteve próximo o suficiente. A situação proposta parece já bastante discutida, mas vale relembrar que se trata de uma obra da década de 1970 que mostra claramente a dissolução da família perfeita vivendo o american way of life e propõe uma forma mais crítica de analisar, não apenas a tradição dos moldes familiares, mas também uma experiência nova nessa área, uma vez que vemos o pai cuidando do filho e assumindo a dupla função de pai e mãe.


Definitivamente se trata de um filme bastante realista, mas que, nem por isso, deixa de tanger e trespassar o lado emocional, uma vez que a discussão dos dramas humanos – a separação, a expectativa da volta, a adaptação – resulta também numa série de debates acerca das possibilidades do indivíduo – até onde somos capazes de ir em prol daquilo que julgamos querer? E, mais além, até que ponto somos mesmo capazes de corresponder as nossas atitudes com as nossas vontades? Joana, personagem de Meryl Streep e principalmente desencadeador da tensão dramática da trama, com certeza faz com que o espectador se pergunte isso e questione tanto a personagem quanto si próprio. Joana Kramer transita entre a mulher encarcerada que já não agüenta mais e a mãe que sente a necessidade de estar com o filho, produto seu que lhe demandou dedicação e carinho – mesmo que ela, como vemos, não consiga se ater a essa vida no começo e, depois, embora queira, não consiga se enxergar nela novamente, é inegável que a personagem é aquela cuja mobilidade é a maior na trama, já que ela percorre caminhos extremos.

Não é à toa que tanto Dustin Hoffman quanto Meryl Streep receberam indicações e, merecidamente, ganham o prêmio de Melhor Ator e Melhor Atriz Coadjuvante, respectivamente. Suas interpretações são bastante convincentes e ambos conseguem com excelente habilidade transportar-se para os personagens e vivê-los intensamente. Se Streep personifica a dificuldade de unir vontade e capacidade de fazer acontecer, Hoffman personifica o pai que sai de uma realidade e se depara com outra jamais imaginada: o homem de negócios, comprometido com seu trabalho, subitamente se vê ante um filho de sete anos cujas noções advêm das ações da mãe – quando Ted prepara ovos, a primeira reação do garoto é dizer que aquele não é o jeito que a mãe costumava fazer. Se ser abandonado pela esposa não fosse mal grande o bastante, Ted agora tem que aprender a entender o filho e fazer-se ser entendido também, o que é notadamente complicado, principalmente pelo apego da criança à mãe.


Não se trata, a meu ver, de uma obra grandiosa e de majestade notável. É um bom filme que intercala momentos dramáticos com momentos cômicos, procurando sempre manter vívida a relação de Ted com Billy, sem jamais deixar os outros personagens esmaecerem. A figura de Joana, por exemplo, é presente ao longo de toda a obra e, quando visível em cena, Meryl Streep faz questão de marcá-la com precisão. O mesmo se pode dizer de Jane Alexander, cuja personagem surge tímida e desengonçada e, pouco a pouco, adquire proporções maiores à medida que nosso carisma por ela aumenta. E isso também se deve ao trabalho da atriz, que se esforça para não sumir na timidez da personagem nem sobressaí-la de modo antinatural.

Nesse filme de Robert Benton, penso que não se pode ignorar a cadência, que acontece em todos os sentidos – tanto a relação pai-filho aumenta quanto o drama em função da potencial perda da criança para a mãe. Grande parte da emoção se deve ao pequeno Justin Henry, de oito anos, que se tornou, tamanha a sua espontaneidade em cena, a pessoa mais jovem a ser nominada a um Oscar competitivo. O garoto realmente dá conta do recado e surpreende, seja na interação com Dustin Hoffman, seja na interação com Meryl Streep (esta, aliás, praticamente nunca é vista com o garoto, acentuando ainda mais a sensação que temos de que algo na batalha legal entre os pais do garoto está errado).

Enfim, é um filme que vale a pena ser conferido, mas que não é, a meu ver, tudo isso que outros cinéfilos dizem. Uma obra concisa, coerente, eficiente de um modo geral e essa série de qualidades se deve ao conjunto, à equipe do filme, cujo maior destaque para mim é Streep, arrebatadora, principalmente na cena do tribunal (aliás, a atriz enfrentaria outras cenas de tribunal na sua carreira, como é o caso de “Um Grito no Escuro”, de 1988, considerado como um dos melhores filmes de tribunal pelo American Film Institute).

6 opiniões:

Alan Raspante disse...

Ainda não vi este, mas tenho muita curiosidade, claro. A estória parece ser bacana e ainda tem um ótimo elenco. Tá na lista!

Unknown disse...

Concordo com quase tudo que vc escreveu, mas discordo acerca de não ser um grande filme. É sim! hehe
Dustin Hoffman, um dos melhores atores do cinema. Meryl Streep idem.
Abraços.

Hugo disse...

É um bom filme, porém feito sob medida para emocionar o público e a Academia.

O sucesso do longa abriu caminho para vários outros filmes com temática semelhante, como "O Campeão" e "Laços de Ternura" por exemplo.

Abraço

Kamila disse...

O que eu mais gosto, em "Kramer vs Kramer", é que ele mostra um ponto de vista bem diferente, porque, normalmente, a gente vê pais que abandonam seus filhos. Não é natural vermos mães abandonando suas famílias. E um dos elementos que eu mais aprecio é que, em nenhum momento, o roteiro julga a personagem da Meryl. Pelo contrário, deve ter sido até uma visão inovadora pra época, mostrar um pai solteiro trabalhador, que dá conta de criar seu filho pequeno sozinho, com enorme competência e amor. Isso que acaba sendo mais legal nesse lindo filme.

Bússola do Terror disse...

Já faz talvez uns 20 anos que vi esse filme pela última vez. Mas ainda me lembro de algumas partes.
Bom, acho que a temática chamou atenção na época por ser mesmo um filme dos anos 70, quando pai cuidando de criança ainda não era uma coisa tããããão comum de se ver, né?
É claro que não deixa de ser um tema ainda atual. Hoje, em 2012, ainda é mais comum que a mãe se dedique ao filho mais do que o pai. Mas ver um pai passando pelas mesmas situações que o Ted Kramer passou já não é nada que impressione mais ninguém nos dias de hoje.

Júlio Pereira disse...

Um dos meus pecados cinéfilos é nunca ter assistido Kramer .vs. Kramer. Todos falam super bem do filme, preciso tirar o atraso e ir ver logo. Aliás, ótima iniciativa de escrever sobre os filmes de Meryl Streep, essa monstra do cinema!