16 de mar. de 2010

Casa Vazia

Bin-Jip. Coréia do Sul, 2004, 95 minutos. Romance / Drama.
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Por recomendação de um professor de Geografia do cursinho, assisti a esse filme. Segundo ele, talvez eu estranharia, pois, diferentemente dos filmes usuais, havia pouquíssimas falas nesse. Constatei que, embora tivesse razão, eu havia imaginado um filme praticamente mudo, o que não é o caso. Casa Vazia é, sobretudo, um filme visual, que prima pela simbologia do que vemos, tornando-se muito denso em alguns momentos e trazendo questionamentos ao final de sua exibição.

Um rapaz sinaliza várias casas e, naquelas que descobre estar vazias, arromba-as, residindo lá por um brevê período de tempo. Enquanto está na casa, faz pequenos reparos, consertando objetos quebrados, limpando a casa, lavando a roupa. Um dia, invade uma casa e acaba descobrindo uma mulher lá; dada as condições de vida dela - repetidamente agredida pelo marido -, ela decide acompanhá-lo na vida imprevisível que ele leva.

Tal como a maioria dos filmes orientais (ou que são dirigidos por orientais), a primeira e maior característica desse filme é a fotografia. Conheço poucas palavras que qualificam bem o enquadramento e as cores utilizados por Ki-duk Kim. A maneira como conduz certos takes nos faz apreciar ainda mais o filme. Como já comecei falando sobre a fotografia, gostaria de expor o quanto achei bela uma das últimas cenas, aquela que vem logo depois que a atriz principal diz a primeira frase: não acredito ser ousadia dizer que é uma das mais belas cenas do cinema. A cena consegue representar tudo aquilo que o filme tem nos mostrado; em apenas três segundos, compreendemos quase todos os sentimentos que envolvem os personagens.

O roteiro se soma à fotografia linda, pois, embora pareça bastante simples, é bastante complexo. Todo elemento em cena tem uma função, fazendo com que qualquer imagem não seja apenas uma imagem: temos que lê-las entre as linhas, decifrá-las, depreender significados que parecem obscuros a alguns e claros a outros. O título do filme não se refere unicamente ao fato de o rapaz entrar em casas vazias. A intenção do filme não é nos mostrar a ausência física. Acredito que isso fique mais claro em algumas cenas, como naquelas que finalizam a obra. Em sua casa, Sun-hwa encontra-se completamente isolada e, dentro de sua mansão, se sente oca e sozinha, mesmo na presença do marido. Quando o rapaz que ama está por perto, adepto à invisibilidade (está aí a alusão ao vazio), ela se preenche novamente. Há, então, o paradoxo entre o cheio e vivo e o vazio e morto; o "vazio" representa o amor, pois não se precisa vê-lo para saber que ele está ali, em todo o ambiente. O "cheio", representado pelo que há de excessivo, como a presença do marido, torna-se angustiante. O final me deixou em dúvida, não pude saber exatamente que linha de pensamento seguir. Penso que há outra metáfora a ser somada àquela que já citei: o título refere-se ao final do filme, no qual podemos depreender que não há nada senão ilusões (que são vazias). Isso me ficou na cabeça até agora, principalmente por causa da cena em que o casal principal está sobre uma balança, que marca 0kg. Tive a nítida sensação de que eles não estavam ali, que talvez fosse tudo invenção da mente de alguém, que ambos estivessem mortos, ou, ainda, que nada daquilo tivesse acontecido. Outro símbolo que vi foi o fato do rapaz trazer estabilidade para as casas. Parece que eles traz harmonia quando está presente e faz com que tudo fique bem; afastado delas, nada resta senão desesperança e dor. Podemos depreender esse pensamento em dois momentos: 1) quando ele conserta uma arma de brinquedo e que posteriormente (quando ele foi embora) uma criança a usa para dar um tiro na mãe e 2) vemos a luta de Sun-hwa para permanecer na casa (longe dele) e quando ele chega, tudo parece se encher de paz.

O roteiro aborda de maneira excelente os elementos figurados e nos põe a pensar do começo ao fim. Em nenhum momento eu acreditei que o que eu via era a única informaçãor ealmente mostrada. O desenrolar da trama, porém, parece perder um pouco o foco no meio. A princípio, perceber um inquestionável tom de romance, o que me agradou bastante. Nada de romances exagerados e carnais; era sobretudo uma união espiritual, de duas almas cansadas da solidão. Mais ou menos no meio, temos um argumento interessante para desestruturar tudo o que estávamos vendo, mas a partir daí, algo ficou um pouco errado. O romance foi deixado de lado para nos mostrar as tranformações físicas e principalmente psicológicas do personagem central; de um "salvador", ele se torna "vingador" e dessa parte do argumento eu discordei, o que fez o filme receber pontos a menos na minha avaliação. Logo após a transformação - que é bastante subjetiva -, o tom de romance retoma e o filme se encaminha para aquela que eu disse se tratar de um dos momentos mais bonitos do cinema. Sobre o significado da "transformação", gostaria de que me dissessem o que acham que ela representa e, de maneira objetiva, qual a sua função no filme.

Os atores nada deixam a desejar e as suas atuações caladas tornam-se quase gritantes, tamanha a eficiência de ver apenas suas expressões sem ouvir suas vozes. Toda e qualquer entonação se dá pelo que nos mostram, não pelo que nos dizem - o filme, no entanto, conversa o tempo todo com o espectador. A atriz principal me lembrou bastante a Sun, de Lost; a princípio, até pensei que fosse a mesma atriz. Casa Vazia é um filme simbólico, muito sensível e extremamente recomendável. Peço que antentem para os detalhes, para a beleza de cada tomada, para o enquadramento de cada cena. Vão acabar se deparando com uma das mais bonitas obras cinematográficas, bem diferente dos costumeiros filmes ocidentais que conhecemos. Se vale a pena? Totalmente!

Luís

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2 opiniões:

Everaldo Ygor disse...

Olá...
Sim, vale muito a pena...
A obra de Ki Duk Kim é recheada de simbolos, como a obra Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera, podemos crescer/sentir as estações ou não, todo um mundo passa diante nossos olhos se a sensibilidade não está ativa...
Enfim, um ótimo post nesse deserto da rede toda... Para o vazio dos dias...
Abraços
Everaldo Ygor

Everaldo Ygor disse...

Olá...
Um ótimo post no deserto mental de toda a rede...
Tal como:
Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera, O vazio é rechado de simbolos, para o vazio dos dias todos, poético como deve Ser...
A obra de Ki Duk Kim é complexa, pode perceber o caminhar de uma multidão solitaria em suas peliculas...
Abraços