2 de dez. de 2009

Rio Congelado


Frozen River. EUA, 2008, 91 minutos. Drama.
Indicado a dois Academy Awards nas categorias Melhor Atriz (Melissa Leo) e Melhor Roteiro Original.
___________________________________

Rio Congelado, para mim, foi umas das maiores surpresas desse ano, pois quando eu o Luis decidimos assistir a todos os filmes de algumas categorias do Oscar 2009, espera desse filme uma obra chata (só que não sei o porquê desse preconceito) e quando terminei de vê-lo fiquei maravilhado.


Tenho que confessar, antes de tudo, minha indignação com o fato de Misty Upham não ter concorrido ao premio de Melhor Atriz Coadjuvante no lugar de Viola Davis. A pureza e o orgulho de sua personagem são tão cativantes que não há como não gostarmos dela. Lila, sua personagem é uma mulher, com traços dos índios nativos, que ajuda imigrantes atravessarem do Canadá para os EUA durante o inverno, período que o rio que limita os dois países fica congelado (daí o título). A história toda de Lila é interessante, desde o fato de não ver seu filho regularmente até o motivo pelo qual ela parou fazer o comércio ilegal. Continuando na atuação, temos Melissa Leo e provavelmente todos os elogios que eu direcional a ela serão poucos pra explicar o quão bom ela foi. Sua personagem é uma mãe de família que sofre com o desaparecimento do marido, e ainda tem que sustentar os dois filhos com um trabalho no qual ela não é recompensada pelo esforço e ainda teme as contas que tem um prazo para serem pagas. É desse emaranhado de sentimentos e razões que surge Ray, uma mulher que encontra em meios ilícitos, uma maneira de sustentar sua família.

Bom, o roteiro do filme é maravilhoso e em minha opinião, deveria ter ganhado o premio de Melhor Roteiro Original, premio esse que foi ganho pelo bom (mas nem tanto) Milk – A Voz da Igualdade. O mais incrível de tudo, é que o filme parece ter um final feliz, mesmo não tendo. Eu fiquei extremamente feliz do jeito que tudo terminou, talvez pelo fato que, ruim ou não, ela tenha conseguido comprar a sonhada casa, ou pelo fato de Lila conseguir ficar com o filho e assim por diante. Além disso, há paisagens lindas, principalmente quando é mostrado a vastidão do rio que congela no inverno. Simplesmente lindo.

Por fim, Rio Congelado é um filme, por vezes simples, com atuações brilhantes e com um roteiro magnífico, ou seja, tudo que um filme precisa.

Renan
____________________________

Vários filmes são lançados anualmente cuja temática inclui uma família parcial ou totalmente destruturada na qual mulheres lideram a organização familiar. Os homens, no cinema, têm os mais diversos papéis: são bons pais de família, são trabalhadores, guerreiros, criminosos, astros das telonas; eles podem ser tudo! Quanto às mulheres, a essas cabem, pelo menos nos dramas, os personagens de donas-de-casa que, com assiduidade, realizam o seu trabalho doméstico, educam seus filhos, vão às compras e, embora tenham seu próprio lugar na sociedade, ficam à sombra do marido. Ao longo dos anos, porém, esse estereótipo foi sendo modificado e a presença feminina nas telas adquiriu um novo significado: vemos mulheres heroicas e valentes, desprovidas de moralidade, que agem apenas pelo instinto mais primitivo. Isso significa que deixamos de ver a dondoca para ver a mulher batalhadora, que se põe à frente daquilo que ama - sejam os filhos, sejam os seus direitos - e luta até a exaustão completa. Vimos as reações impulsivas com as quais convive Aileen Wuornos (Charlize Theron), em Monster; conferimos, em Erin Brokovich (Julia Roberts), a coragem de uma mulher que defende uma causa mesmo que isso signifique o fim do relacionamento; em Pecados Íntimos, Sarah Pierce (Kate Winslet) se encontra prestes a destituir o matrimônio para fugir; no recente A Troca, Christine Collins (Angelina Jolie) promove o tumulto de todas as maneira que consegue para reaver o filho desaparecido.

Eis que no ano passado estreou nos Estados Unidos um filme que poderia passar desapercebido, tamanha a sua humildade; no entanto, Rio Congelado mostrou-se extremamente compentente na sua abordagem a respeito de vários temas, inclusive a personificação da mulher, assunto sobre o qual divaguei um pouco nesses dois parágrafos iniciais. A grande surpresa para mim foi o universo feminino que nos é mostrado. Se em As Horas, filme cujo elenco é predominantemente feminino, conhecemos o mundo teórico da feminilidade, aqui conhecemos como funciona na prática. Dentre os filmes que citei acima, apenas um foi dirigido por uma mulher. E é justamente por esse filme que vemos dois aspectos muito contrastantes: a personagem é extremamente humana, embora, simultaneamente, seja uma assassina a sangue-frio; a princípio conhecemos o que a levou a ser assim, mas não podemos negar que, inquestionvalmente, ela passou a gostar de ser assim. Perceberam o ponto ao qual quero chegar? Quero que percebam a complexidade a que me refiro; as características opostas estão que presentes num mesmo lugar: na mulher.

Vamos ao filme: Ray Eddie é uma mulher que foi abandonada pelo marido, que pegou as últimas economias da família, gastou-as no jogo e depois fugiu. Ao procurar por ele, encontra Lila Littlewolf, uma mulher indígena que vive numa reserva e que, para sobreviver, traz imigrantes ilegais do Canadá para os Estados Unidos fazendo a passagem através do rio que, no inverno, congela totalmente, permitindo que os doís países se unam. Embora não confiem uma na outra, Lila e Ray tornam-se parceiras, agindo juntas ao transportar as pessoas através do rio congelado. Primeiramente, não pensem que o tema do filme é a ilegalidade das ações das duas personagens; pelo contrário, o tema não é único e tão específico assim. Ele é extremamente abrangente e engloba inúmeros aspectos da vida de uma pessoal, desde suas ideologias até seu comportamento em relação às adversidades que a vida proporciona e o comportamento familiar.

Acredito que um dos fatores que mais auxiliaram o filme, que classifico como sendo uma grande obra, é a direção de uma mulher. Courtney Hunt, responsável também pelo excelente roteiro, estreiou no cinema de maneira satisfatoriamente boa: provou que somente uma mulher pode compreender outra e, assim, mostrou uma das personagens mais complexas do mundo cinematográfico, que é Ray Eddie! Melissa Leo, que normalmente é coadjuvante nos filmes - muitos a conhecem pelo mínimo papel como esposa de Benício del Toro em 21 Gramas -, prova que lidera muito bem um elenco e sua atuação é belíssima. A beleza, aliás, não está presente em sua personagem; com isso, não questiono se a atriz é ou não bonita, mas afirmo que, no filme, as características de sua personagem não primam a beleza, mas sim a resistência. Melissa transforma-se completamente ao atuar e é difícil não nos sentirmos emocionados ao final da produção. Não há irregularidade na sua interpretação e em todos os momentos a atriz demonstra plena maturidade no desenvolvimento de Ray, o que me fez pensar que há anos Melissa vinha trabalhando na construção dele. Em nenhum momento a atriz permite que nos olhos se desviem dela, porque seu trabalho é realmente irrepreensível! Misty Upham, intérprete de Lila, também não deixa a desejar e seu trabalho, somado ao de Melissa Leo, faz com que tenhamos certeza de que esse é um dos melhores dramas lançados no ano. Upham mostra com muita sutileza os problemas pelos quais passa e, embora se mostre muito reservada, nós conseguimos enxergar a dor que a envolve; isso fica ainda mais claro quando nos perguntamos o porquê de tanta obstinação em conseguir dinheiro.

Quando disse que o roteiro é excelente, tinha realmente a intenção de enfatizá-lo. Ele aborda a ilegalidade das ações das personagens, fala sobre dramas familiares, expõe um pouco da cultura Mohawk. Ainda insisto que, sobretudo, é um filme sobre mulheres. Não sei se todo mundo conseguiu enxergar o conteúdo dessa passagem do filme: Ray impede o filho de trabalhar, pois acredita piamente que T.J. terá mais futuro se prosseguir estudando; ainda que estejam numa situação econômica delicada, ela dá mais valor aos estudos do filho e à educação dele. Para que consiga isso, é capaz de passar por cima do próprio orgulho e pedir para trabalhar mais - desde quando uma pessoa normal pede pra trabalhar mais? - a fim de poder sustentar com dignidade sua família, mantendo certo conforto. Lila, por sua vez, submete-se a uma situação completamente desgastante e perigosa, que coloca sempre à prova sua capacidade de driblar as adversidades, para poder ter sua participação na educação do filho, que está distante dela, embora não seja esse o seu desejo. O roteiro ainda mostra a fragilidade da vistoria realizada na área do rio que, como Lila diz num determinado momento, torna-se ausente de fronteiras. Certamente o filme causará grandes problemas para os coiotes que usam essa região como área de trabalho, pois não acredito que as coisas vão permanecer assim na vida real - estou pressupondo que elas realmente aconteçam.

A inclusão dos jovens atores, que representam os filhos de Ray, traz um aspecto mais leve pro filme, que, por si só, já é leve, embora seu tema seja realmente muito trabalhoso e nos proporcione bons momentos de reflexão. Particularmente, eu gostei bastante de umas das cenas, na qual vemos de cima o rio completamente congelado. Achei tudo tão bonito, tão grande, que rapidamente assimilei a imagem à toda estrutura que o filme tem: tal como aquela vista grandiosa, são as personalidades de Ray e Lila. Outro fator positivo do filme é a não-inclusão de um romance. Quero dizer, eu tive a impressão, num momento, que o policial concedia demais em função de um sentimento oculto que nutria por Ray; talvez ela até corresponda de certa maneira, mas o foco principal é num amor diferente, não no carnal e por isso se ocorresse uma relação como a que pressupus, acredito que muito desandaria.

Vou parar por aqui, senão me estenderei de tal maneira que não haverá espaço para que o Renan escreva o que achou. Mas quero que saibam que Rio Congelado conta com um roteiro inteligente, ótimas atuações, uma fotografia bonita, foi dirigido de maneira muito eficiente e me entristece saber que tenha perdido o Oscar de Melhor Roteiro Original para o apático Milk - A Voz da Igualdade. Acredito que a última coisa que faltou nessa resenha é uma perspectiva feminina, para que tudo seja descrito com uma perfeição ainda maior. Mas terão que se contentar com a minha visão mesmo...


Luís

10 opiniões:

Paulo Alt disse...

Renan, acho que não ia esperar de primeiro impacto algo chato, a capa me parece pelo menos um tanto poética e bonita. Nunca o assisti e não estou lembrado da atriz. Lendo um pouco do que você disse... hum... sim, talvez pensaria em deixar pra ver depois. No meio de seu texto me lembrei de Na Natureza Selvagem, meio que pela visão desse rio congelado e a dificuldade que essa forma "ilícita" encontrada de sobreviver "causou" na vida dela. De verdade, me deu vontade de ver caso o filme já estivesse no gatilho aquilo. "Simplesmente lindo", hum, rsrs.

Luis, assassina a sangue frio? Percebi o ponto em que você quis chegar, hehe. Lembrei da atriz. Eu sou um exemplo que apenas se lembrou por você ter dito que era ela. Gostei do seu ponto ilustrativo de vista. Só não concordei com Milk sendo apático, mas tudo bem rs.

Pena que não tenho muito a dizer pois ainda não pude ver. Mas só percebendo que o roteiro não se prende exclusivamente a uma perspectiva política, já ganhou pontos positivos.

Abraço ae. Flw.

Grazii disse...

Realmente eu não sou muito fã de filmes, me intendia ficar na frente de uma telona ou da tv vendo uma história, tanto q na minha vida foram poucos filmes q vi.
Só q fiquei curiosa para ver esse filme q vc citou no post, parecer ser interessante, um filme que se passa no gelo e o frio.
Me interessei, obrigada pela dica.

Bruno disse...

Maldita Inclusão Digital, ou seria Férias Escolares?

Eis a questão.

Tobias Cavichioli disse...

É bruno concordo contigo... eis a dúvida que não quer calar.. inclusão digital ou férias escolares? ...

bom quanto ao filme é realmente muito bom, gosto bastante do roteiro ...mas não acho que Milk seja apático...pelo contrário ...acho que ganhou porque mereceu. Mesmo eu achando que Oscar não conta para nada =P

Cristiano Contreiras disse...

Acreditem, eu sequer tinha lido ou ouvido falar a respeito deste filme.

A bela critica, tanto de Luis quanto de Renan, provocou minha curiosidade.

Vou conferir!

Bom post!

Anônimo disse...

Querido amigo avassalador...
As vezes, lembro quando era criança e minha mãe pedia que eu comesse todas as verduras primeiro e só depois as carninhas... Alguens filmes me remetem a este sentimento... primeiro as verduras!parece que vc passou pela mesma sensação... O problema é ter disciplina e mente aberta para encarar o filme até o fim...
Gostei do blog! Proposta geral está otima.

Sucesso pra ti!

Dewonny disse...

Realmente é uma boa surpresa esse filme, gostei do roteiro, bem interessante, o diretor conseguiu tranmitir o queria sobre o assunto abordado...
Melissa Leo entrega um ótimo desempenho, ñ conhecia essa atriz.. merecida a indicação no oscar.
Ah Luis, fim de ano é fogo brother, ando sem tempo pra net, de fazer as críticas, mexer no blog/orkut..tá complicado, mas estarei sempre passando aqui na medida do possível, adorei o novo espaço de vcs, meus parabéns!
Abs! Diego!

Jean disse...

Muito bom!!! A crítica de vocês me despertou a vontade de assistí-lo. Nem sequer ouvi falar de "Rio Congelado", estou bem desinformado... hehehe.

A primeira vez que vi Melissa Leo foi no filme "O Amigo Oculto", foi uma participação bem breve e não deu pra explorar melhor seu talento. Irei conferir este filme o mais rápido que eu puder. Realmente fiquei interessado!

Um forte abraço!!

Luís disse...

PAULO: Realmente o roteiro não julga e isso é muito bom para um filme onde a justiça não seria capaz de interpretar a complexidade da vida da família em questão. Assista sim, garanto que não se arrependerá.

GRAZII: Nem sei o que falo desse comentário.

BRUNO: Acho que é a junção dos dois.

TOBIAS: Concordo que o filme é bom, mas entre Rio Congelado e Milk, fico com Rio Congelado.

CRISTIANO: Assista sim e depois dê a sua opinião.

AVASSALADORAS: Ri demais com a verdura e a carninha.

DEWONNY: Com certeza merecia a indicação e também a premiação em ambas as categorias. O filme é realmente ótimo.

JEAN: Rio Congelado não um daqueles filmes famosos, mas assista sim, você irá gostar.

Renan

Moreira disse...

Pela sua descrição parece ser um bom filme.Curto filmes assim.
O filme que eu mais gostei que tinha índios foi "Dança com lobos"
Qunado puder da uma passadinha