29 de ago. de 2010

A Paixão Segundo G.H.

Brasil, 1964, 168 páginas (Editora Rocco).
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“Essa imagem de mim entre aspas me satisfazia, e não apenas superficialmente. Eu era a imagem do que eu não era, e essa imagem do não-ser me cumulava toda: um dos modos mais fortes de ser é negativamente”. ¹ 

Clarice Lispector é um grande nome da nossa cultura literária e eu realmente nunca me dediquei o suficiente às obras dela. Li um livro de contos e também o livro A Hora da Estrela, sem jamais ter lido qualquer outro texto dessa escritora. Lispector se diferenciou quanto à sua literatura pelo caráter aproximativo e introspectivo de suas personagens, tornando-as próximas do leitor, que, segundo um colega meu, “facilmente se identifica com o narrador ou com o personagem central”.

Esse romance da autora tem um forte tom de crônica, principalmente no que diz respeito ao modo como a história foi concebida. Eu poderia começar a resenha apresentando a sinopse clássica do livro, que é aquela na qual a pessoa que leu o define sua história como sendo a de uma mulher que, diante de uma tarefa simples do cotidiano – limpar um quarto –, se entrega a uma série de questionamentos sobre a vida e sobre os eventos circunstantes a ela. Poderia também dizer aquilo que eu acho que resume melhor o livro; sinceramente, prefiro fazê-lo: A Paixão Segundo G. H. é um livro sem qualquer enredo, sem história, sem personagem, sem barata.

Honestamente, acho que o grande problema do livro se encontra fora dele: o problema se encontra nas pessoas. O mesmo que acontece a esse romance acontece, por exemplo, ao filme Casablanca. Explico: em algum momento, tornou-se culto ter visto e ter gostado de Casablanca; desse modo, quem não o viu diz que o viu e quem o viu e não gostou diz que gostou. Algo semelhante envolve essa obra de Clarice. Não sei por que, mas se tornou proibido dizer “não gosto das obras dela” – lê-la assumiu um caráter tão culto (e por que não dizer opressivo?) que impossibilitou as pessoas de expressar suas opiniões verdadeiras em relação ao que pensam sobre aquilo que lêem. O livro é tão absurdamente complicado que duvido que um terço de quem o leu conseguiu compreendê-lo em sua quase totalidade – como, então, todos podem adorá-lo? Minha resposta a essa pergunta é simples: não o compreenderam, não o adoram. Apenas foram condicionados a dizer que é um livro excelente. Não quero, com isso, desmerecer a opinião de quem o leu, o compreendeu e realmente gosta do livro – minha opinião de que essa seja uma obra ruim não é uma verdade universal. Creio que haja quem goste de A Paixão Segundo G. H.

G. H. é uma mulher confusa, uma mente muito turbulenta. Ela é tão cheia de pensamentos que, ao colocá-los para fora, a narrativa se torna interrupta, meio brusca, cheia de frases soltas. Compreendi perfeitamente quando um colega me disse que o livro é assim porque G. H. narra seus pensamentos e que as mudanças dinâmicas e as constantes retomadas de assuntos já passados representem o modo como a nossa mente funcione. Não acho, no entanto, que isso tenha resultado desse pensamento. Penso que Clarice Lispector simplesmente se limitou a escrever inconclusivamente, divagando e se repetindo, apresentando informações desnecessárias e incômodas, já que não remetem a qualquer aspecto psicológico interessante de ser avaliado. Para mim, o perfil psicológico de G. H. é tão profundo quanto um pires e sua amplitude emocional é semelhante à de uma colher de chá – suas reflexões ilógicas sobre a sua realidade são extremamente cansativas, seus pensamentos são bem estranhos.

Não posso, porém, criticar o livro como se não houvesse parte da qual eu tenha gostado. Pouco antes de encontrar a barata, creio que haja o único momento em que a personagem é coerente e objetiva naquilo que pretender passar ao leitor. Quando, ao chegar ao quarto da empregada, descobre que a empregada já o havia limpado, G. H. passa por um momento de desapropriação: a casa, sente-a como se não fosse sua, pois a sua vontade, a vontade repentina de limpá-la, não fora respeitada. “Uma cólera inexplicável, mas que me vinha toda natural, me tomara: sentia uma imensa vontade de matar alguma coisa ali” ². Decerto, é o único bom momento do livro, pois é quando o leitor consegue se aproximar mesmo da personagem. Quando Clarice descreve a relação quase ausente estabelecida entre a personagem central e a sua empregada, eu pude finalmente gostar um pouquinho do romance. Um pouquinho, só um pouquinho.

Clarice pôs a minha capacidade de leitura à prova: demorei três semanas para ler um livro de menos de duas centenas de páginas. O que realmente me deixou surpreso foi o fato de o livro ter 168 páginas de absolutamente nada. Nada! Desde ver a barata até esmagá-la e comê-la a autora demora muito, muito tempo para desenvolver a história. Que história, aliás? Como devem ter percebido, não gosto de livro e não o recomendo. Decerto essa resenha será alvo de críticas de leitores que adotaram o romance de Clarice como uma obra-prima – atitude da qual, como também devem ter percebido, eu discordo.

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1. Editora Rocco, 2009, 1ª Edição, página 31.
2. Editora Rocco, 2009, 1ª Edição, página 43.

5 opiniões:

Marcelo A. disse...

Concordo em gênero, número e grau! Tenho a mesma sensação que você, man! Existem certas obras que se tornaram meio que unanimidades e ai,de quem pense o contrário que a grande maioria pensa. Livros, filmes, obras de arte... É a sensação que eu sinto diante de certos quadros, onde é forçoso fazer "cara de conteúdo" para não distoar de todo mundo. Só não concordo com Casablanca. É possível alguém não gostar dele? Sei lá, é um filme tão maravilhoso, onde tudo casa tão redondinho: roteiro, atuação e todo o resto que acho difícil alguém não gostar da história. Essa mesma sensação eu tenho em relação ao Raduan Nassar: todo mundo gosta de Lavoura Arcaica, eu, no entanto, mesmo depois de tê-lo lido umas duas vezes, não consigo gostar do romance.

Mas A Paixão Segundo G.H. é mesmo um xarope. Me perdoem os claricemaníacos, mas lê-lo foi das piores experiências da minha vida. Assino embaixo: são 168 páginas de absolutamente nada! E que venham as pedradas!

Abração, Luís!

=)

Verônica disse...

Também acho que o fato de não ter enredo ou história acarreta pontos negativos à leitura -creio, aliás, que essa seja uma das piores características do livro. Por outro lado, me sinto compensada pelo estilo de Clarice, seus 'fluxos de pensamento' realmente me fascinam.

Li o livro por iniciativa própria com o único intuito de ler 'mais um título de Clarice', já que havia gostado do pouco que lera anteriormente.Ou seja, sem expectativas e, acredite ou não, sem saber muito a respeito do livro e menos ainda que era considerado umas dessas obras das quais 'é proibido não gostar'.
Confesso que quase cheguei a deisitir no começo da leitura, achei um livro bem chato, inicialmente.
Não desisitr do livro me proporcionou, entretanto, umas das melhores experiências literárias que já tive, e um título entre os do topo na minha 'lista dos livros favoritos'.
;)

ÉMERSON disse...

EU GOSTEI MUITO DO QUE FOI EXPOSTO SOBRE A OBRA.MAS EU GOSTEI MESMO FOI DE...

Jefferson Reis disse...

Um colega de classe está trabalhando o existencialismo de Sartre neste romance. Ele literalmente AMA esta obra. Quando fala dela, nem parece ser humano.

Lia disse...

Não comparando mas essa obra é tão dificultosa na leitura como Grande Sertão: veredas de Guimarães Rosa.
E apesar de achar isso e ter lido as duas, acredito que ambas tem a sua forma positiva de acrescentar algo ao leitor. Seja na lida do tentar entender a obra, seja na linguagem não muito comum ou mesmo no lance, que vc citou, de parecer que escreveu ao léu, à solta, tbm acho interessante.
Mesmo não concorcando, gostei da resenha e do teu posicionamento. Eu gosto da obra e tem aqueles que não gostam e essa discussão é sempre bem vinda.