8 de dez. de 2011

Seita Mortal

Red State. EUA, 2011, 88 minutos, drama. Diretor: Kevin Smith.
Trata-se da obra mais madura de Kevin Smith e provavelmente uma das que melhor relacionam política e religião sem se tornar pedante.

“- Eu não quero viver nesse mundo mais. Eu quero ir com Jesus.
- Bem, querida, se você morrer lutando contra um exército de idólatras protetores de sodomitas, acho que o Senhor dará a uma você mansão em seu reino.
- Você sempre sabe o que dizer para me fazer sentir melhor, pai.”
(Abin Cooper e Sara, fundamentalistas da Five Points Church)

Que eu sou fã de Kevin Smith, vocês já devem saber. Eu realmente gosto dos seus filmes, em especial Chasing Amy, que considero uma das melhores discussões sobre sexualidade apresentada nos anos 90. Fiquei surpreso ao descobrir que ele seria o responsável pela direção desse filme - que, aliás, havia sido ele também o roteirista desse longa-metragem, já que, como todos que conhecem sua carreira, percebem que a atmosfera de Red State difere notadamente das suas produções anteriores.

Travis, Jarod e Billy-Ray analisando o perfil de Sara, que, pela internet, ofereceu sexo aos três - ao mesmo tempo.

Depois de assistir a esse filme, concluí realmente que a obra é bastante distinta, principalmente por causa de tom muito sério em sua crítica, mostrando-se assim muito mais agressivo na mensagem que quer passar. A história começa já mostrando a psicologia das pessoas que serão personagens do filme: inúmeros fundamentalistas estão à porta da casa de um garoto, onde aconteceu seu funeral, já que ele foi morto misteriosamente atrás de uma boate gay. Essas pessoas protestam, em afirmações como “Homossexuais merecem o inferno”. Logo depois, sem enrolações, já somos apresentados a três personagens, Travis, Billy-Ray e Jarod, adolescentes que, à procura de sexo, acabam se deparando com Sara, filha de Abin Cooper, um religioso extremista que culpa os homossexuais pelos problemas pelos quais o mundo passa, uma vez que, segundo ele, eles são a representação de Satã na terra.

Não é preciso muito para que possamos ver posicionamentos políticos e opiniões bastante significativas, independentemente do lado de qual venham. Tanto àqueles que se opõem aos fundamentalistas quanto aos próprios religiosos é dado espaço para que eles se apresentem e, assim, o espectador possa conhecer mais sobre cada um deles. Talvez o melhor seja a direção de Kevin Smith, que realmente não se preocupou em tornar-se partidário ao longo do seu filme, já que, como disse, ele realmente faz uma crítica quase metalingüística: ele deixa que ela própria se construa ao longo do filme, de modo que o espectador realmente não se sinta influenciado. E, honestamente, não penso que haja influência - a posição desses fundamentalistas é por si só já bastante perigosa para eles mesmos. Eles representam verdadeiramente um perigo à sociedade, pois, seguindo suas crenças, restringem a vida dos outros; como Abin diz num determinado momento a respeito das palavras de Deus: “[...] Deus odeia os perversos. Odeia a quem ignora seus justos ensinamentos, abandonam sua aliança e mofam seus atos”. E, sem demora, conhecemos essas personagens e aquilo de que elas são capazes. 

 Não demora para que comecemos a ver o lado "perturbador" dos fundamentalistas que vai além de suas palavras rudes e extremistas contra os homossexuais e os que eles julgam "perversos.

Talvez os personagens fossem bem menores são fosse o panorama dado às personalidades e a atuação dos atores. Percebemos, por exemplo, na figura de Cheyenne, que, embora tendo duas crenças e críticas pessoais, ela é capaz de pensar racionalmente, assumindo que as crianças são induzidas àqueles ensinamentos e, portanto, não pensando por si próprias, não devem ser responsabilizadas pelo que virá a acontecer a partir do último terço do filme. Assim, ela representa algo mais racional do que dogmático, assim como há em todo grupo religioso. Desse modo, o roteiro não nos mostra apenas os extremistas como Abin, mas também os mais centralizados. A somar, há as atuações, que conferem intensidade e realidade aos personagens. A meu ver, Melissa Leo - ganhadora do último Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante - poderia facilmente concorrer a outro prêmio, uma vez que sua atuação aqui é estonteante. Ela consegue transmitir todas as emoções possíveis e, ainda, o oposto daquelas que ela sente; vejamos quando ela demonstra felicidade - em nós, isso causa absurdo desespero, pois algo ruim virá. Os jovens Michael Angarano e Kyle Gallner estão muito bem também em seus papéis, representando a concretude do desespero; ambos muito críveis em cena, o que me fez repensar a questão de como o jovem é posto em filmes somente para morrer (principalmente, em filmes de terror). De algum modo, Red State se aproxima de alguns filmes de terror, principalmente quando apresenta o modo desenfreado como os jovens se entregam à fuga impensada. Aqui, percebemos que o erro não se concentra neles, mas numa questão política que obriga a polícia a assumir - ou a fingir - que tudo é ameaça.
 Melissa Leo num outro momento fantástico de sua carreira: como Sara, elas nos concebe uma atuação segura e assombrosa, fazendo-nos acreditar na sua crença religiosa. Destaque para a cena na qual está presente o diálogo de abertura dessa resenha.
  
Não se pode negar que Kevin Smith conseguiu criar um filme absurdamente irônico. A maior parte das cenas nos leva a sensação de tudo ali é uma verdadeira brincadeira de mau gosto - não que isso represente algo ruim, porque não o é nesse longa-metragem. Ao vermos a situação dos três jovens e os seus destinos - evidentemente, me refiro a como as circunstâncias encerram suas participações na trama -, percebemos que há extrema ironia, causa humor negro e, pior ainda, uma situação que pode perfeitamente acontecer na vida real, o que torna tudo ainda mais assustador. Numa das cenas finais, outra ironia extrema no que diz respeito à política governamental que a polícia e os esquadrões de proteção são obrigado a seguir: investir pesadamente na chacinha, matar primeiro de modo a eliminar um perigo que poderia nem existir de fato; ou, então, não deixar testemunhas do que poderia ser posteriormente chamado de massacre.  O humor está presente na crítica, um humor difícil de digerir por causa do seu gosto amargo, uma revelação pungente do que são as abordagens desumanas às quais qualquer um está submetido.

Trata-se, para mim, de uma obra tão grande quanto Chasing Amy ou The Clerks, mas se difere quanto ao seu tom narrativo. Aqui há uma seriedade muito forte, um tom menos ameno de comédia, uma dose bem mais significativa de drama. E acredito que, devido ao amadurecimento profissional que verificamos aqui, Smith pode nos apresentar uma das melhores obras lançadas em 2011.

3 opiniões:

Unknown disse...

Luis, uau! Texto maravilhoso, meu caro. Red State é um dos filmes de destaque lançado em 2011, pena não ter passado no cinema por aqui ou quem sabe ainda passe, mas a contudencia da obra parece q acusou certa repulsa nos EUA, mas não deveria ser diferente, um país afogado em crises e q parece ver em situações em q possa usar de violencia a fuga para seus problemas. Talvez um dos melhores filme a tratarem dessas ramificões q o 11 de setembro causou na população. Mesmo quem não gosta do diretor, q alias eu adoro desde seu primeiro filme, é uma realização desde já obrigatoria. Abração!

Hugo disse...

Também considero um acerto de Kevin Smith esta mudança radical de gênero.

Ele toca em temas polêmicos e atuais com ironia e de forma extremamente crítica.

Uma ótima surpresa.

Abraço

Júlio Pereira disse...

Você foi o primeiro que vi falando bem do filme, devo admitir. Não gosto do Kevin Smith e provavelmente passo longe, mesmo sendo ateu e contra igreja, ou seja, o tema me interessa. Talvez por um acaso eu veja ele... http://www.lumi7.com.br/2011/12/o-gato-de-botas.html