12 de dez. de 2011

Assalto ao Banco Central


Brasil, 2011, 102 minutos, policial. Diretor: Marcos Paulo.

Pode ser exagero meu, mas esse é um dos filmes que mais me impressionaram técnica e artisticamente depois de “Central do Brasil” e “Cidade de Deus” – ou seja: filmaço nacional!

A produção de filmes brasileiros desistiu – ou pelo menos abriu mão – de mostrar pobreza e miséria e polícia enfadonha dominando o morro. Parece que nos últimos anos estamos vendo algo novo: enveredamos para a comédia menos formulaica (o que significa um avanço), estamos nos envolvendo com biografias de figuras importantes para a história nacional e, vez ou outra, acontece uma adaptação da literatura nacional (como é o caso das freqüentes adaptações de peças e textos rodrigueanos) ou de eventos verídicos, como é o caso desse filme, que registra os acontecimentos de 6 de agosto de 2005, quando ocorreu o maior assalto a banco da história brasileira.

É preciso que nos atenhamos a esse pequeno detalhe: embora o filme tome como mote um acontecimento real, a sua história é fictícia. Os bandidos jamais foram capturados como o filme mostra nem se teve notícias precisas dos responsáveis pelo segundo maior crime do gênero. Vale lembrar que todo o processo do roubo levou cerca de três meses, tempo necessário para que o bando se reunisse e criasse uma fábrica de grama sintética de fachada numa determinada rua para escavar, a partir dessa empresa, um túnel que os levaria exatamente ao cofre do banco, de onde roubaram cerca de 164 milhões de reais, dos quais apenas 20 milhões foram efetivamente recuperados. 

 11 pessoas, 3 meses, 78 metros de túnel, 3,5 toneladas de notas e 164 milhões em notas de R$50.

Uma vez esclarecido isso, podemos partir para a análise do roteiro, que, a meu ver, só por mesclar de modo tão magnificente ficção e realidade, sem que uma perturbe a outra, já merece um imenso elogio. Primeiro somos apresentados ao Barão – o cabeça do bando – e à Carla, sua mulher, e uma das peças fundamentais na trama. Com extrema eficiência e rapidez, somos rapidamente apresentados à formação do grupo e vemos como cada um dos ajudantes é selecionado: um por ser companheiro de longa data do chefe, outro por ser especialista em túneis, um terceiro por ser engenheiro e precisar apontar o melhor caminho pelo qual devem percorrer e assim vai. Agilmente, logo nos primeiros vinte minutos já conhecemos praticamente todo mundo e já conhecemos suas funções e personalidades. Cabe aqui a informação de que o filme foca no drama do acontecimento, não nos problemas pessoais, assim conhecemos as personalidades e passados dos personagens à superfície, sem, porém, torná-los superficiais – e essa é uma característica fundamental pra trama, uma vez que roteiro e direção auxiliam os personagens e conseguem colocar os espectadores dos seus lados em vez de em oposição a eles.

Outro ponto fundamental da história é a agilidade do plano fragmentado de ação. Se o filme fosse totalmente linear, o espectador poderia ter interesse diminuído pelo fato de saber que os ladrões conseguiriam sair livres, já que, como o fato, a polícia federal não conseguiu prender os responsáveis pelo crime. Assim, a fragmentação da obra, colocando passado, presente e futuro em planos nivelados, faz com que o espectador atente não apenas à execução do plano do roubo, mas também no trabalho da polícia. Que o roubo aconteceu, já sabemos – isso é fato; que a polícia, na ficção do filme, prendeu os bandidos, também sabemos – vemos isso logo. A pergunta que fica é: onde é que eles erraram e onde a polícia acertou? Sabemos, ao concluir o filme, que bandidos e polícia tiveram acertos e erros e, embora para alguns tenha dado errado, para outros tudo sucedeu muito bem. A opção pela mistura dos tempos, colocando-os misturados na disposição do filme cria uma agilidade maior – é um quebra-cabeça que vai sendo montado pelas bordas, o que importa está bem no meio e a informação nucléica vem cada vez mais rápido. Claro que não podemos de modo algum nos esquecermos da edição, que é realmente essencial para o ritmo do filme tampouco devemos deixar de incluir elogios à eficiência do diretor Marcos Paulo, responsável, sobretudo, por grandes títulos da teledramaturgia nacional (foram dirigidas por ele as novelas Porto dos Milagres, A Indomada e O Beijo do Vampiro).

 Telma, uma das personagens deficientes do roteiro, e Amorim: os responsáveis pela captura dos bandidos.

Se a situação dos bandidos é bem defendida pelo roteiro e pelos atores, a situação da polícia parece meio bamba. É meio difícil entender o porquê de terem colocado a personagem de Giulia Gam como uma criatura tão descontextualizada ali – não pude compreender a necessidade da quase­-proposta de discussão sobre sua sexualidade bem como não dá pra entender as diversas falas sem sentido. Até mesmo que eu não tenho experiências práticas com análise de material em investigação sei que existem erros que não se cometem, como buscar um quando se pode pegar todos. Essa pequena deficiência – associada a alguns momentos de fraqueza na atuação da atriz – fazem o filme perder um pouco do seu fôlego. Em contrapartida, vemos um Lima Duarte feroz, vívido, muito mais interessante do que em muita novela que ele já fez. Ele realmente me convenceu de que é assim que delegados se portam, é exatamente daquele jeito que eu imagino os oficiais brasileiros agindo: naquela postura, naquele tom de voz. Hermila Guedes, Milhem Cortaz, Eriberto Leão, Gero Camilo e todos os outros atores que estão do “lado negro da força” defendem seus personagens com tanta eficiência que acabam por transcendê-los – inevitável não acreditar neles, são verdadeiramente bandidos dispostos a lutar pelo que querem – e querem muito dinheiro.

A junção das atuações, roteiro e direção resultam num filme potente e marcante. É mesmo uma obra singela do cinema nacional, mas verdadeiramente forte a ponto de se fazer lembrar. Adoro o modo como tudo vira crítica aqui, seja nas falas do engenheiro – que diz que no Brasil, chega um e faz merda, aí vem outro seis meses depois e faz merda em cima da merda –, no comportamento da polícia, que deveria servir e proteger, mas acaba até mesmo traindo os seus e roubando bandido em função de benefícios pessoais e da ineficiência das investigações, que, como se vê no filme, mesmo conseguindo algumas informações, realmente não chega à profundidade do problema. Tem aqui até mesmo espaço para um pouco de humor, uma participação simpática de Cássio Gabus Mendes e, ainda, uma bela cena de sexo ao som de “Fora de Ordem”, do Caetano Veloso. Acredito, claro, que falte nesse filme a pungência dramática de Fernanda Montenegro em “Central do Brasil” assim como a delicadeza e precisão técnica de “Cidade de Deus” – mas, mesmo assim, acredito ser essa uma das melhores obras nacionais realizadas e que vale a pena ser vista por todos.

4 opiniões:

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Acho interessante os teus apontamentos ao filme, mas continuo odiando-o. Onde você vê virtude eu vejo tacanhice e canalhice formal, narrativa e de conteúdo. Como se vê, é uma questão de espectador para espectador, então não vou discutir. Texto bem apontado, porém, não concordo com os elementos aqui justamente porque não gostei do filme.

Concordo plenamente apenas com o primeiro parágrafo, no que se refere ao atual estágio da cinematografia brasileira.

=)

Unknown disse...

Pô Luis, jura q gostou desse filme? Achei uma das piores coisas no cinema esse ano. Tom global, novelesco, com personagens mal desenvolvidos, trama rocambolesca q se resolve sem mais nem menos... Senão tivesse visto o filme, até acharia q é bom, mas respeito tua opinião, tb gosto de alguns filmes q a maioria acha ruim.

Abração!

Hugo disse...

A maioria das críticas que li por aí não foram muito agradáveis com o filme.

Preciso assistir para ter uma opinião.

Abraço

Júlio Pereira disse...

Confesso não ter visto, mas não pretendo. Mas a intenção é boa, de ir além dos filmes de favela (que, no geral, eu gosto e defendo), mas se for pra fazer filmes ruins, não sei se é tão válido. Por exemplo, recentemente o Desconhecidos, um terror nacional, foi massacrado pela crítica. Fica a dúvida então, se sair da zona de conforto pra fazer porcarias vale a pena. Pra todo caso, não respeito tanto o filme pelo caso da esposa de Eriberto Leão não ter levado na maior das esportivas as críticas negativas (em especial a de Pablo Villaça), se mostrando uma chorona.
Porém, sua crítica ficou ótima, parabéns! http://www.lumi7.com.br/2011/12/um-close-up-na-setima-arte-taxi-driver.html