16 de dez. de 2011

Qualquer Gato Vira-lata


Brasil, 2011, 91 minutos, comédia. Diretores: Daniela de Carlo e Tomas Portella.

Trata-se não apenas do pior filme brasileiro a que eu já assisti, mas também do pior filme a que eu já assisti – insuportável demais.

Para quem conhece um pouco da dramaturgia nacional, sabe que “Qualquer Gato Vira-lata Tem uma Vida Sexual mais Sadia do que a Nossa” é uma das peças teatrais de maior sucesso. A peça produzida por Juca de Oliveira ficou cerca de 4 anos em cartaz, entre 1998 e 2002, e levou inúmeros espectadores a ver as apresentações. A adaptação dessa peça aconteceu e foi transposta para as telas do cinema e a defesa dos personagens centrais ficou por conta de Cléo Pires, Malvino Salvador e Dudu Azevedo.

Tati acabou de levar um pé na bunda do namorado (Azevedo) no dia do aniversário dele sob alegações dele de que não era romântica e que era invasiva demais. Abalada e sem saber como reagir a isso, ela acaba encontrando por acaso um professor de biologia (Salvador) que diz que as relações amorosas seriam mais sadias se as mulheres agissem como são programadas para agir: simplesmente esperando o homem “atacar”, já que essa é a função biológica natural deles. Assim, mesmo oposta a esse pensamento, a garota decide tornar cobaia de um teste que provaria na prática a veracidade da tese defendida pelo professor.

 Malvino, Cleo e Dudu numa das cenas mais toscas do filme.

Ainda que eu tenha tentado melhor um pouco o mote ridículo desse filme, eu acho que realmente não consegui mostrar com eficiência o quanto é medíocre todo o alicerce da história. Não sei o quanto da peça de Juca de Oliveira está presente nesse filme, mas, se esse filme patético conquistou fãs, não me surpreende mesmo que um milhão de pessoas tenha ido ao teatro para assistir a esse lixo de proposta de dramaturgia. Imagino – e espero! – que a peça tenha se direcionado por outros caminhos, porque esse filme é verdadeiramente a pior coisa que eu já vi na minha vida. Não sei bem de onde veio a necessidade de quatro mãos para escrever esse roteiro quando apenas uma – sim, de um roteirista maneta – seria necessária para redigir um texto tão ínfimo em qualidade. Tudo o que vemos aqui é extremamente óbvio e nada é verdadeira surpreendente. Aliás, se torna um postulado que o filme será um desastre já nos primeiros vinte minutos, mas mesmo assim tive alguma esperança de que houvesse uma pequena estabilidade na qualidade, mas essa estabilidade só se verifica na quantidade imensa de sequências ofensivas a que assistimos.

Penso que ofensivo seja uma palavra que resuma bem esse filme. Ele é tão medíocre que ofende, agride a inteligência do espectador quando nos oferece personagens tão limitados. O que é aquela Tati, meu Deus? Ela reclama da teoria machista de Conrado, mas ela é a criatura mais medonha que existe – corre atrás do namorado como se ele fosse o único motivo possível para se existir. E é curioso que ela chora por homem do começo ao final do filme, em momento nenhum ela para – se não é por Marcelo, que é um escroto, é por Conrado, que é um bocó. Acho que o termo “bocó” jamais coube também a um ser quanto cabe a Conrado – nem vou me estender nesse personagem, porque realmente não há muito que dizer, de tão insignificante que ele é. Marcelo, por sua vez, é um personagem acéfalo, que somente passeia pela película para mostrar seus músculos, uma dança incoerente para uma boate e, lógico, a incapacidade de Dudu Azevedo para a atuação. Aliás, as cenas que comportam Marcelo e seu excelente amigo Magrão são as piores, já que eles realmente representam o que há de pior nas atitudes masculinas: são personagens tão incomensuravelmente estereotipados que incomodam verdadeiramente – Magrão então só serve para fazer gestos vulgares, simulando sexo com as mãos e boca, terrível!

 Nem mesmo o momento catártico é funcional nesse filme.

Não sei exatamente o que se pode esperar dos atores – aliás, alguém pode explicar qual a função de Rita Guedes na história? –, já que a direção é verdadeiramente tenebrosa. Como poderiam os atores trabalhar eficientemente se não houver alguém com olhos críticos para lhes guiar? Nem Daniela nem Tomas puderam notar erros crassos nas atuações cheias de cacoetes dos atores, aí se vê um defeito imenso na direção. Não entendo, aliás, como eles puderam ceder à obviedade de todo o filme – nenhuma cena ali parece condizente com cérebro. Simples assim: são cenas tão estúpidas e mínimas que qualquer criança perceberia a ineficiência delas. O encadeamento das cenas é extremamente chato, porque parece que sempre vamos ver algo que já vimos e é exatamente isso acontece, porque toda a história se constrói numa previsibilidade bruta e incômoda.

O filme consegue ser tão desequilibrado no que quer mostrar que Conrado, por exemplo, só fica extremamente irritado quando Marcelo deduz que ele ainda não pegou Tati porque ele é viado. Eis o momento de irritação máxima do personagem, só para que tenhamos uma noção do quão interessantes são esses personagens a cuja vida assistimos por uma hora e meia. As diversas caretas de Cléo Pires também não ajudam. Me pergunto onde está a atriz responsável pela criação da maravilhosa Lurdinha, de “América”, aquela que dava em cima do Glauco (Edson Celurari). Se lá em 2005 e em alguns momentos da teledramaturgia essa atriz estava bem, aqui ela se mostra sofrível – o que é uma pena, porque já a vimos bem mais atenciosa à sua personagem, como no filme “Benjamin”, baseado no romance do Chico Buarque. Para mim, a maior surpresa negativa foi realmente ela.

Se chegaram até aqui, devem saber que eu achei esse filme um verdadeiro lixo. Produção que não serve nem mesmo para se mostrar como não fazer um filme. E eu achei que eu jamais veria filmes piores do que “O Sacrifício do Mal” ou “Terra Rasa”, duas produções coincidentemente do gênero terror, mas vi nessa comédia nacional uma verdadeira ameaça à inteligência, um exercício de retrocesso e o mais triste é saber que muitos vão simplesmente ignorar todo o conteúdo descabido desse filme e disseminá-lo como um “filme que diverte se você não se ativer aos defeitos” – definitivamente não é um filme que pode ser engraçadinho: é um filme de roteiro todo construído em erro, de atuações pífias, de direção parca, de edição medíocre, de trilha sonora incômoda (o que é aquela música chata que toca na balada). Enfim, uma bosta, uma grande bosta.

1 opiniões:

Nathália disse...

"Ô, Marcelô, *onomatopeia* se meu síndico vê isso eu tô na rua, é isso que você quer?
Cê sabe que eu demorei seis meses pra alugar esse apartamento. Olha só o que que cê me arruma..."

"Mas isso é esquizofrênico... Se toda vez eu tenho que fazer exatamente o oposto do que eu quero, é melhor deixar como tá, porque tá uma merda, mas pelo menos tá uma merda com o Marcelo!"

Destaco esse dois momentos - mas poderia citar muitos mais - como o que você bem chamou de "um exercício de retrocesso".

É um filme bem difícil, não é mesmo?!