10 de dez. de 2011

A Centopeia Humana 2

The Human Centipede 2. Holanda, 2011, 88 minutos, terror. Direção: Tom Six.
Essa produção parece ter cruzado a barreira do artístico e, infelizmente, chegou no campo do agressivo-inútil para precisar firmar-se como filme impactante.

Quando resenhei The Human Centipede aqui, no ano passado, eu havia comentado de que ficara decepcionado com o filme justamente porque ele prometia mais do que cumpria – víamos uma obra que se dizia muito intensa, mas que muito mais sugeria do que mostrava, parecendo haver inconsistência entre os diversos falares dos produtores e aquilo que nos era apresentado. Pois bem, chegou a primeira continuação e com ela muitas novidades – algumas boas e outras um pouco negativas.

A primeira coisa que me chamou a atenção quanto à nova história é justamente o fato de que ela transforma o primeiro filme em “apenas um filme”. Martin é um rapaz de idade indefinida, com algum tipo de retardo mental, que é apaixonado pelo filme “A Centopeia Humana”, de Tom Six, e que, motivado pelo que ele vê em cena – no caso, a criatura composta de três seres humanos feita por Dr. Heiter, protagonista do filme –, decide criar a sua própria centopéia, mas decide fazê-la com doze indivíduos. Como se vê, parece haver uma notável confluência de dois filmes num só, já que ambos acabam encontrando-se intrinsecamente na diegese, sendo um a extensão do outro. Por exemplo, se o primeiro filme é tratada como um filme na continuação, logo percebemos que seria fundamental que víssemos também aquilo que Martin vê para entender o porquê daquela sua fascinação pela criatura bisonha que ele quer criar. É como se víssemos a apenas um filme e a primeira parte fosse, na verdade, um momento em que nós, juntamente com o personagem da segunda película, acompanha a história.

Um personagem silente de expressão aburdamente comuniticativa.

Isso faz com que nós enxerguemos o exercício magnífico da metalinguagem presente no roteiro escrito por Tom Six e, mais ainda, que possamos compreender os recursos utilizados para justificar essa diferença entre real (segundo filme) e ficção (primeiro filme) – e ainda assim nem mesmo podemos fazer distinções muito precisas, porque há duas cenas nessa segunda obra que nos levam a crer tratar-se também de outro filme, sendo, então, “o filme dentro do filme dentro do filme”, num mise em abyme extremamente intenso. A diferença entre o real e o fictício é feito através da fotografia – uma colorida, no primeiro, e outra em preto e branco, no segundo. Assim, percebemos que os dois filmes já se assumem distintos quanto ao seu plano de realidade. E o diretor e roteirista Tom Six enfatiza que o primeiro trata-se verdadeiramente apenas de um filme, já que Martin inclusive possui um portfólio no qual cola fotos e cenas dos atores do filme, tendo um especial desejo por Ashlyn Yennie, que, aqui, atua como ela mesma, sendo a atriz a quem Martin conseguiu contatar para um novo filme do Tarantino, como forma de atraí-la para ser, por fim, parte de uma centopéia humana de verdade.

O roteiro do filme aborda as situações de modo ágil, já que ele não se ocupa em ficar explicando muitas coisas, o que é sensato, pois, quisesse explicar, decerto veríamos explicações fraudulentas que não satisfariam a nossa curiosidade. Assim, é melhor que não saibamos como Martin faz para limpar o estacionamento no qual trabalha ou, ainda, como faz para não se pego por nenhuma das câmeras que vigiam o local. Sem espaço para essas explicações – dando o dever de preencher as lacunas ao espectador – o filme segue em frente, focando-se especialmente em como Martin captura as suas vítimas. Outra qualidade interessantíssima do filme é a composição do personagem Martin, que se trata de uma figura bastante assombrosa não apenas pelo seu comportamento violento e pelo distúrbio mental que lhe faz desejar bizarramente a centopéia, mas também pelo seu comportamento passivo diante de muitas situações, como nas cenas em que o vemos em casa sendo oprimido por uma mãe que lhe odeia. Ainda, tem o simples fato de terem-no caracterizado muito peculiarmente – seus olhos ficam esbugalhados a maior parte do tempo, ele não para de suar e se move mecânica e dificilmente, devido à sua barriga imensa, parece perturbá-lo, já que dificulta o caminhar, e perturba a nós também, justamente por parecer descomunal, acentuando a peculiaridade dele. Destaque especial pelo modo medonho com o qual ele fica passando o dedo na língua, com um desejo asqueroso. Asco talvez seja a palavra que melhor defina esse personagem e penso que ele seja um dos que mais me fizeram sentir náuseas – apenas por si próprio e pelo seu comportamento doentio. Não se pode falar sobre Martin e sua mãe sem comentar a respeito da cena interessantíssima que alude à Psycho, de Hitchcock – depois de assassinar sua mãe e destruir a face dela, Martin a coloca à mesa, como se ambos jantassem juntos, e vemo-la em posição semelhante e em ambiência semelhante àquela da cena final do clássico de 1960, quando conhecemos que a mãe de Bates, na verdade, está morta. 

 Uma câmera teatral que enquadra o médico pedesrasta, a mãe enraivecida e o protagonista louco.

Se o roteiro parece lento, mas interessante, até sua primeira metade, ele se torna gradualmente desmotivador à medida que o filme se aproxima daquilo que eu considero ser o seu maior erro: o excesso de gore. Tom Six havia prometido e não cumprido em The Human Centipede; aqui, no entanto, ele cumpre mais do que esperávamos. Eu sou um profundo defensor do cinema agressivo, que mostra cenas sem medo da reação do público, que não se abala pelos espectadores mais frescos que não podem com nada que já sentem o estômago embrulhar. Nessa obra, no entanto, o que vemos é realmente uma quantidade descabida de cenas fortes, que incluem dentes sendo quebrados a martelada, línguas arrancadas, cortes do ligamento do joelho, um parto violento e muito mouth to ass com direito a fezes jorrando. Difícil dizer que se trata apenas de uma obra artística, uma vez que arte busca atrair o público e colocá-lo diante de alguma estesia, fazendo-o refletir de algum modo, e aqui o público mal consegue terminar de assistir ao filme. Em muitos momentos, eu precisei virar o rosto para não ver certas cenas. Podemos, claro, assumir que a violência gráfica seja a principal característica desse filme e não faria sentido reclamar dela, uma vez que o filme foi provavelmente feito para uma parcela pequena da audiência, justamente aquela que não se incomoda com muitas das cenas aqui mostradas – e somente assim eu poderia dizer que Tom Six há de ser provavelmente um dos nomes mais potentes desse novo cinema de horror em que o narrar e o chocar são intrínsecos e, por si sós, extremamente violentos. Caso tenham pretendido atingir todo o público fã do gênero, o gore excessivo pode prejudicar, até porque é difícil agüentar tanto sangue e tantos closes.

A meu ver, esse filme procura mais chocar do que narrar, pois, realmente, muito do que vemos poderia ser omitido, principalmente porque já vimos uma vez pelo menos. A repetição de muitas cenas sanguinárias me fez crer que isso tudo tem a ver com a questão de firmar-se como um filme impactante, que choca o público, muito mais do que narrar – o que vinha sendo feito muito bem até o segundo terço do filme. Um pouco menos de gratuidade, um pouco menos de exagero e teria sido esse um dos melhores filmes de terror que vi recentemente.

4 opiniões:

Ailton Monteiro disse...

Muito bom o seu texto. Escrevi sobre o filme em meu blog, mas tive dificuldades em encontrar palavras para descrever a minha insatisfação com o filme. Coisa que você fez muito bem. Primeira vez que passo aqui e já gostei muito do ambiente. Abraço!

Kamila disse...

Olha que interessante. Não conhecia esse filme, mas acho que uma obra que procura chocar mais do que narrar, sempre é muito complicada...

Anônimo disse...

Gostei muito do seu texto e compactuo com você quando diz que o filme peca por excesso de gore. Realmente não precisava tanto.

Lumi 7 disse...

ótimo texto. Deu curiosidade de conhecer o filme. desde o original não havia me interessado.
abraço
Wilson Antonio

www.lumi7.com.br