24 de dez. de 2011

Precisamos Falar sobre Kevin

We Need to Talk about Kevin. Reino Unido, 2011, 112 minutos, drama. Diretora: Lynne Ramsay.

Mal a década começou e Tilda Swinton já nos presenteia com uma das melhores atuações do cinema. Apesar de algumas falhas, esse filme é potencialmente um dos mais bem desenvolvidos em 2011.

Começaram as divulgações dos indicados às premiações e o nome de Tilda Swinton apareceu aqui e acolá, mostrando que não apenas os cinéfilos, mas também os críticos vêm gostando bastante do seu trabalho nessa produção britânica, que transpôs o material literário homônimo de Lionel Shriver, datado de 2007, para a as telas, nos contando cinematograficamente a história de Eva Katchadourian, uma mulher que não via a maternidade como fonte de felicidade, mas, tendo tido Kevin, dedicou-se à relação com o filho, que se mostrava cada vez mais perturbada, fosse pela índole já naturalmente perigosa do garoto, fosse pela reciprocidade do desafeto entre o jovem Kevin e a mãe.

É necessário, sobretudo, compreender a situação de Eva antes de chegarmos ao momento em que ela se vê em intenso conflito com seu próprio filho. Percebemos pelo filme que a sua juventude foi extremamente liberal, na qual ela se entregou a situações que considerava prazerosas - festas orgiásticas, conversas regadas a bebidas, muito cigarro, muita caminhada na chuva. Isso ao lado de seu namorado e posteriormente marido, Franklin, com quem viria a ter o pequeno (e monstruoso) Kevin. De certo modo, temos a impressão de que o casamento trouxe consigo um refreamento dos instintos libertários da personagem e que ela, adotando um “estilo de vida” mais centrado e menos expansivo. A somar, vem uma gravidez, que parece limitá-la ainda mais àquela vida que definitivamente não combina com ela. Basta que vejamos dois momentos seus: ela nas festas e fumando com o namorado e depois, já grávida, com o olhar baixo, no rosto uma expressão de acatamento. Não quero, claro, justificar o futuro comportamento do seu filho, mas é inegável que ela própria não se sente à vontade na situação na qual se encontra e provavelmente deixaria transparecer a sua insatisfação com o casamento e com a maternidade mais para frente, o que potencialmente afetaria o seu filho, tornando-o mais distante dela e, talvez, mais predisposto a irritá-la, já que poderia nunca se sentir amado o suficiente.

 Um dos vários momentos em que há desconforto entre mãe e filho.

É inegável que existem três fatores que levam ao fracasso pessoal da vida de Eva, como vemos no filme. O primeiro deles vem dela própria: insatisfeita, ela carrega seu descontentamento para a vida. O segundo vem da casualidade, como vemos na longa cena em que ela passeia com a criança que não pára de chorar. Não se pode atribuir culpa a um recém-nascido; o fato de a criança não parar de chorar é realmente casual, poderia ter acontecido com ela ou com outra pessoa, tudo depende de uma série de coisas envolvendo o bebê, como o nível de fome, de conforto, se tem cólicas ou não etc. É inevitável não achar que foi proposital a choradeira, principalmente quando logo depois o pai o pega e ele fica quieto, embora a mãe tenha tentado isso durante toda a tarde. Aliás, nesse momento há espaço para uma cena maravilhosa, de extrema sensibilidade, justamente por estéticas opostas, que contrapõe a questão física e a questão semântica: já sem poder mais agüentar os choros de Kevin e passeando com ele há muito tempo, Eva para perto de uma britadeira e fica ali ouvindo o som da máquina contra o solo, estando evidentemente mais à vontade com os ruídos terríveis do que com o choro do filho.

Não podemos, porém, ignorar o terceiro fator, que é, a meu ver, aquele que realmente dá mote ao filme, que transforma a vida de Eva num verdadeiro inferno: seu filho a odeia. Simplesmente, o que ele sempre é ódio e esse sentimento começa na infância e se estende até a vida adulta, mesmo depois de Kevin ter se tornado a ameaça não apenas iminente, mas também comprovada. Esses três fatores são bastante visíveis e já se evidenciam no começo da trama, já que ela, por não seguir uma linearidade, já nos permite saber que Eva teve seu momento de felicidade (anterior ao casamento); seu momento de instabilidade, quando suspeitava de que Kevin não se portava normalmente; o seu momento de dor, quando constata que o filho foi responsável por um homicídio em massa no colégio, quando ele tinha 15 anos; e, por fim, o seu momento de fracasso extremo, quando ela se torna alvo da raiva de todos que perderam seus filhos vitimados pelo filho dela. E o mais importante disso é dizer que Tilda Swinton consegue diferenciar com extrema eficiência cada um desses momentos, mostrando talentosíssima nesse filme e indubitavelmente provando que é uma grande atriz. 

 O momento de choque: a descoberta do que Kevin fez.

A força do filme se encontra em dois elementos: na monstruosidade de Kevin e na atuação de Swinton. O roteiro explicita muito bem que a criança é realmente perigosa, havendo nele desde cedo uma raiva iminente, algo descontrolável contra a mãe, perturbando-a tanto quanto pode. É notável que suas ações visam exclusivamente incomodá-la - as tantas vezes que suja a casa como pirraça, o modo não a responde adequadamente, as suas atitudes evasivas e a sua constante má vontade, enchendo as suas falas de agressões. Todos os intérpretes de Kevin conseguiram resumir a potência destrutiva do personagem no olhar e nos pequenos detalhes, de modo a não tornar o personagem caricato.  Todos souberam bem como trabalhar os detalhes e eles realmente trouxeram à tona o que há de maligno em Kevin. Evidente que o fato de a mãe nunca ter lhe amado totalmente é um elemento essencial ao comportamento do jovem, mas percebemos que existe uma naturalidade muito grande nele - é naturalmente mau, é ruim de nascença. Tilda Swinton sustenta praticamente o filme nas costas, não apenas por ser a protagonista, mas porque parecia determinada a dar o melhor de si - não é à toa que tem conquistado a todos pela sua belíssima performance como Eva Katchadourian. Difícil apontar uma cena de destaque, já que em todas a atriz está excepcionalmente bela, decerto num de seus melhores trabalhos artísticos que, indubitavelmente, deve lhe render alguns prêmios. O filme só não é uma maravilha nas atuações porque John C. Reilly realmente não ajuda. Sua interpretação como Franklin, o pai de Kevin, deveria nos fazer compreender que o filho realmente se porta de modos diferentes com o pai e com a mãe. Mas a figura de Reilly em cena faz com que o associemos a esses pais bobões que acham tudo bonito e que só defendem as criancinhas, e não como o pai que verdadeiramente vê no filho uma criança amável porque a criança é, sob sua perspectiva, adorável. Esse é um problema, porque quando contracena com Swinton, parece que a personagem dela é tosca e problemática e não que ela percebe haver um erro no Kevin, que, como percebemos, em ironia máxima com o título, nunca é o foco de nenhuma conversa.

Honestamente, acredito que esse filme foi uma das mais agradáveis surpresas do ano. Para mim, dificilmente outra atriz conseguirá se equiparar ou superar a maravilhosa performance de Tilda Swinton bem como poucos filmes apresentaram abordagem tão sincera quanto essa. Mesmo que a falta de linearidade do roteiro seja um problema - seria bem mais interessante ver começo, meio e fim, a fim de evitar rodeios desnecessários -, essa produção se revela um filme forte, que não se restringe a um bom aspecto técnico ou artístico, mas que se expande e oferece ao espectador quase duas horas de um deleite bastante tenso. Ao final, a pergunta que fica é: adiantaria se tivessem conversado sobre Kevin?

2 opiniões:

Júlio Pereira disse...

Nunca fiquei tão animado com esse filme, mesmo com todas as críticas positivas (ainda que meu companheiro, amigo e crítico Wilson Antonio tenha dito que é fraco) - é o mesmo que aconteceu com Drive, que não estou empolgado ainda. Mas eu pretendo ver sim, sem preconceitos e com boa vontade, ainda mais por me parecer se tratar de um bom filme psicológico e pelo time do elenco - aliás, aposto na Tilda no Globo de Ouro.

Luís disse...

Júlio, esse filme vale a pena ser visto, eu acredito. Agora Drive não me empolgou nem mesmo quando eu estava a vê0lo, me parece bastante sobrevalorizado.

Um abraço.