24 de jul. de 2010

Direito de Amar

A Single Man. UK, 2009, 96 minutos. Drama. Dirigido por Tom Ford.
Indicado ao Oscar de Melhor Ator (Colin Firth).
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Nunca pensei que pudesse ficar tão impressionado com um filme. Quando eu me deitei confortavelmente no sofá, muito bem coberto, para ver Direito de Amar, eu tinha pouquíssimas expectativas. O Renan já havia comentado comigo que esse é “um filme bonito” – ele se referia ao conjunto de elemento, mas eu apenas pensei que se tratasse da fotografia do filme. Estava enganado e agora admito: toda a beleza está nesse filme!

Achei que o acerto máximo do filme foi a sutileza. Tudo nele é sutil e delicado, mas ao mesmo tempo é envolvente e tenro. Podemos perceber que tudo foi concebido com muita ternura e isso atravessa a tela, chega ao espectador, que vibra com o desenvolvimento da história. Todos os personagens são muito bem elaborados e sabemos deles o que é necessário saber – tanto é que do começo ao fim do filme se passa apenas um dia, então, não há muito tempo para flashbacks longos e inconcisos. A história começa o amanhecer do dia para George, um professor ginasial que perdeu o seu companheiro de 16 anos num acidente de carro. George, já cansado da vida que leva como homem sozinho, decide que aquele será o seu último dia – ele vai se matar.

George é o homem perfeito: solidário, gentil, culto. O drama que o perturba reside no fato de que não há alguém com quem ele possa partilhar dessa sua personalidade como podia fazer com Jim, o seu companheiro. É possível perceber essa necessidade dele pelo modo atento como ele busca características boas nas pessoas ao seu redor – ele sente o cheiro delas, observa como elas se comportam, ele busca por aquilo que não está na superfície, numa clara tentativa de trazer essa pessoa para o seu mundo. Quando sente o cheiro da secretária, ele passa a vê-la diferentemente, pois reconhece nela algo que lhe é compatível; ele, no entanto, não se apaixona por mulheres, como ele mesmo diz numa cena. Depois, conversa brevemente com Kenny, um de seus alunos, e nele enxerga uma série de elementos que lhes permitem aproximar-se. Ao conversar com Carlos, o espanhol, George vê beleza e qualidade no rapaz, mas podemos perceber que eles são bem distantes um do outro – o que George busca é algo sólido, diferentemente da instabilidade da juventude impulsiva de Carlos. De novo, ao falar com Kenny, as cores voltam para a tela, numa clara demonstração que há entre os dois o entrosamento suficiente para que George seja feliz de novo.

As cores são muito bem exploradas ao longo do filme. Elas servem para que identifiquemos o que é presente, o que é o passado, e também serve para que definamos as sensações que o personagem principal sente. Toda vez que ele se sente atraído por alguma característica de alguém ou de alguma situação, as cores tornam-se vibrantes, como no momento em que ele conversa com Carlos e vê o rapaz soltando a fumaça do cigarro pela boca – a intensidade da cor aumenta: a boca do jovem fica bem vermelha, a pele fica com um tom mais vívido. As cores são importantes na vida do professor e elas estão presentes o tempo todo. Antes da morte de Jim, a vida de George tinha cores normais; após a morte do companheiro, sua vida tornou-se azulada e fria. Há também momentos em que há uma cena em preto e branco, para intensificar o drama do diálogo dos personagens – aquele é um momento para revelações importantes, o espectador deve se ater somente às falas dos personagens e não às cores do ambiente em que eles estão. É interessante notar que é feita uma relação sobre o passado de George e Charlotte, dita sob a perspectiva do personagem principal e muito provavelmente por isso que a cena foi concebida em preto e branco (para que nos atenhamos ao que ele diz apenas); mais tarde, ouvimos um diálogo semelhante, dito desta vez sob a perspectiva de Charlotte, e as cores da cena estão intensas. Isso representa o que o romance entre os dois representou na vida de cada um. As cores, nesse momento, podem representar também o sentimento de amor carnal – ele a ama como amiga (preto e branco), já ela o ama como homem também (portanto, o uso de cores intensas justificaria o sentimento dela).

É difícil comentar sobre os atores. Todos estão muito bem em seus personagens, mas evidentemente que os atores em destaque são Colin Firth e Julianne Moore. Ambos realizam performances difíceis e mesmo assim eles a compõem de modo muito complexo e completo, extasiando o espectador. Eles são bem opositivos – ele contido, ela expansiva. Confesso que Firth nunca foi um ator a quem dei muitos créditos, porque sempre o vi em comédias de pouco alcance artístico ou em filmes que me incomodaram, como Moça de Brinco de Pérola. Desta vez, não apenas o personagem é fantástico como é também fantástica a realização artística desse ator. Sua indicação foi totalmente válida, mas, como ainda não conferi o desempenho dos outros atores, não posso dizer se eu lhe daria o prêmio ou não. Agora, sejamos justos com Julianne Moore: chamá-la de boa atriz é um desrespeito. Ela é uma ótima atriz, concebe excelentes desempenhos e cada vez mais me convence de que a Academia é burra por tê-la indicado tanto sem premiá-la – e mais burra ainda por ignorar a magnífica interpretação que a atriz realizou. Ela está magnífica como Charlotte e eu senti tudo aquilo que a personagem dela sente – eu ri com ela, eu me senti mal com ela, ela me passou todas as emoções que sentia e isso é uma capacidade que poucas atrizes conseguem. A sua não-indicação me descontentou totalmente e acho que a categoria Melhor Atriz Coadjuvante desse ano saiu perdendo sem a presença de Moore. Indicaram Penélope Cruz, mas não a indicaram? Escolha curiosa... Ainda bem que o Globo de Ouro foi sensato e a colocou na lista das indicadas!

Direito de Amar – cujo título, embora não seja uma tradução, foi uma boa escolha – é uma obra densa, repleta de sentimentos e que eleva os pesares dos personagens a uma categoria ultrarromântica, sem deixar que isso fique piegas ou anacrônico. Este não é um filme com boas atuações, apenas. É uma película que reúne todas as boas categorias cinematográficas e que consegue colocar o espectador em êxtase. Vale ressaltar que não é uma obra sobre sexualidade – é um filme sobre amor e dor, sobre decisões importantes que são capazes de modificar totalmente uma vida. Confiram-no sem medo e com boas expectativas, duvido que não se arrepender.

Luís

4 opiniões:

Cristiano Contreiras disse...

Eu acho esse filme um amplo retrato intimo emocional! teu ótimo texto resume bem a essência sensível e também técnica do filme...parabéns por trazê-lo aqui!

verei ele, novamente, dai poderei mostrar minhas impressões...

é um belo e apurado filme que merecia mais indicações ao Oscar, de fato!

Anônimo disse...

Pelo texto esse filme parece ser ótimo! Fiquei bem interessado em assisti-lo

Rafael disse...

Partilha sua personalidade comigo, George!
...E procure um oftalmo, essa coisa de cores pode ser um problema sério de visão.

Renan disse...

Sem dúvida o melhor filme que assisti no ano.

Pelos poucos filmes que vi com Colin Firth, não o acho um ator muito expressivo, e esse papel coube como uma luva pra ele, uma vez que ele tem que se mostrar frio e distante.

A não indicação da Julianne Moore foi uma sacanagem! Ela estava mil vezes melhor que a Penelope Cruz (embora eu ache que a premiação para Mo'nique tenha sido válida.